Espíritos do Evangelho (5)

Francisco Muniz

As "Instruções dos Espíritos" com que Allan Kardec encerrou alguns dos 28 capítulos de O Evangelho Segundo o Espiritismo são todas assinadas e seus autores podem ser facilmente identificados, porquanto são personalidades da cultura francesa, alguns, enquanto outros têm seu nome ligado à história do Cristianismo, tendo sido ou apóstolos ou discípulos, seguidores do Mestre Jesus. Uma parte deles, porém, preferiu resguardar-se no anonimato, utilizando codinomes que em geral não permitem devassar sua identidade, o que é perfeitamente compreensível. Afinal, o próprio Kardec, nascido Hippolyte Léon Denizard Rivail, não houve por bem ocultar seu verdadeiro nome, famoso na França do séc, XIX, em proveito da Doutrina dos Espíritos? Neste despretensioso trabalho tentamos lançar luzes novas sobre esses inolvidáveis colaboradores da Codificação, numa singela homenagem ao muito que fizeram em prol de nosso esclarecimento. Para tanto, fomos buscar informações disponíveis na Internet, em sites como o da Wikipedia e o da Federação Espírita Brasileira (FEB), dentre outros. Com isso, pensamos, é possível enriquecermos um pouco mais nossa cultural espírita. 



5.Santo Agostinho (Paris, 1862; 1863; 1861)

"Vossa Terra é, pois, um lugar de alegria, um paraíso de delícias?” – assim começa Santo Agostinho sua preleção sobre "O mal e o remédio", no item 19 do capítulo V (Bem-aventurados os aflitos) de O Evangelho Segundo o Espiritismo. A essa pergunta ele acrescenta outras duas: “A voz do profeta não ressoa mais aos vossos ouvidos? Ele não apregoou que haveria pranto e ranger de dentes para aqueles que nascessem nesse vale de dores?” O profeta a que se refere Agostinho é Jesus, claro, conforme as palavras contidas no Evangelho de Mateus (Mt 13:50) aludindo a essa profecia que nos faz questionar a qualidade do mundo que habitamos.

Nosso planeta, ensina-nos a Doutrina Espírita, é um mundo de provas e expiações que se manifestam em quatro aspectos distintos e complementares: um hospital onde nos reconhecemos todos enfermos necessitados da cura de nossos muitos males – físicos e morais, aqueles decorrentes destes; uma prisão, na qual cumprimos pena pelos muitos delitos praticados contra as leis divinas e da qual só sairemos modificando o comportamento; uma oficina onde temos de trabalhar duro por nossa transformação moral, servindo ao próximo incondicionalmente; e um educandário que nos oferece os meios para a devida correção.

Assim é que no texto somos convidados a observar que, se a vida na Terra pode ser comparada a um mal necessário, junto a ele o Pai amantíssimo coloca o remédio imprescindível: a fé. Mais que um simples sentimento a nos impelir na direção da Divindade, desenvolvendo em nós as noções de espiritualidade, a fé é uma poderosa ferramenta capaz de modificar tanto o panorama do mundo, mediante as ações em prol do progresso coletivo, quanto nossa própria condição íntima, através de esforços pessoais baseados na confiança na inesgotável misericórdia e na proteção divinas.

Ter fé, a princípio, é acreditar em Deus e Agostinho salienta que “o Senhor marcou com seu selo todos aqueles que creem nele”. Será, por certo, aquele selo com que Caim foi brindado após ser questionado pelo emissário divino sobre o que fizera ele do irmão, Abel. Em nome de Deus, o Anjo esclareceu que quem visse o sinal em Caim não lhe faria mal. Estava, assim, o criminoso sob a proteção divina, porquanto, conforme se lê no livro de Ezequiel, “Deus não quer a morte do ímpio, quer que ele se converta” (Ezequiel 33:11). E Caim cria em Deus e fez o que o Senhor lhe ordenara, indo para a cidade de Node e lá formando sua progenitura. Somos todos descendentes de Caim e trazemos na alma o sinal, o selo a que se refere Santo Agostinho.

Esse selo, observando-se com atenção as palavras do filho de Santa Mônica, é a dor, que nós chamamos de sofrimento, resultante dos muitos erros cometidos contra as leis de Deus e representados por toda sorte de circunstâncias desalentadoras que fazem o homem se queixar da sorte, bem mais do que simplesmente se resignar. “Que remédio, pois, recomendar àqueles que estão atacados de obsessões cruéis e de males cruciantes? Um só é infalível: a fé, o olhar para o céu”, aponta Agostinho, recordando que “aquele que sofre e tiver a fé por sustentáculo será colocado sob sua égide [a do Senhor] e não sofrerá mais”.

A fé é o instrumento por excelência para os esforços de auto superação e o antigo bispo de Hipona afirma que “os momentos das mais fortes dores serão para ele [o sofredor] as primeiras notas de alegria da eternidade”. É preciso, pois, para aquele que tem fé, olhar além das aparências da realidade material, focando a visão na vida futura, confiando em que a bondade divina não permite que o homem sofra sempre. Assim agindo, diz Santo Agostinho, “sua alma se desprenderá de tal forma de seu corpo que, enquanto este se contorcer sob as convulsões, ela planará nas regiões celestes cantando com os anjos os hinos de reconhecimento e de glória ao Senhor”.

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