Estudando O Livro dos Espíritos (23)

Francisco Muniz

Cap. IX - Intervenção dos Espíritos no mundo corporal

1 - Penetração dos Espíritos em nossos pensamentos

2 - Influência oculta dos Espíritos em nossos pensamentos e atos

3 - Possessos

4 - Convulsionários

5 - Afeição dos Espíritos por certas pessoas

6 - Anjos de guarda, Espíritos protetores, familiares ou simpáticos

7 - Pressentimenntos

8 - Influência dos Espíritos nos acontecimentos da vida

9 - Ação dos Espíritos sobre os fenômenos da Natureza

10 - Os Espíritos durante os combates

11 - Pactos

12 - Poder oculto, Talismãs. Feiticeiros

13 - Bênção e maldição



1
Os Espíritos podem ver tudo o que fazemos, pois constantemente nos rodeiam; mas, cada um só vê s coisas a que dá atenção, não se ocupando das que lhes são indiferentes. Podem conhecer nossos mais secretos pensamentos e muitas vezes conhecem aquilo que desejaríamos ocultar de nós mesmos. Nem atos, nem pensamentos lhes podem ser dissimulados. Desse modo, parece mais fácil ocultar alguma coisa de uma pessoa viva do que escondê-la dessa mesma pessoa depois de morta, e quando nos julgamos bem escondidos, muitas vezes temos uma multidão de Espíritos que nos observam. Quando ao que pensam os Espíritos que estão ao nosso redor e nos observam, aí depende. Os Espíritos levianos riem dos pequenos aborrecimentos que nos causam e zombam de nossas impaciências. Os Espíritos sérios lamentam nossas imperfeições e procuram ajudar-nos.

2
Os Espíritos influem em nossos pensamentos e atos muito mais do que imaginamos, pois frequentemente são eles que nos dirigem. Além dos pensamentos que nos são próprios há outros que nos são sugeridos. Nossa alma é um Espírito que pensa. Não ignoramos que muitos pensamentos nos ocorrem ao mesmo tempo sobre o mesmo assunto e, frequentemente, bastante contraditórios. Pois bem! Neles há sempre um pouco desses Espíritos e um pouco de nós, e é isso que nos deixa na incerteza, porque temos em nós duas ideias que se combatem. Eis como podemos distinguir os pensamentos que nos são próprios dos que nos são sugeridos: quando um pensamento nos é sugerido, é como uma voz que nos fala. Geralmente, os pensamentos próprios são os que nos ocorrem em primeiro lugar. Aliás, não nos é de grande interesse estabelecer essa distinção, e muitas vezes é útil não sabê-la: o homem age mais livremente. Se decidir pelo bem, ele o fará com maior boa vontade; se tomar o mau caminho, maior será sua responsabilidade. 

Nem sempre os homens inteligentes e de gênio tiram suas ideias de dentro de si mesmos. Algumas vezes elas lhes vêm se seu próprio Espírito, mas muitas vezes lhes são sugeridos por outros Espíritos que os julgam capazes de compreendê-las e dignos de transmiti-las. Quando os homens não as encontram em si mesmos, apelam para a inspiração. Sem que suspeitem, fazem verdadeira evocação. Diz-se que o primeiro impulso é sempre bom, mas a verdade é que pode ser bom ou mau, conforme a natureza do Espírito encarnado. É sempre bom naquele que ouve as boas inspirações. Para distinguir se um pensamento sugerido procede de um mau Espírito, é preciso estudar o caso. Os bons Espíritos só aconselham para o bem. Cabe-nos distinguir. Os Espíritos imperfeitos nos induzem ao mal com o objetivo de nos fazer sofrer como eles. Mas isso não diminui seu sofrimento, porque eles o fazem por inveja ao verem seres mais felizes. Esse sofrimento que eles querem que outros experimentem são da natureza dos que resultam dos seres de ordem inferior, afastados de Deus.

Deus permite que Espíritos nos incitem ao mal porque os Espíritos imperfeitos são instrumentos destinados a pôr em prova a fé e a constância dos homens no bem. Nós, sendo Espíritos, devemos progredir na ciência do infinito, e por isso passamos pelas provas do mal, para chegarmos ao bem. A missão dos bons Espíritos é colocar-nos no bom caminho, e quando más influências agem sobre nós, é que as atraímos pelo desejo do mal, pois os Espíritos inferiores vêm auxiliar-nos no mal, quando temos vontade de praticá-lo. Eles não podem ajudar-nos no mal senão quando queremos o mal. Pois bem! Se somos inclinados ao assassínio, teremos uma multidão de Espíritos que alimentarão em nós essa ideia. Mas, também, teremos outros que se empenharão em influenciar-nos para o bem, o que restabelece o equilíbrio da balança e nos deixa senhores de nossos atos.

O homem pode libertar-se da influência dos Espíritos que o impelem ao mal, visto que tais Espíritos só se apegam aos que os chamam por seus desejos ou os atraem por seus pensamentos. Os Espíritos cuja influência é repelida pela vontade do homem renunciam às suas tentativas. Quando não há nada a fazer, eles cedem o lugar. Entretanto, espreitam o momento favorável, como o gato espreita o rato. É pela prática do bem, pondo toda nossa confiança em Deus, que podemos neutralizar a influência dos maus Espíritos. Assim repeeliremos a ação dos Espíritos inferiores e destruiremos o império que querem ter sobre nós. Evitemos escutar as sugestões dos Espíritos que nos suscitam maus pensamentos, que sopram a discórdia entre nós e excitam todas as paixões más. Desconfiemos sobretudo dos que exaltam nosso orgulho, porque eles nos atacam em nossa fraqueza. Essa a razão por que Jesus nos ensinou a dizer, na oração dominical: Senhor! Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal.

