Cidades do Evangelho (12)

Francisco Muniz

Como sabemos, a Doutrina Espírita teve sua gênese na França, espalhando-se depois por todo o mundo graças ao trabalho exemplar de Allan Kardec e seus colaboradores, simpatizantes do ideal cristão, do qual o Espiritismo é o prosseguimento natural. Essa colaboração na tarefa do Codificador, à semelhança do que o Espírito de Verdade comenta no Prefácio de O Evangelho Segundo o Espiritismo, afirmando que "os Espíritos do Senhor se espalham sobre todos os pontos do mundo", verificou-se também fora da França e do próprio continente europeu. Assim é que mensagens vindas da Argélia, então uma colônia francesa na África, bem como da Alemanha, da Polônia, da Suíça e da Bélgica constam das Instruções dos Espíritos que Kardec apresenta na terceira obra da Codificação, que em 2024 completa seus 160 anos de lançamento. Com a finalidade de continuarmos enriquecendo nossa cultura espírita, voltamos nossos olhos, agora, para as cidades que, pelas razões acima, têm alguma importância na disseminação dos postulados do Espiritismo, conforme a determinação do Cristo aos discípulos de todos os tempos: "Ide e pregai!"

12. Paris



Sem contradita, a capital da França é o berço da Doutrina Espírita, sendo o local onde os Espíritos do Senhor se reuniram tão logo se espalharam "sobre toda a face da Terra" a fim de chamar a atenção dos homens para o movimento que resultou na Terceira Revelação de Deus à Humanidade sofrida. Em Paris vivia e trabalhava o Prof. Hippolyte Léon Denizard Rivail, cuja alma positiva de cientista não aceitou de imediato os rumores da moda que à epoca tomava conta dos salões da elite parisiense, as chamadas mesas girantes. Somente depois que o convenceram de que eram os Espíritos os autores daqueles movimentos, o que fazia as mesas responderem a perguntas que sequer eram formuladas, é que o circunspecto professor decidiu-se por observar os tais fenômenos. Foi assim que nasceram Allan Kardec e a Doutrina dos Espíritos, desde que a 18 de abril de 1857 - lá se vão 167 anos! - foi dado a público O Livro dos Espíritos.  

Uma vez criada a Sociedede Parisiense de Estudos Espíritas (SPEE), em 1 de abril de 1858, de lá veio a maioria das mensagens que o Codificador inseriu nas Instruções dos Espíritos constantes do final de grande parte dos capítulos de O Evangelho Segundo o Espiritismo, lançado em abril de 1864 (160 anos atrás!). São Luís, Santo Agostinho, São Vicente de Paulo, o Cardeal Morlot, o Espírito protetor Georges e tantos outros missivistas estavam a postos para, servindo ao Espírito da Verdade, colaborarem com o insigne mestre lionês, Allan Kardec, na tarefa de iluminar a mente dos homens interessados em libertar-se das trevas da ignorância. 

Como é sabido, as grandes transformações são precedidas de eventos até mesmo físicos e em Paris não foi diferente. Na segunda metade do século XIX a cidade foi palco de um radical projeto de reforma urbana, lançado pelo imperador Napoleão III e colocado em prática pelo barão Georges-Eugène Haussmann. Ruelas medievais estreitas desapareceram e deram lugar a amplos bulevares, áreas antigas foram demolidas para abrigar a nova cidade que começava a emergir. Paris se abria assim para os ventos da revolução moral que surgiam desde que o antigo druida Allan Kardec, agora na roupagem do Prof. Rivail, estabeleceu-se na grande capital intelectual e cultural do mundo, interessado em reformar a educação francesa. Sem que ele sequer desconfiasse, essa reformar educacional de forte impacto na formação moral da Humanidade iria alcançar todo o mundo.

Sob os auspícios do Espírito da Verdade, a SPEE ditava os rumos do nascente movimento espírita na Europa e boa parte do mundo cristão até a morte de Allan Kardec, em 1869, deixando a Sociedade em mãos não tão prudentes, apesar dos esforços da Sra. Rivail, a doce e venerável Madame Amélie Boudet. O fato é que em 1875 o Espiritismo foi parar nos tribunais em razão de fraudes observada em fotografias de Espíritos ns quais se envolveu o então presidente da SPEE, Pierre-Gaetan Leymarie, o que desacreditou a Doutrina dos Espíritos em solo francês. Entretanto, espíritas de estofo como Léon Denis e Camille Flammarion, dentre outros, seguiram em frente promovendo conferências e publicando livros, em prol da popularização da Doutrina. Esse descrédito ocasionou a fundação da União Espírita Francesa (Union Spirite Française, às vezes designada pela sigla UEF), um grupo de estudos e divulgação do Espiritismo criado em 24 de dezembro de 1882, em Paris, com o objetivo de servir de entidade federativa para os espíritas locais e intercâmbio com outros centros espíritas do exterior.

O ressurgimento do interesse popular pelo Espiritismo só se daria, contudo, durante e após a Primeira Guerra Mundial, quando as pessoas tentavam se comunicar com seus entes queridos mortos no conflito. Com a invasão de Paris pelos alemães na II Grande Guerra, grande parte do acervo da Mansão dos Espíritas então existente na cidade foi destruída. Muito do que sobrou foi trazido para o Brasil por Júlio Canuto Abreu, material esse que atualmente integra o museu criado pela Federação Espírita Brasileira em Brasília. A jornalista espiritualista anglo-brasileira Elsie Dubugras visitou a Mansão dos Espíritas  alguns anos após a II Guerra e escreveu que, ali, a única coisa que lembrava Allan Kardec e a Doutrina Espírita era um busto do Codificador colocado lodo à entrada no prédio. Tudo o mais estava descaracterizado.

Entretanto, Paris, em sua condição de berço do Espiritismo, tem sua fama na História e isto é, na atualidade, motivo de exploração turística, principalmente em razão de lá se encontrar o Cemitério Père Lachaise, onde o túmulo que guarda os despojos físicos de Allan Kardec é dos mais visitados anualmente. Isto, principalmente após a realização do I Congresso Internacional de Espiritismo, em 2004, quando se comemorou o bicentenário de nascimento do Prof. Rivail. Quanto ao movimento espírita local, a União Espírita Francesa, agora também francófona, integrando os países que usam o idioma francês como língua oficial - Bélgica e as antigas e atuais colônias, na África e na América -, em associação com o Conselho Espírita Internacional (CEI), vem se esforçando para manter o ideal, levantando a bandeira da caridade e do progresso moral segundo o lema de Kardec: "Trabalho, tolerância e solidariedade".








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