Espíritos do Evangelho (20)

Francisco Muniz

As "Instruções dos Espíritos" com que Allan Kardec encerrou alguns dos 28 capítulos de O Evangelho Segundo o Espiritismo são todas assinadas e seus autores podem ser facilmente identificados, porquanto são personalidades da cultura francesa, alguns, enquanto outros têm seu nome ligado à história do Cristianismo, tendo sido ou apóstolos ou discípulos, seguidores do Mestre Jesus. Uma parte deles, porém, preferiu resguardar-se no anonimato, utilizando codinomes que em geral não permitem devassar sua identidade, o que é perfeitamente compreensível. Afinal, o próprio Kardec, nascido Hippolyte Léon Denizard Rivail, não houve por bem ocultar seu verdadeiro nome, famoso na França do séc. XIX, em proveito da Doutrina dos Espíritos? Neste despretensioso trabalho tentamos lançar luzes novas sobre esses inolvidáveis colaboradores da Codificação, numa singela homenagem ao muito que fizeram em prol de nosso esclarecimento. Para tanto, fomos buscar informações disponíveis na Internet, em sites como o da Wikipedia e o da Federação Espírita Brasileira (FEB), dentre outros. Com isso, pensamos, é possível enriquecermos um pouco mais nossa cultura espírita. 



20. Lázaro (Paris, 1861; 1862; 1863)

O Espírito que assim se denomina ao assinar três mensagens que Allan Kardec aproveitou em O Evangelho Segundo o Espiritismo é o mesmo que no Novo Testamento é apresentado como aquele que Jesus ressuscitou, o irmão de Marta e Maria, de Betânia.

Essa condição, a de ressuscitado, fez de Lázaro uma bandeira viva das misteriosas alegrias anunciadas pelo Cristo no tocante ao Reino de Deus, ou dos Céus, o que também causou enorme espanto por parte dos fariseus e seus simpatizantes em relação a Jesus e seus poderes de Filho de Deus.

Lázaro, é bom que se diga, não foi o único ressuscitado naqueles tempos recuados por decisiva atuação do Mestre nazareno, que também havia feito retornar à vida física a filha do chefe da sinagoga de Cafarnaum e o filho da viúva de Naim, conforme os relatos evangélicos.

Em seu livro Vida de Jesus, o autor brasileiro Plínio Salgado diz estas palavras sobre a ressureição de Lázaro: "O milagre não é apenas um deferimento: é um chamado. Todos os que se tornaram o objeto feliz do milagre foram recrutados por Deus. Continuar a viver a mesma vida é uma deserção. Eis por que Lázaro já não é o mesmo, nem suas irmãs são as mesmas. Em redor deles, a paisagem risonha, a casa confortável, a delícia da vida, tudo se tornou uma coisa sem importância. Eles conhecem agora o Absoluto."

É do Espírito Humberto de Campos (ou Irmão X), porém, um dos mais assombrosos relatos acerca de Lázaro, constante do livro Lázaro redivivo, ditado à mediunidade psicográfica de Chico Xavier, no ano de 1945, como segue: 

"Conta-se que Lázaro de Betânia,, depois de abandonar o sepulcro, experimentou, certo dia, fortes saudades do Templo, tornando ao santuário de Jerusalém para o culto da gentileza e da camaradagem, embora espesse de coração renovado, distante das trocas infindáveis do sacerdócio. 

Penetrando o átrio, porém, reconheceu a hostilidade geral. 

Abiud e Efraim, fariseus rigoristas, miraram-no com desdém e clamaram: 

– É morto! é morto! voltou do túmulo, insultando a Lei!... 

Ambos os representantes do farisaísmo teocrático demandaram os lugares sagrados, onde se venerava o Santo dos Santos, num deslumbramento de ouro e prata, marfim e madeiras preciosas, tecidos raros e perfumes orientais, espalhando e notícia. Lázaro de Betânia, o morto que regressara do coma, zombando da Lei, e dos Profetas, trazia, ali, afrontosa presença aos pais de raça. 

Foi o bastante para revolucionar fileiras compactas de adoradores, que oravam e sacrificavam, supondo-se nas boas graças do Altíssimo. 

Escribas acorrentam apressados, pronunciando longos e complicados discursos; sacerdotes vieram, furiosos e rígidos, lançando maldições, e aprendizes dos mistérios, com zelo vestalino, chegaram, de punhos cerrados, expulsando o irrelevante. 

– Fora! fora! 

– Vai para os infernos, os mortos não falam!... 

– Feiticeiro, a Lei te condena! 

Lázaro contemplaria o quadro, surpreendido. Observava amigos da infância vociferando anátemas, escribas que ele admirava, com sincero apreço, vomitando palavras injuriosas. 

Os companheiros irados passaram da palavra à, ação. Saraivadas de pedras começaram a cair em derredor do redivivo, e, não contente com isso, o arguto Absalão, velha raposa da, casuística, segurou-o pele túnica, propondo-se encaminhá-lo aos juízes do Sinédrio para sentença condenatória, depois de inquérito humilhante. 

O irmão de Marta e Maria, contudo, fixou nos circunstantes o olhar firme e lúcido e bradou sem ódio: 

– Fariseus, escribas, sacerdotes, adoradores da Lei e filhos de Israel: aquele que me deu a vida, tem suficiente poder para dar-vos a morte! 

Estupor e silêncio seguiram-lhe a palavra, 

O ressuscitado de Betânia desprendeu-se das mãos desrespeitosas que o retinham, recompôs a vestimenta e tomou o caminho da residência humilde de Simão Pedro, onde os novos irmãos comungavam no amor fraternal e na fé viva. 

Lázaro, então, sentiu-se reconfortado, feliz... 

No recinto singelo, de paredes nuas e cobertura tosca, não se viam, alfaias do Indostão, nem, vasos do Egito, nem preciosidades da Fenícia, nem custosos tapetes da Pérsia, mas ali palpitava, sem as dúvidas da Ciência e sem os convencionalismos da seita, entre corações fervorosas e simples, o pensamento vivo de Jesus-Cristo, que renovaria o mundo inteiro, desde a teologia sectária de Jerusalém ao absolutismo político do Império Romano." 





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