Os Espíritos que procuram induzir-nos ao mal e que põem assim em prova nossa firmeza no bem não o fazem atendendo a uma missão. Nenhum Espírito recebe a missão de fazer o mal. Quando o faz, é por sua própria vontade e, por conseguinte, sofre as consequências. Deus pode permitir que ele o faça para nos provar, mas não o ordena, cabendo a nós repeli-lo. Quando experimentamos uma sensação de angústia, de ansiedade indefinível ou satisfação interior sem causa conhecida, isso é quase sempre efeito das comunicações quem, inconscientemente, temos com os Espíritos, ou que tivemos com eles durante o sono. Os Espíritos que nos querem induzir ao mal aproveitam a circunstância, mas muitas vezes a provocam, impelindo-nos, sem que o saibamos, para o objeto de nossa cobiça. Asasim, por exemplo, um homem encontra em seu caminho certa quantia de dinheiro: não pensemos que foram os Espíritos que a trouxeram para ali. Contudo, eles podem inspirar ao homem a ideia de tomar aquela direção e sugerir-lhe depois a de apoderar-se do dinheiro, enquanto outros lhe sugerem o pensamento de devolver o dinheiro ao dono. Dá-se o mesmo com todas as outras tentações.

3
Um Espírito não pode tomar nem por um momento o envoltório corporal de uma pessoa viva, isto é, introduzir-se num corpo animado e agir no lugar do Espírito que nele se encontra encarnado. O fato é que o Espírito não entra num corpo como entramos numa casa. Identifica-se com um Espírito encarnado, cujos defeitos e qualidades sejam as mesmas que os seus, a fim de agirem conjuntamente. Mas é sempre o Espírito encarnado quem atua, como quer, sobre a matéri de que se acha revestido. Um Espírito não pode substituir-se ao que está encrnado, pois este terá que permanecer ligado ao corpo até o termo fixado para sua existência material. Mas se não há possessão propriamente dita, isto é, coabitação de dois Espíritos no mesmo corpo, pode a alma ficar na dependência de outro Espírito, de modo a ser por ele subjugado ou obsidiado a ponto de sua vontade vir a achar-se, de certo modo, paralisada. São esses os verdadeiros possessos. Mas é preciso saber que essa dominação não se faz jamais sem a participação daquele que a suporta, seja por sua fraqueza, seja por seu desejo. Têm-se tomado, frequentemente, por possessos os epilépticos ou os loucos que têm mais necessidade de médico que de exorcismo. 

Pode-se, por si mesmo, afastar os maus Espíritos e se libertar de sua dominação, sacudir um jugo, quando se tem vontade firme. Pode acontecer que a fascinação exercida pelo mau Espírito seja tal que a pessoa subjugada não a perceba. Então, uma terceira pessoa pode fazer cessar a sujeição. Se é um homem de bem, sua vontade pode ajudar, apelando pelo concurso dos bons Espíritos, porque quanto mais se é um homem de bem, mais se tem poder sobre os Espíritos imperfeitos para os afastar, e sobre os Espíritos bons, para os atrair. Entretanto, seria incapaz se aquele que está subjugado não consentir nisso. Ecistem pessoas que se alegram em uma dependência que agrada seus gostos e seus desejos. Em todos os casos, aquele cujo coração não é puro não pode ter nenhuma influência: os bons Espíritos o abandonam e os maus não o temem.

As fórmulas de exorcismo não têm nenhuma eficácia sobre os Espíritos; quando esses Espíritos vêem alguém tomar a coisa a sério, riem e se obstinam. Há pessoas animadas de boas intenções e que não são menos obsedadas. O melhor meio de se livrar dos Espíritos obsessores é cansar sua paciência, não tomar conhecimento de suas sugestões, mostrar-lhes que perdem seu tempo; então, quando vêem que não têm nada a fazer, eles se vão. A prece é um meio eficaz para curar a obsessão, como é um poderoso socorro em tudo; mas, creiamos bem, não basta murmurar algumas palavras para obter o que se deseja. Deus assiste aqueles que agem e não aqueles que se limitam a pedir. É necessário, pois, que o obsidiado faça, a seu turno, aquilo que é necessário para destruir, em si mesmo, a causa que atrai os maus Espíritos.

A expulsão dos demônios de que fala o Evangelho depende da interpretação. Se chamamos domônio a um mau Espírito que subjuga um indivíduo, quando sua influência for destruída, ele será verdadeiramente expulso. Se atribuímos uma doença ao demônio, quando houvermos curado a doença diremos, também, que expulsamos o demônio. Uma coisa pode ser verdadeira ou falsa segundo o sentido que se der às palavras. As maiores verdades podem parecer absurdas quando não se olha senão a forma, e quando se toma a alegoria pela realidade. Compreendamos bem isto e o guardemos, pois é de uma aplicação geral.

4
Os Espíritos exercem um papel nos fenômenos que se produzem nos indivíduos designados sob o nome de convulsionários - e um papel muito grande, assim como o magnetismo, que lhe é a fonte primeira. Todavia, o charlatanismo, frequentemente, tem explorado e exagerado esses efeitos, o que os tem feito cair no ridículo. Em geral, são Espíritos de natureza pouco elevada os que concorrem para essa espécie de fenômenos. Creríamos que os Espíritos superiores se divertem com semelhantes coisas? É pelo efeito simpático que o estado anormal dos convulsionários e dos que sofrem crises pode acontecer subitamente em toda uma população; as disposições moris se comunicam muito facilmente em certos casos. Não estamos tão alheios aos efeitos magnéticos para não compreender isso e a parte que certos Espíritos devem tomar nisso por simpatia àqueles que os provocam.

A causa da insensibilidade física que se nota, seja em certos convulsionários, seja em outros indivíduos submetidos às torturas mais atrozes assim se explica: em alguns é um efeito exclusivamente magnético que age sobre o sistema nervoso, da mesma forma que vertas substâncias. Em outros, a exaltação do pensamento enfraquece a sensibilidade, porque a vida parece retirar-se do corpo para se transportar ao Espírito. Não sabemos que quando o Espírito está fortemente preocupado com uma coisa o corpo não sente, não vê e não ouve nada?

