Cidades do Evangelho (3)

Francisco Muniz

Como sabemos, a Doutrina Espírita teve sua gênese na França, espalhando-se depois por todo o mundo graças ao trabalho exemplar de Allan Kardec e seus colaboradores, simpatizantes do ideal cristão, do qual o Espiritismo é o prosseguimento natural. Essa colaboração na tarefa do Codificador, à semelhança do que o Espírito de Verdade comenta no Prefácio de O Evangelho Segundo o Espiritismo, afirmando que "os Espíritos do Senhor se espalham sobre todos os pontos do mundo", verificou-se também fora da França e do próprio continente europeu. Assim é que mensagens vindas da Argélia, então uma colônia francesa na África, bem como da Alemanha, da Polônia, da Suíça e da Bélgica constam das Instruções dos Espíritos que Kardec apresenta na terceira obra da Codificação, que em 2024 completa seus 160 anos de lançamento. Com a finalidade de continuarmos enriquecendo nossa cultura espírita, voltamos nossos olhos, agora, para as cidades que, pelas razões acima, têm alguma importância na disseminação dos postulados do Espiritismo, conforme a determinação do Cristo aos discípulos de todos os tempos: "Ide e pregai!"

3. Bruxelas



A capital da Bélgica foi, em 1861, palco da mensagem que o Espírito protetor identificado apenas pela inicial "M." transmitiu a seu médium e este, por sua vez, a enviou a Allan Kardec, que a inseriu no capítulo XVI ("Não se pode servir a Deus e a Mamon) de O Evangelho Segundo o Espiritismo, obra lançada em abril de 1964. A comunicaação de "M." trata da "verdadeira riqueza" e nela o Espírito diz que "os bens da Terra pertencem a Deus, que os distribui a seu grado, não sendo o homem senão o usufrutuário, o administrador mais ou menos íntegro e inteligente desses bens. Tanto eles não constituem propriedade individual do homem, que Deus frequentemente anula todas as previsões e a riqueza foge àquele que se julga com os melhores títulos para possuí-la."

Nesse mesmo ano de 1864 Kardec fez, numa de suas viagens de divulgação dos postulados espíritas, um discurso para os confrades de Bruxelas e Antuérpia, duas das mais importantes cidades da Bélgica, nas quais era significativo o número de adeptos da nova Ciência. A Bélgica é um dos poucos países da Europa onde ainda existem grupos oriundos da época de Kardec. Os espíritas vindos do Brasil abriram novos grupos, o que ajuda a fortalecer o movimento espírita belga. A literatura de Chico Xavier e de outros autores brasileiros fornece lições adicionais aos livros de Codificação.

Eis o discurso do Codificador, conforme publicado na Revista Espírita de novembro de 1864:

"O Espiritismo é uma ciência positiva.

"Certo eu teria o direito de orgulhar-me com o acolhimento, que me é feito, nos diversos centros que visito, se não soubesse que esses testemunhos se dirigem muito menos ao homem do que à doutrina, da qual sou humilde representante, e devem ser considerados como uma profissão de fé, uma adesão aos nossos princípios. É assim que os encaro, no que pessoalmente me concerne.

"Disse de começo que eu não era senão o representante da doutrina. Algumas explicações sobre o seu verdadeiro caráter naturalmente chamarão a vossa atenção para um ponto essencial que, até agora, não foi considerado suficientemente. Certo que, vendo o rápido progresso desta doutrina, haveria mais glória em dizer-me seu criador; meu amor-próprio aí encontraria seu crédito; mas não devo fazer minha parte maior do que ela é; longe de o lamentar, eu me felicito, porque, então, a doutrina não passaria de uma concepção individual, que poderia ser mais ou menos justa, mais ou menos engenhosa, mas que, por isso mesmo, perderia sua autoridade. Poderia ter partidários, talvez fazer escola, como muitas outras, mas certamente não teria, em poucos anos, adquirido o caráter de universalidade que a distingue.

