Espíritos do Evangelho (31)

As "Instruções dos Espíritos" com que Allan Kardec encerrou alguns dos 28 capítulos de O Evangelho Segundo o Espiritismo são todas assinadas e seus autores podem ser facilmente identificados, porquanto são personalidades da cultura francesa, alguns, enquanto outros têm seu nome ligado à história do Cristianismo, tendo sido ou apóstolos ou discípulos, seguidores do Mestre Jesus. Uma parte deles, porém, preferiu resguardar-se no anonimato, utilizando codinomes que em geral não permitem devassar sua identidade, o que é perfeitamente compreensível. Afinal, o próprio Kardec, nascido Hippolyte Léon Denizard Rivail, não houve por bem ocultar seu verdadeiro nome, famoso na França do séc. XIX, em proveito da Doutrina dos Espíritos? Neste despretensioso trabalho tentamos lançar luzes novas sobre esses inolvidáveis colaboradores da Codificação, numa singela homenagem ao muito que fizeram em prol de nosso esclarecimento. Para tanto, fomos buscar informações disponíveis na Internet, em sites como o da Wikipedia e o da Federação Espírita Brasileira (FEB), dentre outros. Com isso, pensamos, é possível enriquecermos um pouco mais nossa cultura espírita. 



31.Lamennais (Paris, 1862)

Hughes Féiicité Robert de Lamennais (Saint-Malo, França, 19 de junho de 1782 - Paris, França, 27 de fevereiro de 1854) foi um padre, filósofo, escritor e político francês, conhecido no movimento espírita pela sua contribuição, em Espírito, nas obras básicas da codificação do Espiritismo por Allan Kardec. Foi uma figura influente e controversa na história da Igreja francesa, pois, enquanto de um lado defendia os valores do Catolicismo e a autoridade papal, por outro lado propunha ideias liberais tradicionalmente rejeitadas pela Igreja Católica.

Lamennais (lê-se "lam'né") nasceu em uma família abastada e recebeu boa instrução intelectual, mostrando, desde cedo, forte inclinação para questões filosóficas, religiosas e políticas, muito influenciado por seu irmão Jean, um articulista conhecido localmente por suas ideias de reforma da Igreja Católica tendo em vista um papel mais ativo para regeneração da sociedade, especialmente considerando as ideias iluministas (século XVIII) e as novas organizações (ou desorganizações) sociais consequentes da Revolução Francesa (1789-1799). Juntos, eles lançaram um ensaio intitulado Reflexões do estado da Igreja, em 1808, contendo as diretrizes para essa reforma, das quais se destacam os apelos pela liberdade religiosa, separação entre a religião e o Estado, livre exercício da imprensa e educação universalista.

Lamennais também foi, junto com outros pensadores, um dos precursores e, por conseguinte, um dos grandes expoentes do Ultramontanismo — movimento filosófico que procurava sustentar uma postura moderna para a doutrina política dos católicos franceses que buscavam inspiração na Cúria Romana, defendendo a autoridade absoluta do Papa em matéria de Fé e Disciplina. Tal posicionamento o colocou diretamente em choque com o imperador Napoleão Bonaparte. Perseguido, em 1815 Lamennais então se refugia na Inglaterra e só retorna à França no ano seguinte, após a queda do imperador francês.

De volta à pátria, com os seus 34 anos, Lamennais é ordenado padre e volta a publicar obras influentes sobre as mesmas ideias liberais no contexto político-religioso, a exemplo de Ensaios sobre a indiferença em matéria de religião considerada em suas relações com a ordem política e civil, de 1817, que lhe valeu imediato reconhecimento. Nele, Lamennais argumentava a respeito da necessidade da religião, baseando seus apelos na autoridade da tradição e a razão geral da Humanidade, em vez do individualismo do julgamento privado. Também traduziu o livro Imitação de Jesus Cristo, do monge alemão Tomás de Kempis, que pregava uma vivência religiosa nos moldes de humildade e comunhão de Jesus de Nazaré.

Depois da revolução de julho, em 1830, Lamennais, junto com Lacordaire (Os expoentes da Codificação XVIII) e Charles de Montalembert, além de um grupo entusiástico de escritores do Catolicismo Romano Liberal, fundou o jornal L’Avenir. Neste jornal diário, Lamennais defendia os princípios democráticos, a separação da Igreja do Estado, criando embaraços para si tanto com a hierarquia eclesiástica francesa quanto com o governo do rei Luís Felipe.

O Papa Gregório XVI desautorizou as opiniões de Lamennais na Encíclica Mirarivos, em agosto de 1831. A partir de então, Lamennais passa a atacar o Papado e as monarquias europeias, escrevendo o famoso poema Palavras de um crente, condenado na Encíclica papal Singularivos, em julho de 1834.

Lamennais é então excomungado da Igreja. Todavia, incansável, ele se devotou à causa do povo, colocando sua caneta a serviço do republicanismo. Escreveu trabalhos como O Livro do Povo (1838), Os afazeres de Roma e Esboço de uma Filosofia. Chegou a ser condenado à prisão, mas, já em 1848 foi eleito para a Assembleia Nacional, aposentando-se em 1851. Por ocasião de sua morte, em Paris, em 27 de fevereiro de 1854, não desejando se reconciliar com a Igreja, foi sepultado em uma cova de indigente.