5
Os Espíritos se afeiçoam de preferência por certas pessoas. Os bons simpatizam com os homens de bem, ou suscetíveis de se melhorarem; os Espíritos interiores, com os homens viciosos ou que possam via a sê-lo. Daí sua afeição, por causa da semelhança das sensações. A verdadeira afeição nada tem de carnal, de modo que a afeição dos Espíritos por certas pessoas seria, a princípio, exclusivamente moral; mas, quando um Espírito se liga a uma pessoa, nem sempre é por afeição e pode aí misturar uma lembrança das paixões humanas. Os Espíritos se interessam por nossa infelicidade e por nossa prosperidade. Os que nos desejam o bem se afligem com os males que experimentamos durante a vida. Os bons Espíritos fazem o bem possível e ficam felizes com todas as nossas alegrias. 

Eles se afligem com nossos males quando não os suportamos com resignação, porque esses males são sem resultado para nós: somo como o doente que rejeita a bebida amarga que deve curá-lo. A natureza do mal de que os Espíritos mais se afligem por nós são nosso egoísmo e nossa dureza de coração: daí tudo deriva. Eles se riem de todos esses males imaginários que nscem do orgulho e da ambição, e se regozijam com aqueles que têm por efeito abreviar nosso tempo de prova. Sem dúvida, nossos parentes e amigos, que nos precederam na outra vida, têm por nós mais simpatia que os Espíritos que nos são estranhos; frequentemente eles nos protegem como Espíritos, seguundo seu poder. Eles são muito sensíveis à afeição que lhes conservamos, mas se esquecem daqueles que os esquecem. 

6
Há Espíritos que se ligam a um indivíduo em particular para o proteger. É o irmão espiritual, a que chamamos o bom Espírito ou o bom gênio. O Espírito protetor de uma ordem elevada é o que se deve entender por anjo guardião. A missão do Espírito protetor é a de um pai sobre seus filhos: guiar seu protegido no bom caminho, ajudá-lo com seus conselhos, consolar suas aflições, sustentar sua coragem nas provas da vida. O Espírito protetor liga-se ao indivíduo depois de seu nascimento até à morte, e, frequentemente, o segue depois da morte na vida espírita, e mesmo em várias existências corporais, porque essas existências são apenas fases bem curtas com relação à vida do Espírito. O Espírito protetor é obrigado a velar sobre nós porque aceitou essa tarefa, mas pode escolher os seres que lhe são simpáticos. Para alguns, é um prazer, para outros uma missão ou um dever. Ligando-se a uma pessoa, o Espírito não renuncia a proteger outros indivíduos, mas o faz menos exclusivamente.

O Espírito protetor não está fatalmente ligado ao ser confiado à sua guarda. Ocorre, frequentemente, que certos Espíritos deixam sua posição para executar diversas missões; mas, então, são substituídos. Algumas vezes, o Espírito protetor abandona seu protegido quando este é rebelde os seus conselhos. Ele se afasta quando vê seus conselhos inúteis, e que a vontade de sofrer a influência dos Espíritos inferiores é mais forte. Todavia, não o abandona completamente, e se faz sempre ouvir, sendo, então, o homem quem fecha os ouvidos. Ele retorna, desde que chamado. É uma doutrina que deveria converter os mais incrédulos por seu encanto e por sua doçura: a dos anjos guardiães. Pensar que se tem sempre perto de si seres que nos são superiores, que estão sempre aí para nos aconselhar, nos sustentar, nos ajudar a escalar a áspera montanha do bem, que são os amigos mais seguros e mais devotados do que as mais íntimas ligações que se possa contrair sobre a Terra, não é uma ideia bem consoladora?

Esses seres aqui estão por ordem de Deus; Ele os colocou junto de nós e aqui estão, por seu amor, cumprindo uma bela, mas penosa missão. Sim, onde estejmos, ele estará conosco: as prisões, os hospitais, os lugares de devassidão, a solidão, nada nos separa desse amigo que não podemos ver, mas do qual nossa alma sente os mais doces estímulos e ouve os sábios conselhos. Deveríamos conhecer melhor esta verdade! quantas vezes ela nos ajudaria nos momentos de crise; quantas vezes ela nos salvari dos maus Espíritos! Todavia, no grande dia, este anjo de bondade terá frequentemente de nos dizer: "Não te disse isto? e não o fizeste/ Não te mostrrei o abismo? e aí te precipitaste; não te fiz ouvir na consciência a voz da verdade? e não seguiste os conselhos da mentira?" Ah! interroguemos nossos anjos guardiães; estabeleçamos entre eles e nós essa ternura íntima que reina entre os melhores amigos. Não pensemos em esconder-lhes nada, porque eles têm os olhos de Deus, e não podemos enganá-los.

Sonhemos com o futuro; procuremos avançar nesta vida e nossas provas serão mais curtas, nossas existências mais felizes. Caminhemos! homens de coragem; atiremos para longe de nós, de uma vez por todas, preconceitos e ideias preconcebidas; entremos na nova estrada que se abre diante de nós, marchemos! temos orientadores, sigamo-los: o objetivo é Deus. Àqueles que pensam ser impossível aos Espíritos verdadeiramente elevados se sujeitarem a uma tarefa tão laboriosa e de todos os instantes, eles dirão que influenciam nossas alma estando a vários milhões de léguas de nós. Para eles, o espaço não é nada, e vivendo em outro mundo, os Espíritos conservam sua vigação conosco. Gozam de qualidades que não podemos compreender, mas estejamos certos de que Deus não impôs a eles uma terfa acima de suas forças e que Ele não nos abandonou a sós sobre a Terra, sem amigos nem apoio. Cada anjo guardião tem seu protegido sobre o qual vela, como um pai vela sobre seu filho, e é feliz quando o vê no bom caminho, e sofre quando seus conselhos são menosprezados.