"Eis um fato capital, senhores, que deve ser proclamado bem alto. Não: o Espiritismo não é uma concepção individual, um produto da imaginação; não é uma teoria, um sistema inventado para a necessidade de uma causa. Tem sua fonte nos fatos da natureza mesma, em fatos positivos, que se produzem aos nossos olhos e a cada instante, mas cuja origem não se suspeitava. É, pois, resultado da observação, numa palavra, uma ciência: a ciência das relações entre os mundos visível e invisível; ciência ainda imperfeita, mas que diariamente se completa por novos estudos e que, tende certeza, tomará posição ao lado das ciências positivas. Digo positivas, porque toda ciência que repousa sobre fatos é uma ciência positiva, e não puramente especulativa.

"Repito, demonstrando o Espiritismo, não por hipótese, mas por fatos, a existência do mundo invisível e o futuro que nos aguarda, muda completamente o curso das ideias; dá ao homem a força moral, a coragem e a resignação, porque não mais trabalha pelo presente, mas pelo futuro; sabe que se não gozar hoje, gozará amanhã. Demonstrando a ação do elemento espiritual sobre o mundo material, alarga o domínio da ciência e, por isso mesmo, abre uma nova via ao progresso material. Então terá o homem uma base sólida para o estabelecimento da ordem moral na Terra; compreenderá melhor a solidariedade que existe entre os seres deste mundo, desde que esta se perpetua indefinidamente; a fraternidade deixa de ser palavra vã; ela mata o egoísmo, em vez de ser morta por ele e, muito naturalmente, imbuído destas ideias, o homem a elas conformará as suas leis e suas instituições sociais.

"O Espiritismo conduz inevitavelmente a essa reforma. Assim, pela força das coisas, realizar-se-á a revolução moral que deve transformar a humanidade e mudar a face do mundo; e isto muito simplesmente pelo conhecimento de uma nova lei da natureza, que dá um outro curso às ideias, uma significação à esta vida, um objetivo às adjetivações do futuro, e faz encarar as coisas de outro ponto de vista.

"Considerado desta maneira, o Espiritismo perde o caráter de misticismo, que lhe censuram os detratores ou, pelo menos, os que não o conhecem. Não é mais a ciência do maravilhoso e do sobrenatural ressuscitada, é o domínio da natureza. Enriquecido por uma lei nova e fecunda, uma prova a mais do poder e da sabedoria do Criador; são, enfim, os limites recuados do conhecimento humano.

"Tal é, em resumo, senhores, o ponto de vista sob o qual se deve encarar o Espiritismo. Nesta circunstância, qual foi o meu papel? Não é nem o de inventor, nem o de criador. Vi, observei, estudei os fatos com cuidado e perseverança; coordenei-os e lhes deduzi as consequências: eis toda a parte que me cabe. Aquilo que fiz outro poderia ter feito em meu lugar. Em tudo isto fui apenas um instrumento dos pontos de vista da Providência, e dou graças a Deus e aos bons Espíritos por terem querido servir-se de mim. É uma tarefa que aceitei com alegria, e da qual me esforcei por me tornar digno, pedindo a Deus me desse as forças necessárias para a realizar segundo a sua santa vontade. A tarefa, entretanto, é pesada, mais pesada do que podem supô-la; e se tem para mim algum mérito, é que tenho a consciência de não haver recuado ante nenhum obstáculo e nenhum sacrifício; será a obra de minha vida (grifos nossos) até meu último dia, pois ante um objetivo tão importante, todos os interesses materiais e pessoais se apagam, como pontos diante do infinito."

Comentários

  1. Os ensinos espirita , é a base para o ser humano viver dignamente e se preparar para a volta ao mundo espiritual. Infelizmente muitos irmãos denigrem os ensinos dessa Maravilhosa doutrina...

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    1. Mas dia virá em que os incrédulos se renderão às evidências, convertendo-se à Verdade pela própria iniciativa. Nesse dia, os indiferentes mudarão de ideia e abraçarão o compromisso com alegria, trabalhando pelo próprio soerguimento. E então poderemos ver a Terra saneada e propensa à semeadura do amor, a fim de que a Humanidade inteira colha os frutos doces da fraternidde universal!

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