Estudando O Livro dos Espíritos (21)

Francisco Muniz


Livro Segundo - Capítulo VII

Retorno à Vida Corporal

1 - Prelúdio do retorno

Os Espíritos pressentem a época em que reencarnarão, como o cego sente o fogo de que se aproxima. Sabem que têm de retomar um corpo, como sabemos que temos de morrer um dia, mas ignoramos quando isso acontecerá. Desse modo, a reencarnação é uma necessidade da vida espiritual, como a morte é uma necessidade na vida corporal. Mas nem todos os Espíritos se preocupam com sua reencarnação. Há os que não pensam nela de modo algum, que nem mesmo a compreendem. Depende de sua natureza mais ou menos adiantada. Para alguns, a incerteza em que se acham em relação a seu futuro é uma punição. O Espírito, entretanto, pode antecipar o momento de sua reencarnação, solicitando-o por um desejo ardente, como pode igualmente retardá-lo, recuando ante a prova, pois entre os Espíritos também há os covardes e indiferentes; mas não ofaz impunemente, visto que sofre com isso, como aquele que recusa o remédio salutar que o pode curar.

Se um Espírito se considerasse bastante feliz numa condição mediana entre os Espíritos errantes, e não ambicionasse elevar-se, nem assim ele poderia prolongar indefinidamente esse estado, porque cedo ou tarde o Espírito sente necessidade de progredir. Todos têm que se elevar; esse é o destino de todos. A designação do corpo para a união com a alma é feita sempre previamente. Escolhendo a prova que deseja sofrer, o Espírito pede para reencarnar. Ora, Deus, que tudo sabe e tudo vê, já sabia com antecedência que tal alma se uniria a tal corpo. Além do gênero de vida que lhe servirá de prova, o Espírito também pode escolher o corpo, pois as imperfeições desse corpo representam provas que o auxiliarão a progredir, se vencer os obstáculos que encontrar. O Espírito pode pedir, mas a escolha nem sempre depende dele. 

Se o Espírito pudesse, no último momento, recusar o corpo que havia escolhido, sofreria muito mais do que aquele que não tivesse tentado nenhuma prova. Mas dificilmente aconteceria não haver Espírito que aceitasse encarnar numa criança que houvesse de nascer, pois Deus a isso proveria. A criança, desde que deva nascer viável, está sempre predestinada a ter uma alma. Nada é criado sem um propósito. A união do Espírito a determinado corpo pode ser imposta por Deus do mesmo modo que as diferentes provas, sobretudo quando o Espírito ainda não está apto para escolher com conehcimento de causa. Por expiação, o Espírito pode ser constrangido a se unir ao corpo de determinada criança que, pelo nascimento e pela posição que venha a ocupar no mundo, poderá tornar-se para ele um instrumento de castigo.

Se acontecesse que muitos Espíritos se apresentassem para tomar determinado corpo que deve nascer, o que decidiria qual deles vai ocupar esse corpo é Deus. Ele julga qual o mais capaz de desempenhar a missão à qual a criança está destinada. Porém, como já foi dito, o Espírito é designado antes do instante em que deve unir-se ao corpo. O momento da encarnação é acompanhado de perturbação até maior e mais longa que aquela que o Espírito experimenta ao desencarnar. Pela morte, o Espírito sai da escravidão; pelo nascimento, entra para ela. Para o Espírito, o momento de sua encarnação é tão solene quanto a sensação que tem um viajante que embarca para uma travessia perigosa e que não sabe e encontrará ou não a morte ans ondas que enfrenta. Assim, a incerteza em que se acha quanto à eventualidade de seu triunfo nas provas que vai suportar na vida é para o Espírito uma causa de ansiedade muito grande antes de sua encarnação. É que as provas de sua existência o retardarão ou o farão avançar, conforme as tiver bem ou mal suportado.

Quanto à companhia de outros Espíritos, amigos seus, que vêm assistir à sua partida do mundo espiritual, isso depende da esfera a que o Espírito pertença. Se está nas esferas em que reina a afeição, os Espíritos que o amam acompanham-no até o último instante, encorajam-no e, muitas vezes, até lhe seguem os passos durante a vida. Os Espíritos amigos que nos acompanham na vida são os que vemos em sonho, que nos testemunham afeto e que se nos apresentam com feições desconhecidas. Muito frequentemente são eles. Vêm visitar-nos, como vamos visitar um encarnado.