Não temamos em fatigá-los com nossas perguntas: estejamos, ao contrário, sempre em relação com eles: seremos mais fortes e mais felizes. São essas comunicações de cada homem com seu Espírito familiar que fazem todos os homens médiuns, médiuns hoje ignorados, mas que se manifestarão mais tarde e se espalharão como um oceano sem limites para repelir a incredulidade e a ignorância. Homens instruídos, instruí; homens de talento, elevemos nossos irmãos. Não sabemos que obra cumpriremos assim: a do Cristo, a que Deus nos impôs. Pra que Deus nos deu a inteligência e a ciência, senão para repartir com nossos irmãos, para os adiantar no caminho da alegria e da felicidade eterna. Assim nos dizem São Luíz e Santo Agostinho.

O Espírito que abandona seu protegido, não lhe fazendo mais o bem, não lhe pode fazer o mal, porque os bons Espíritos não fazem, jamais, o mal; deixam que o façam aqueles que tomam seu lugar; então, acusamos a sorte pelos infortúnios que nos acabrunham, quando é nossa a falta.  O Espírito protetor pode deixar seu protegido à mercê de um Espírito que poderia lhe desejar o mal, pois há união dos maus Espíritos para neutralizar a ação dos bons. Mas, se o protegido quiser, ele dará toda a força a seu bom Espírito e este talvez encontre uma boa vontade, alhures, para ajudar; disto aproveita até seu retorno junto de seu protegido. Quando o Espírito protetor deixa seu protegido se transviar na vida, não é por falta de força de sua parte, na luta contra outros Espíritos malévolos. Não é porque ele não pode, mas porque ele não quer. Seu protegido sai das provas mais perfeito e mais instruído. Ele o assiste com seus conselhos, pelos bons pensamentos que lhe sugere, mas que, infelizmente, não são sempre escutados.

Não é senão a fraqueza, a negligência ou o orgulho do homem que dão força aos maus Espíritos; seu poder sobre nós resulta de não lhes opormos resistência. O Espírito protetor, contudo, não está constantemente com seu protegido. Há circunstâncias em que sua presença não é necessária. Mas chega um momento em que o Espírito não tem mais necessidade de um anjo guardião. É quando ele alcança um grau de poder conduzir a si mesmo, como chega o momento em que o escolar não tem mais necessidade do emstre; mas isso não ocorre sobre nossa Terra. É oculta, pois, a ação dos Espíritos sobre nossa existência e não fazem de modo ostensivo quando nos protegem porque, se continuássemos com o amparo deles, não agiríamos por nós mesmos e nosso Espírito não progrediria. O Espírito precisa de experiência para adiantar-se, experiência que, na maioria das vezes, deve ser adquirida à sua custa. É necessário que exercite suas forças, pois, do contrário, seria como uma criança a quem não permitem que ande sozinha.

A ação dos Espíritos que nos querem bem é sempre regulada de maneira a não tolher nosso livre-arbítrio, visto que nos há  de conduzir a Deus. Não vendo que o ampara, o homem se entrega às suas próprias forças; seu guia, entretanto, vela por ele e, de vez em quando, em alto e bom som, o adverte do perigo. Quanto ao lucro do Espírito protetor que consegue trazer ao bom caminho seu protegido, é um mérito que lhe será levado em conta, seja para seu progresso, seja para sua felicidade. Sente-se feliz quando vê que seus esforços são bem-sucedidos; é uma vitória para ele, assim como um professor se sente vitorioso pelo sucesso de seu aluno. Mas se não consegue bons resultados, não é responsável, pois fez o que dependia dele. O Espírito protetor que vê seu protegido seguir o mau caminho, apesar dos conselhos que lhe dá, sofre com os erros dele e os lamenta, embora essa aflição nada tenha das angústias da paternidade terrena, porque ele sabe que há remédio para o mal e o que não se faz hoje, amanhã se fará, de modo que isso não constitui motivo de perturbação de sua felicidade.

Quanto a sabermos o nome de nosso Espírito protetor, ou anjo da guarda, como queremos saber nomes que não existem para nós? Acreditamos, então, que só existem os Espíritos que conhecemos? Para invocá-lo, se não o conhecemos, é só dar-lhe o nome que quisermos, como o de um Espírito Superior que nos inspire simpatia ou veneração. Nosso Espírito protetor atenderá a esse apelo, visto que todos os bons Espíritos são irmãos e se assistem mutuamente. E é claro que os Espíritos protetores que tomam nomes conhecidos não serão sempre, realmente, os das pessoas que tiveram esses nomes. Não, mas são Espíritos que lhes são simpáticos e que muitas vezes comparecem por sua ordem. Precisamos de nomes: então eles tomam um que inspire confiança. Quando não podemos realizar pessoalmente uma missão, enviamos alguém de nossa confiança, que age em nosso nome. Reconheceremos nosso Espírito protetor quando estivermos na vida espiritual, pois não raro já o conhecíamos antes de nossa encarnação.

A proteção supõe certo grau de elevação e um poder ou uma virtude a mais, concedidos por Deus. Então, os Espíritos protetores podem ser contados entre os de classe mediana, por isso um pai, por exemplo, pode tornar-se o Espírito protetor de seu filho, ao passo que ele também pode ser assitido por um Espírito mais elevado. Os Espíritos que se achavam em boas condições ao deixarem a Terra nem sempre podem proteger os que lhes são caros e que lhes sobreviverem. Seu poder é mais ou menos restrito. A situação em que se encontram nem sempre lhes permite inteira liberdade de ação. Mesmo no estado selvagem ou de inferioridade moral, os homens têm seus Espíritos protetores. Mas esses Espíritos não são de ordem tão elevada quanto a dos Espíritos protetores dos homens mais adiantados. Cada homem tem um Espírito que vela por ele, mas as missões são relativas ao seu objetivo. Não damos a uma criança que aprende a ler um professor de Filosofia.