Lammennais era membro do Instituto Histórico de Paris (Institut Historique), do qual também fazia o Prof. Rivail, ou seja, Allan Kardec. Isto implica que, se não eram diretamente amigos, ao menos se conheciam e compartilhavam ideias dentro dessa sociedade.

Vale mencionar outros notáveis colegas de Lammennais e de Rivail neste instituto: Lacordaire, religioso e pensador reformista, que também iria contribuir espiritualmente com a codificação espírita; o pintor Monvoisin, espírita convicto e membro da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas; o escritor e político Alphonse de Lamartine; Auguste de Saint-Hilaire, botânico e naturalista; Jules Michelet, filósofo e historiador; e André-Marie Ampére, filósofo, matemático e físico, de importantes contribuições para o eletromagnetismo.

Fazendo jus ao seu espírito ativo enquanto encarnado, também como Espírito Lamennais volta-se para a defesa dos ideais libertários do seu povo e então se integra à plêiade dos voluntários para a Codificação do Espiritismo, contribuindo com as obras de Allan Kardec. Já na obra basilar da doutrina, O Livro dos Espíritos, Lamennais assina uma comunicação mediúnica que vai constar como parte da resposta à questão 1.009, que interroga sobre a efetividade das penas eternas:

"Esforcem-se, com todos os meios que puderem, em combater e destruir a ideia dos castigos eternos — pensamento blasfemo, ultrajante para com a justiça de Deus. Esse pensamento é a fonte mais fecunda da incredulidade, do materialismo e da indiferença, que invadiu as massas humanas desde que sua inteligência começou a se desenvolver. O Espírito, prestes a se esclarecer, ou apenas saído da ignorância, logo compreende a monstruosa injustiça; sua razão a rejeita e, então frequentemente sente a mesma rejeição ao sofrimento que o revolta e a Deus, a quem o atribui; daí os males inumeráveis que vieram se unir aos de vocês e para os quais viemos trazer remédio. A tarefa que apontamos será tão mais fácil quanto é certo que todas as autoridades sobre as quais se apoiam os defensores dessa crença têm evitado se pronunciar sobre elas formalmente. Nem os concílios, nem os Pais da Igreja resolveram essa questão. Mesmo de acordo com os próprios evangelistas, e tomando ao pé da letra as palavras simbólicas do Cristo, ele ameaçou os culpados com um fogo que não se apaga, com um fogo eterno; porém, não há absolutamente nada nessas palavras que prove que ele os condenou eternamente. Pobres ovelhas desgarradas, saibam deixar vir até vocês o bom Pastor que, longe de bani-los para sempre de sua presença, vem ao encontro de vocês para reconduzi-los ao rebanho. Filhos pródigos, deixem o exílio voluntário; dirijam seus passos à morada paternal: o Pai estende os braços e se mostra sempre pronto a festejar seu retorno à família." (Lamennais, O Livro dos Espíritos, Allan Kardec - questão 1.009.)

Em O Livro dos Médiuns, 1ª Parte, Cap. IV, questão 51, Lamennais discorre sobre a imaterialidade da alma e descreve o perispírito como sendo um "envoltório material fluídico", distinto do que essencialmente é a alma, que — diz ele — ainda é tema de pesquisa para Espíritos em evolução como ele.

Em O Evangelho Segundo o Espiritismo ele responde ao seguinte questionamento: "Um homem acha-se em perigo de morte e, para salvá-lo, outro tem que expor a vida. Sabe-se, porém, que aquele é um malfeitor e que, se escapar, poderá cometer novos crimes. Apesar disso, o segundo deve se arriscar para salvá-lo?":

"Questão muito grave é esta e que naturalmente se pode apresentar à consciência. Responderei, na conformidade do meu adiantamento moral, pois o tema de que se trata é de saber se devemos expor a vida, mesmo por um malfeitor. O desprendimento é cego; socorre-se um inimigo; portanto, em resumo, deve-se socorrer o inimigo da sociedade, a um malfeitor. Julgam que será somente à morte que, em tal caso, se corre a arrancar o desgraçado? É, talvez, a toda sua vida passada. Com efeito, imaginem que, nos rápidos instantes que lhe levam os derradeiros alentos de vida, o homem perdido volte ao seu passado, ou que antes, este se ergue diante dele. Talvez a morte lhe chega cedo demais; a reencarnação poderá vir a ser terrível para ele. Lancem-se, então, ó homens; lancem-se todos a quem a ciência espírita esclareceu; lancem-se, arranquem-no da sua condenação e, talvez, esse homem, que teria morrido a blasfemar, se atirará nos seus braços. Todavia, vocês não têm que indagar se o fará ou não; socorram a ele, pois, salvando-o, obedecem a essa voz do coração que diz “Pode salvá-lo, salve-o!" (Lamennais, O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec - cap. XI, item 15)

Lamennais ainda é citado por Kardec em vários artigos da Revista Espírita, nalguns deles, inclusive, contendo mensagens ditada por esse Espírito, como na edição de fevereiro de 1862, onde foi publicado o seu artigo Meditações filosóficas e religiosas, psicografado pelo médium Alfred Didier, numa das inúmeras sessões da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, às quais Lamennais era assíduo colaborador.

(Fonte: luzespirita.org.br)

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