2 - União da alma e do corpo. Aborto

A união da alma com o corpo começa na concepção, mas só se completa no momento do nascimento. Desde o instante da concepção, o Espírito designado para habitar certo corpo a este se liga por um laço fluídico que cada vez mais se vai apertando até o instante em que a criança vê a luz. O grito, que então escapa de seus lábios, anuncia que ela se conta no número dos vivos e dos servos de Deus. A união entre o Espírito e o corpo é definitiva desde o momento da concepção no sentido de que outro Espírito não poderia substituir o que está designado para aquele corpo. Mas, como os laços que o prendem ao corpo ainda são muito fracos, facilmente se rompem e podem ser rompidos pela vontade do Espírito, se este recua diante da prova que escolheu. Nesse caso, a criança não vinga. O que acontece quando morre o corpo que esse Espírito escolheu é que ele escolhe outro.

Essas mortes prematuras são explicadas pelas imperfeições da matéria. Quando o corpo morre poucos dias depois de nascido, o ser não tem consciência plena de sua existência. Desse modo, a importância da morte é quase nula. Muitas vezes, como já se disse, é uma prova para os pais. Às vezes, o Espírito sabe com antecedência que o corpo escolhido não tem probabilidade de viver, mas, se o escolheu por este motivo, é porque recua diante da prova. Quando, por qualquer motivo, falha a encarnação de um Espírito, ela é suprida por outra existência, mas nem sempre imediatamente. O Espírito precisa de tempo para proceder à nova escolha, a menos que a reencarnação imediata resulte de decisão anterior. Uma vez unido ao corpo da criança, e quando já não lhe é possível voltar atrás, o Espírito lamenta algumas vezes a escolha que fez, mas só como homem, queixando-se da vida, desejando outra. Mas não lamenta a escolha feita como Espírito, pois não sabe que a escolheu.

Depois de encarnado, o Espírito não pode arrepender-se de uma escolha de que não tem consciência. Pode, no entanto, achar a carga pesada demais e, quando a considera superior às suas forçasm recorre ao suicídio. No intervalo que vai da concepção ao nascimento, o Espírito desfruta mais ou menos de todas as suas faculdades, conforme a época, porque ainda não está encarnado, mas apenas ligado. A partir do instante da concepção, o Espírito começa a ser tomado de perturbação que o adverte de que chegou o momento de começar nova existência; essa perturbação vai crescendo até o nascimento. Nesse intervalo, seu estado é mais ou menos o de um Espírito encarndo durante o sono do corpo. À medida que a hora do nscimento se aproxima, suas ideias se apagam, assim como a lembrança do passado, de que não tem mais consciência, como homem, logo que entra na vida. Mas essa lembrança lhe volta pouco a pouco à memória em seu estado de Espírito.

No momento do nascimento o Espírito não recobra imediatamente a plenitude de suas faculdades; elas se desenvolvem gradualmente com os órgãos. Para ele, é uma nova existência; é preciso que aprenda a servir-se de seus instrumentos. As ideias lhe voltam pouco a pouco, como a um homem que desperta e de encontra numa posição diferente da que ocupava na véspera. Ainda que a união do Espírito e do corpo só se complete definitivamente depois do nascimento, não se pode considerar o feto como dotado de alma. O Espírito que o vai animar existe, de certo modo, fora dele. O feto não tem, a bem dizer, uma alma, visto que a encarnação está apenas em via de operar-se. Acha-se, no entanto, ligado à alma que virá a possuir. A vida uterina é como a da planta que vegeta. A criança vive a vida animal. O homem possui em si a vida animal e a vida vegetal que, por seu nascimento, se completam como vida espiritual.

Há, como revela a Ciência, crianças que não são viáveis desde o ventre materno, o que ocorre frequentemente. Deus o permite como prova, seja para os pais, seja para o Espírito designdo a encarnar. Há natimortos que não tinham sido destinados à encarnação de Espíritos, que jamais tiveram um Espírito destinado a seus corpos. Nada devia cumprir-se neles. É somente pelos pais que essas crianças vêm ao mundo. Um ser dessa natureza pode, portanto, chegar até o final da gestação, mas não vive. Desse modo, toda criança que sobrevive ao nascimento tem, necessariamente, um Espírito encarnado nela, pois que seria da criança sem o Espírito? Não seria um ser humano. para o Espírito, as consequências do aborto são uma existência nula e que ele terá de recomeçar. O aborto promovado é um crime, seja qual for a época da concepção, pois há crime toda vez que transgredimos a lei de Deus.