O progresso do Espírito familiar segue de perto o do Espírito protegido. Tendo nós mesmos um Espírito superior que vela por nós, podemos, por nossa vez, tornar-nos o protetor de outro que nos seja inferior, e os progressos que este realize, com o auxílio que lhe dispensarmos, contribuirão para nosso adiantamento. Deus não exige do Espírito mais do que comportem sua natureza e o grau de elevação a que chegou. É muito difícil que um pai continue a velar pelo filho quando reencarna, mas ele roga, num momento de desprendimento, que um Espírito simpático o assista nessa missão. Aliás, os Espíritos só aceitam missões que possam desempenhar até o fim. O Espírito encarnado, sobretudo onde a existência é material, acha-se sujeito demais ao corpo para poder devotar-se inteiramente a outro Espírito, isto é, para poder assisti-lo pessoalmente. Por isso, os que ainda não se elevaram bastante são também assistidos por outros Espíritos, que lhes são superiores, de tal dorte que, se um deles faltar por uma razão qualquer, será substituído por outro.

Além do Espírito protetor, pode haver também um mau Espírito ligado a cada indivíduo com o objetivo de impeli-lo ao erro e de lhe proporcionar ocasiões de lutar entre o bem e o mal. Mas ligado não é bem o termo. É bem verdade que os maus Espíritos procuram desviar o homem do bom caminho, quando encontram ocasião para isso. Quando, porém, um deles se liga a um indivíduo, o faz por si mesmo, porque espera ser ouvido. Então haverá luta entre o bom e o mau, vencendo aquele por quem o homem se deixa influenciar. Podemos ter muitos Espíritos protetores, porque todo homem sempre tem Espíritos simpáticos, mais ou menos elevados, que por ele se afeiçoam e se interessam, como também tem os que o assistem no mal. Algumas vezes os Espíritos que nos são simpáticos podem ter uma missão temporária junto a nós, mas quase sempre são atraídos pela identidade de pensamentos e sentimentos, tanto oara o bem quanto para o mal. Disso resulta que os Espíritos que conosco simpatizam podem ser bons ou maus, pois o homem sempre encontra Espíritos que com ele simpatizam, seja qual for seu caráter.

Espíritos familiares, Espíritos simpáticos e Espíritos proterores podem ser a mesma coisa, porque há muitas gradações na proteção e na simpatia. Demo-lhes os nome que quisermos. O Espírito familiar é antes o amigo da casa. Certas pessoas exercem sobre outras, de fato, uma espécie de fascinação que parece irresistível. Quando isso acontece para o mal, são maus Espíritos, de que se servem outros Espíritos maus para melhor subjugá-las. Deus pode permiti-lo para nos experimentar. Assim se deve pensr dessas pessoas ue parecem ligar-se a certos indivíduos para levá-los fatalmente à perdição ou para guiá-los no bom caminho. Nossos bom e mau gênio poderiam encarnar, a fim de nos acompanharem na vida de maneira mais direta e isso acontece algumas vezes. Frequentemente, porém, eles encarregam dessa missão outros Espíritos encarnados que lhes sejam simpáticos. Há Espíritos que se ligam a uma família inteira para protegê-la, pois alguns deles se apegam aos membros de uma mesma família, que vivem juntos e unidos pela afeição, mas não acreditemos em Espíritos protetores do orgulho das raças.

Assim como os Espíritos são atraídos para alguns indivíduos em razão de suas simpatias, dá-se que sejam atraídos também, por motivos particulares, para as reuniões de certas criaturas. É claro, os Espírito vão, de preferência, aonde se acham seus semelhantes. Aí ficam mais à vontade e mais seguros de que serão ouvidos. O homem atrai os Espíritos em razão de suas tendências, quer esteja só, quer faça parte de um todo coletivo, como uma sociedade, uma cidade ou um povo. Há, pois, sociedades, cidades e povos que são assistidos por Espíritos mais ou menos elevados, conforme o caráter e as paixões que aí predominem, Os Espíritos imperfeitos se afastam dos que os repelem; consequentemente, o aperfeiçoamento moral das coletividdes, assim como o dos indivíduos, tende a afastar os maus Espíritos e a atrair os bons, que estimulam o alimentam o sentimento do bem nas massas, como outros podem lhes insuflar as más paixões. Assim, as aglomerações de indivíduos, como as sociedades, as cidades, as nações, têm seus Espíritos protetores especiais.

Essas aglomerações, portanto, são individualidades coletivas que marcham para um objetivo comum e que precisam de uma direção superior. Quanto a serem os Espíritos protetores das coletividades de natureza mais elevada do que os que se ligam aos indivíduos, o fato é que tudo é relativo ao grau de adiantamento das massas, assim como dos indivíduos. Desse modo, certos Espíritos podem auxiliar o progresso das artes, protegendo os que se dedicam a elas, assistindo os que os invocam, quando os julgam dignos. Mas, que queremos que façam com o que pensam ser o que não são? Eles não fazem os cegos verem, nem os surdos ouvirem.

7
O pressentimento é sempre um aviso do Espírito protetor, é o conselho íntimo e oculto de um Espírito que nos quer bem. Também está na intuição da escolha que se haja feito. É a voz do instinto. Antes de encarnar, o Espírito tem conhecimento das fazes principais de sua existência, isto é, do gênero de provas com as quais se compromete. Quando estas têm caráter marcante, ele conserva no íntimo uma espécie de impressão, que a voz do instinto, e essa impressão, despertando quando chega o momento de sofrer as provas, torna-se pressentimento. Como os pressentimentos e a voz do instinto têm sempre algo de vago, na incerteza, quando estivermos em dúvida, devemos invocar nosso bom Espírito, ou pedir a Deus, Senhor de todos os seres, para que nos envie um de seus mensageiros, um dos instrutores espirituais que podem nos aconselhar. As advertências de nossos Espíritos protetores não têm como finalidade única nossa conduta moral ou também a conduta que devamos adotar em relação aos assuntos da vida particular. Eles nos aconselham em tudo, tentando fazer que vivamos o melhor possível. Mas, quase sempre fechamos os ouvidos às salutres advertências e nos tornamos infelizes por nossa culpa.

