Os mansos e pacíficos

Francisco Muniz


No Sermão do Monte, Jesus propõe a mudança de comportamento para se alcançar a relativa felicidade a que os Espíritos farão jus na medida em que correspondam aos critérios que ele estabelece no Evangelho. Dentre as oito ou nove bem-aventuranças relacionadas em seu discurso, o Mestre salienta que são felizes, ou bem-aventurados, os mansos e pacíficos porque herdarão a terra.

A recomendação do Cristo se explica pela observação que Ele fez quanto à história do Homem no mundo, marcada por atos de violência contra o próximo e, inevitavelmente, contra si mesmo. Desse modo, cada pedaço de chão do planeta foi e tem sido desde sempre adubado com sangue. Por isso disse Jesus que durante muito tempo o Reino dos Céus tem sido tomado pela violência e pelos violentos.

Então recordamos do primeiro grande patriarca dos hebreus, Abraão, considerado o tronco principal das três grandes religiões monoteístas: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Abraão, segundo narram as Escrituras, foi o primeiro a intuir a ideia da unicidade de Deus, numa época em que o politeísmo grassava. Mas, para fazer com que seus contemporâneos aceitassem o Deus único, Abraão teve de fazer concessões, como permitir que os homens continuassem polígamos.

Ainda de acordo com esse pensamento, chegada a época de Moisés, que trouxe o conhecimento das Leis de Deus, para fazer com que os homens assimilassem esses conceitos, esse patriarca, diz um intérprete das Escrituras, teve também de fazer concessões aos hebreus e consentiu que eles continuassem belicosos. Com efeito, julgando-se ameaçados pelos povos vizinhos, politeístas, os antepassados de Jesus pediam a proteção divina para sobrepujar seus adversários.

Ainda que o problema esteja hoje afeito às questões antroposociológicas e políticas, o fato é que a violência está mesmo vinculada ao aspecto religioso das sociedades em todas as épocas, sendo tudo uma tentativa de alcançar ou recuperar o “paraíso perdido”, e assim observamos a disputa do profeta Elias com os sacerdotes do deus Baal, cultuado pelos reis de Israel de então, Acab e Jezabel.

Insatisfeito com essa devoção espúria, afrontando o Deus único, Elias propôs um desafio que confirmaria o deus verdadeiro: pilhas de madeira seriam feitas e, por invocação aos respectivos deuses, a pilha que acendesse primeiro daria essa confirmação e autorizaria seu autor a eliminar os outros. Elias sai vitorioso da disputa e, por direito, exige a vida dos sacerdotes.

Mas a que se deve essa belicosidade?

Segundo o Espírito Lázaro, comentando sobre a Lei de Amor em O Evangelho Segundo o Espiritismo, no começo o homem só tem instinto; mais avançado e corrompido, tem sensações; mais aprimorado, tem sentimentos e o ponto mais sublime dos sentimentos é o amor. Vemos, então, que tudo se resume à inferioridade moral do homem, porquanto os Espíritos Superiores disseram a Allan Kardec que estamos muito mais próximos do início que do meio da jornada.

Mas tanto o Cristo quanto o Espiritismo, o Consolador Prometido, vieram ao mundo para fazem com que apressemos os passos pela adoção de um código de moral muito mais elevada que a Lei de Talião do Velho Testamento, que nega o quinto mandamento da Lei de Deus apresentada por Moisés no Decálogo: “Não matarás”.

Durante muito tempo, a Igreja, isto é, o grupo que se fez herdeiro do Cristianismo sob as bênçãos do Império Romano, usou de violência para impor a fé, eliminando dissidentes através de instrumentos como as Cruzadas e a Inquisição. 

Hoje, graças à Terceira Revelação, que ensina como cumprir as leis de Deus, sabemos que ninguém tem o direito de tomar a vida de ninguém. Ainda assim, muitos povos se comprazem na guerra e certos Estados adotam a pena de morte par inutilmente conter a criminalidade, enquanto líderes de governos e empresários enriquecem com o comércio nefando de armas mortais.

O que pode ser feito para modificar esse quadro?

Ao final da Segunda Guerra Mundial, um grande veículo de comunicação dos Estados Unidos, de circulação nacional, propôs um concurso solicitando do público leitor sugestões com vistas a acabar com o espectro da guerra e assim fomentar a paz no mundo. Para tanto, oferecia um cobiçado prêmio em dinheiro, fazendo com que muitas cartas chegassem à redação da revista.

No final do concurso, abertas as cartas, a sugestão vencedora trazia apenas uma curta frase com apenas duas palavras: “Experimentem Jesus!”

De lá para cá, mais de 70 anos depois, a Humanidade segue em sua marcha belicosa, promovendo dor e sofrimento, sem atentar para as propostas deixadas pelo Cristo há mais de dois mil anos, fazendo pouco caso da herança que nos está reservada: a própria Terra!


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