8
É certo que os Espíritos exercem alguma influência nos acontecimentos da vida, posto que nos aconselham. E exercem essa influência também além dos pensamentos que sugerem, atuando diretamente sobre a realização das coisas, mas nunca agindo fora das leis da Natureza. É bem verdade que os Espíritos têm ação sobre a matéria, mas para cumprimento das leis da Natureza, e não para derrogá-las, fazendo surgir, no momento certo, um acontecimento inesperado e contrário àquelas leis. Desse modo, não podem provocar certos efeitos, a fim de que se realize um acontecimento, por exemplo, quebrando uma escada que um homem que deve morrer subiria e ela de fato se quebraria e ele morreria. Para isso, a escada se quebraria por estar podre ou não ser bastante forte para suportar o peso do homem. Se estivesse no destino daquele homem perecer de tal maneira, os Espíritos lhe inspirariam a ideia de subir a escada em questão, que teria de quebrar-se com seu peso, e sua morte se daria por um efeito natural, sem necessidade de um milagre para isso.

É a mesma coisa quando um homem deve morrer fulminado por um raio, não entrndo em questão o estado natural da matéria. Refugiando-se debaixo de uma árvore, o raio estoura e o homem morre. Não foram os Espíritos que provocaram o raio, que explodiu porque estava nas leis da Natureza que assim acontecesse. Não foi dirigido à árvore porque o homem se achava debaixo dela; o homem é que foi inspirado para se refugiar debaixo de uma árvore sobre a qual deveria cair o raio. A árvores não deixaria de ser atingida, estivesse ou não o hoem debaixo dela. No caso de um homem mal-intencionado disparar um tiro contra alguém, mas o projétil passa de raspão, sem o atingir, um Espírito benfazejo, em vez de desviar a bala, inspira nele a ideia de se desviar, ou então poderáa ofuscar seu inimigo, de maneira a fazê-lo errar a pontaria, porque o projétil, uma vez lançado, segue a linha que tem de percorrer. O que se deve pensar ds balas encantadas, de que falam algumas lendas e que fatalmente atingem o alvo, é que isso é pura imaginação. O homem gosta do maravilhoso e não se contenta com as maravilhas da Natureza.

Quanto aos Espíritos que dirigem os acontecimentos da vida poderem ser impedidos em sua ação por outros Espíritos ue queiram o contrário, deve-se entender que o que Deus quer, tem de acontecer. Se houver demora ou impedimento, é por sua vontade. Os Espíritos zombeteiros podem criar pequenos embaraços à realização de nossos propósitos e atrapalhar nossas previsões. Numa palavra, seriam eles os autores das chamadas pequenas misérias da vida humana. É que eles se comprazem em nos causar aborrecimentos que são provas para nós, a fim de exercitar nossa paciência. Cansam-se, porém, quando veem que nada conseguem. Entretanto, não seria justo, nem acertado, responsabilizá-los por todas as cecepções que esperimentamos e de que somos os principais culpados por nossa irreflexão. Convançamo-nos, pois, de que se nossa louça se quebra, é mais por descuido nosso do que por culpa dos Espíritos.

Os Espíritos que provocam contrariedades agem tanto em consequência de animosidade pessoal quanto atacam o primeiro que aparece, sem motivo determinado, unicamente por malícia. Às vezes são inimigos que fizemos nesta ou em outra existência e que nos perseguem. De outras vezes, não há motivo algum. A malevolência dos seres que nos fizeram mal na Terra muitas vezes se extingue com sua vida corporal, por reconhecerem a injustiça e o mal que causaram. Mas, também, não é rqaro que nos persigam com sua animosidade, se Deus o permitir, para continuar a nos experimentar. Pode-se pôr termo a isso, ao orar por eles e lhes retribuir o mal com o bem, e então acabarão por compreender seus erros. Aliás, se soubermos colocar-nos acima de suas maquinações, eles nos deixam, ao verem que nada ganham com isso. Os Espíritos não têm total poder de afastar os males de certas pessoas e de atrair para elas a prosperidade, porque há males que estão nos desígnios da Providência. Contudo, minoram nosss dores, dando-nos paciência e resignação.

Saibamos também que muitas vezes depende nós afastar esses males, ou, pelo menos, atenuá-los. Deus nos deu inteligência para que nos sirvamos dela e é principalmente por meio de nossa inteligência que os Espíritos nos auxiliam, sugerindo-nos pensamentos favoráveis. Mas só assistem os que sabem assistir-se a si mesmos. Esse é o sentido destas palavras: Buscai e achareis, batei e se vos abrirá. Saibamos ainda que aquilo que nos parece um mal nem sempre é um mal. Muitas vezes, dele resultará um bem, que será maior que o mal, e é isso que não compreendemos, porque só pensamos no momento presente ou em nós mesmos. Os Espíritos poderiam fazer, algumas vezes como prova, que se obtenam os dons da fortuna, se para isso fossem solicitados, mas quase sempre recusam, como se recusa a uma criança um pedido insensato. Tanto os bons quanto os maus Espíritos concedem esses favores, a depender da intenção. Ma maioria das vezes, porém, são Espíritos que nos querem arrastar ao mal e que encontram um meio fácil de o conseguirem nos prazeres que a fortuna proporciona.

Algumas vezes é por influência de alguns Espíritos que certos obstáculos parecem vir opor-se fatalmente aos nossos projetos. Contudo, na maioria das vezes é que escolhemos mal nossos projetos. A posição e o caráter influem bastante. Se nos obstinamos num caminho que não é o nosso, os Espíritos nada terão a ver com nossos insucessos. Somos nós mesmos que nos tornamos nosso mau gênio. Qaundo nos acontece alguma coisa boa é primeiramente a Deus que devemos agradecer, sem cuja permissão nada se faz; depois, agradeçamos aos bons Espíritos, que foram os agentes da Divina Vontade. Se equecêssemos de agradecer, aconteceria conosco o que acontece aos ingratos. Entretanto, há pessoas que não pedem nem agradecem e para as quais tudo sai bem, mas é preciso ver o final. Els pagarão muito caro por  essa felicidade passageira que não merecem, pois quanto mais houverem recebido, tanto mais terão de restituir.

9
Os grandes fenômenos da Natureza, os que se consideram como perturbação dos elementos, não são devidos a causas fortuitas e todos eles têm um fim providencial. Tudo tem uma razão de ser e nada acontece sem a permissãod e Deus. Algumas vezes esses fenômenos têm o homem por objeto, como razão imediata de ser. Na maioria dos casos, entretanto, têm por único objetivo o estabelecimento do equilíbrio e da harmonia das forças físicas da Natureza. Concebemos perfeitamente que a vontade de Deus seja a causa primeira, nisso como em todas as coisas. Porém, sabendo que os Espíritos têm ação sobre a matéria, e que são os agentes da vontade de Deus, evidentemente, alguns deles exercem certa influência sobre os elementos par os agitar, acalmar ou dirigir. Nem poderia ser de outro modo. Deus não exerce ação direta sobre a matéria. Ele tem agentes dedicados em todos os graus da escala dos mundos. 

A mitologia dos Antigos se fundava inteiramente sobre as ideias espíritas, com a única diferença de que consideravam os Espíritos como divindades. Representavam esses deuses ou esses Espíritos com atribuições especiais. Assim, uns eram encarregados dos ventos, outros do raio, outros de presidir à vegetação, etc. Essa crença é tão pouco destituída de fundamento que ainda hoje está muito aquém da verdade. Ao contrário do que se acredita, esses Espíritos não habitam realmente o interior da Terra, mas regulam os fenômenos e os dirigem, conforme suas atribuições. Um dia teremos a explicação de todos esses fatos e os compreenderemos melhor. Os Espíritos que presidem aos fenômenos da Natureza não formam categoria à parte no mundo espiritual; são seres ou Espíritos que serão, ou que foram, encarnados como nós. Dependendo do papel mais ou menos material ou mais ou menos inteligente que desempenhem, esses Espíritos podem pertencer às ordens superiores ou inferiores da hierarquia espiritual. Uns comandam, outros executam.

Os que executam coisas materiais são sempre de ordem inferior, tanto entre os Espíritos como entre os homens. Na produção de certos fenômenos, das tempestados, por exemplo, os Espíritos se reúnem em massas inumeráveis para produzi-los. Dos Espíritos que exercem ação nos fenômenos da Natureza , uns agem com conhecimentod e causa, em virtude do livre-arbítrio, outros o fazem por impulso irrefletido. De modo comparativo, figuremos essas miríades de animais que, pouco a pouco, fazem emergir do mar ilhas e arquipélados. Acreditamos que não haja aí um fim providencial e que essa transformação da superfície do globo não seja necessária à harmonia geral? Entretanto, são animais do último grau que realizam essas coisas, provendo às suas necessidades e sem suspeitarem de que são instrumentos de Deus. 

Por bem! Do mesmo modo, os Espíritos mais atrasados são úteis ao conjunto. Enquanto se ensaiam para a vida, antes que tenham plena consciência de seus atos e de seu livre-arbítrio, atuam em certos fenômenos, dos quais são agentes, mesmo de forma inconsciente. Primeiramente, executam; mais tarde, quando suas inteligências estiverem mais desenvolvidas, comandarão e dirigirão as coisas do mundo material; mais tarde ainda, poderão dirigir as do mundo moral. É assim que tudo serve, tudo se encadeira na Natureza, desde o átomo primitico até o arcanjo, que também começou pelo átomo. Admirável lei da harmonia, da queal nosso Espírito limitado ainda não pode abranger o conjunto.

10
Durante uma batalha, há Espíritos que sustentam e amparam cada uma das forças contrárias e que estimulam sua coragem. Numa guerra, a justiça está sempre de um dos lados e sabemos perfeitamente que há Espíritos que só procuram a discórdia e a destruição. Para eles, guerra é guerra:  justiça da causa pouco os preocupa. Por isso é que há Espíritos que tomam o partido dos que lutam por uma causa injusta. E alguns Espíritos, sem dúvida alguma, podem influenciar o general na concepção de seus planos de campanha. Os Espíritos podem influenciar nesse sentido, como em relação a todas as concepções. Do mesmo modo, os maus Espíritos poderiam induzir o general a elaborar planos errôneos, a fim de o levar à derrota, embora tenha ele o livre-arbítrio. Se seu juízo não lhe permite distinguir uma ideia justa de uma ideia falsa, sofrerá as consequências e melhor faria se obedecesse, em vez de comandar. O general pode, algumas vezes, ser guiado por uma espécie de dupla vista, por uma visão do intuitiva, que lhe mostre previamente o resultado de seus planos. Isso se dá geralmente com o homem de gênio. É o que ele chama inspiração e que lhe permite agir com uma espécie de certeza. Essa inspiração lhe vem dos Espíritos que o dirigem e que se aproveitam das faculdades de que ele é dotado. 

No tumulto do combate, dos Espíritos que sucumbem, alguns continuam a interessar-se pela batalha, após a morte, ao passo que outros se afastam. Após a morte, os Espíritos que em vida se combatiam podem se mostrar obstinados uns contra os outros e continuar considerando-se inimigos, porque nessas ocasiões o Espírito nunca está calmo. Pode acontecer que nos primeiros instantes depois da morte ainda odeie seu inimigo e até o persiga. Quando, porém, suas ideias se clareiam, vê que sua animosidade não tem mais razão de ser. Entretanto, dela ainda pode guardar vestígios de rancor mais ou menos fortes, conforme seu caráter. E continua a ouvir o ruído das armas perfeitamente. O Espírito que assiste calmamente a um combate, como espectador, raramente testemunha a separação da alma e do corpo. Mas há poucas mortes realmente instantêneas. Na maioria das vezes, o Espírito cujo corpo acba de ser mortalmente ferido não tem consciência imediata desse fato. Somente quando começa a recobrar a consciência é que pode distinguir o Espírito, movendo-se ao lado do cadáver. Isso parece tão natural ao Espírito que assiste à peleja que a visão do corpo morto não lhe produz nenhuma visão desagradável. Tendo-se a vida concentrado por inteiro no Espírito, somente ele chama a atenção dos outros e é com eles que o Espectador conversa ou lhe dá ordens.

11
Nada há de verdadeiro nos pactos com os maus Espíritos. Não há pactos, mas naturezas más que simpatizam com os maus Espíritos. Por exemplo: você quer atormentar seu vizinho e não sabe como fazê-lo. Apela, então, a Espíritos inferiores que, como você, só querem o mal e que, pra lhe ajudarem, exigem que também os sirva em seus maus propósitos; isto não significa que seu vizinho não possa livrar-se deles, por uma conjuração contrária ou pela própria vontade. Aquele que deseja praticar uma ação má chama os maus Espíritos, a fim de que o auxiliem nessa decisão, mas aos quais, por sua vez, fica obrigado a servir, já que esses Espíritos também precisam dele para o mal que queiram fazer. É somento nisto que consiste o pacto. Há um sentido nas lendar fantásticas, segundo as quais alguns indivíduos teriam vendido a alma a satanás para obterem certos favores. Todas as fábulas encerram um ensinamento e um sentido moral. Nosso erro consiste em tomá-las ao pé da letra.

A lenda dos pactos é uma alegoria que se pode explicar assim: aquele que chama em seu auxílio os Espíritos, para deles obter os dons da fortuna ou qualquer outro favor, rebela-se contra a Providência; renuncia à missão que recebeu e às provas que terá de suportar neste mundo, sofrendo na vida futura as consequências desse ato. Isto não quer dizer que sua alma fique para sempre condenada à infelicidade. Porém, se em vez de se desligar da matéria, nela se enterra cada vez mais, não desfrutará, no mundo espiritual, dos prazeres de que gozou na Terra, até que tenha resgatado suas faltas por meio de novas provas, talvez maiores e mais penosas. Coloca-se, por amor dos gozos materiais, na dependência de Espíritos impuros, estabelecendo-se entre eles um pacto silencioso que leva à perda do delinquente, mas que lhe será sempre fácil romper com a assistência dos bons Espíritos, desde que o queira firmemente.

12
Um homem mau, com o auxílio de um mau Espírito que lhe seja dedicado, não pode fazer mal a seu próximo, pois Deus não o permitiiria. Quanto à crença no poder de enfeitiçar, algumas pessoas dispõem de um poder magnético muito grande, do qual podem fazer mau uso se seu próprio Espírito for mau; neste caso, poderão ser secundadas por outros Espíritos maus. Não creiamos, porém, num pretenso poder mágico, que só existe na imaginação de pessoas supersticiosas, ignorantes das verdadeiras leis da Natureza. Os fatos que elas citam são fatos naturais, mal observados e, sobretudo, malcompreendidos. O efeito das fórmulas e práticas mediante as quais certas pessoas pretendem dispor da vontade dos Espíritos é o de torná-las ridículas, se procedem de boa-fé. Em caso contrário, são tratantes que merecem castigo. Todas as fórmulas são enganosas. Não há nenhuma palavra sacramental, nenhum sinal cabalístico, nenhum talismã que tenha qualquer ação sobre os Espíritos, pórque estes só são atraídos pelo pensamento e não pelas coisas materiais. Ainda assim, alguns Espíritos têm ditado, eles próprios, fórmulas cabalísticas. É que temos Espíritos que nos indicam sinais, palavras estranhas ou que nos prescrem certos atos, com a ajuda dos quais fazemos o que chamamos conjurações.

Mas, fiquemos certos de que são Espíritos que zombam de nós e abusam de nossa credulidade. É verdade que aquele que, com ou sem razão, confia no que chama a virtude de um talismã, pode atrair um Espírito justamente por essa confiança, visto que, nesse caso, é o pensamento que age, não passando o talismã de um sinal que apenas auxilia o pensamento. Mas a natureza do Espírito atraído depende da pureza da intenção e da elevação dos sentimentos. ora, é raro que aquele que seja bastante ingênuo para acreditar na virtude de um talismã, não tenha um objetivo mais material do que moral. Em todo caso, essa crença denuncia uma pequenez e uma fraqueza de ideias que favorecem a ação dos Espíritos imperfeitos e zombeteiros. 

Aqueles a quem chamamos feiticeiros são pessoas que, quando de boa-fé, são dotadas de certas faculdades, como força magnética ou a dupla vista. Como, então, fazem coisas que não compreendemos, julgamo-las dotadas de um poder sobrenatural. Nossos sábios não têm passado muitas vezes por feiticeiros aos olhos dos ignorantes? Algumas pessoas realmente têm o dom de curar pelo simples toque. A força magnética pode chegar até aí, quando secundada pela pureza dos sentimentos e pelo prazer de fazer o bem, porque então os bons Espíritos vêm em seu auxílio. Mas é preciso desconfiar da maneira como as coisas são contadas por pessoas muito crédulas ou muito entusiasmadas, sempre dispostas a ver o maravilhjoso nas coisas mais simples e mais naturais. Também se deve desconfiar dos relatos interesseiros, por parte de pessoas que exploram a credulidade em benefício próprio.

13
Deus não escuta uma maldição in justa, e aquele que a pronuncia é culpado aos seus olhos. Como temos dois gênios opostos, o bem e o mal, é possível que a maldição exerça uma influência momentânea, até mesmo sobre a matéria. Contudo, essa influência só se verifica pela vontade de Deus, e como acréscimo de provação para aquele que a sofre. Aliás, é mais comum serem amaldiçoados os maus e abençoados os bons. A bênção e a maldição jamais poderão desviar a Providência do caminho da justiça;  ela só fere o maaldito se ele for mau, e só cobre com sua proteção aquele que a merece.

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