Uma mãe, ou qualquer outra pessoa, cometerá crime sempre que tirar a vida de uma criança antes do nascimento, pois está impedindo uma alma de suportar as provas de que serviria de instrumento o corpo que estava se formando. No entanto, no caso em que o nascimento da criança ponha em perigo a vida da mãe dela, é preferível sacrificar o ser que ainda não existe a sacrificar o que já existe. Quanto a ser racional ou não dispensar ao feto a mesma atenção que se concede ao corpo de uma criança que tenha vivido, devemos ver em tudo isso a vontade de Deus e sua obra. Não tratemos, pois, levianamente coisas que devemos respeitar. Por que não respeitar as obras da Criação, algumas vezes incompletas por vontade do Criador? Isso faz parte de seus desígnios, que ninguém é chamado a julgar.

3 - Faculdades morais e intelectuais

As qualidades morais, boas ou más, do homem têmnorigem no Espírito encarnado. São suas qualidades. Quanto mais puro é o Espírito, mais o homem é propenso ao bem. Disso resulta que o homem de bem é a encarnação de um Espírito bom, e o homem vicioso, a de um Espírito mau. Entretanto, digamos antes que o homem vicioso é a encarnação de um Espírito imperfeito, pois, do contrário, poder-se-ia crer na existência de Espíritos sempre maus, a que chamamos demônios. O caráter dos indivíduos em que encarnam Espíritos travessos e levianos é o de indivíduos estouvados, maliciosos e, algumas vezes, maléficos. Os Espíritos não estão isentos das paixões que angustiam a Humanidde, do contrário eles nos teriam comunicado. É o mesmo Espírito, pois, que dá ao homem as qualidades morais e as da inteligência, e isso em virtude do grau de adiantamente a que tenha chegado.

O homem não tem em si, portanto, dois Espíritos. Alguns homens muito inteligentes, o que indica que neles estão encarnados Espíritos Superiores, são ao mesmo tempo profundamente viciosos porque os Espíritos encarnados ainda não são bastante puros nesses homens, e por isso cedem à influência de outros Espíritos mais imperfeitos. O Espírito progride numa marcha ascendente insensível, mas o progresso não se efetua simultaneamente em todos os sentidos. Num período ele pode avançar em ciência; noutro, em moralidade. Refletindo, reconhece-se que é absurda a opinião segundo a qual as diferentes faculdades intelectuais e morais do homem resultariam de outros tantos Espíritos nele encarnados, cada um com uma aptidão especial. O Espírito deve ter todas as aptidões. Para progredir, precisa de uma vontade única. Se o homem fosse uma mistura de Espíritos, essa vontade não existiria e ele não teria individualidde, visto que, por sua morte, todos aqueles Espíritos seriam como um bando de pássaros fugidos da gaiola.

Muitas vezes o homem se queixa de não compreender certas coisas e, no entanto, é curioso ver-se como multiplica as dificuldades, quando tem ao seu alcance uma explicação muito simples e natural. É ainda tomar o efeito pela causa; é fazer com o homem o que os pagãos faziam com Deus. Acreditavam em tantos deuses quantos eram os fenômenos do Universo, embora, entre eles, as pessoas sensatas apenas vissem em tais fenômenos efeitos que tinham por causa um Deus único.

4 - Influência do organismo

Ao unir-se ao corpo, o Espírito não se identifica com a matéria, que é apenas o envoltório do Espírito, como a roupa é o envoltório do corpo. Ao unir-se ao corpo, o Espírito conserva os atributos da natureza espiritual.  O exercício das faculdades do Espírito depende dos órgãos que lhes servem de instrumento. A grosseria da matéria as enfraquece e é por isso que essas faculdades não são exercidas com total liberdade pelo Espírito após sua união com o corpo. Assim, o envoltório material é um obstáculo à livre manifestação das faculdades do Espírito, como um vidro muito opaco se opõe à livre emissão da luz. O livre-exercício ds faculdades da alma, portanto, está subordinado ao desenvolvimento dos órgãos, que são os instrumentos da manifestação dessas faculdades. Essa manifestação se acha subordinada ao desenvolvimento e ao grau de perfeição desses mesmos órgãos, como a excelência de um trabalho está subordinada à qualidade da ferramenta.

Da influência dos órgãos, contudo, não se pode deduzir uma relação entre o desenvolvimento dos órgãos cerebrais e o das faculdades morais e intelectuais. Não confundamos o efeito com a causa. O Espírito dispõe sempre das faculdades que lhe são próprias. Ora, não são os órgãos que dão as faculdades, e sim as faculddes que impulsionam o desenvolvimento dos órgãos. No entanto, a diversidade das aptidões entre os homens não se deve unicamente ao estado do Espírito. O princípio dessa diversidade reside nas qualidades do Espírito, que pode ser mais ou menos adiantado. Mas é preciso que se leve em conta a influência da matéria, que entrava com maior ou menor intensidade o exercício de suas faculdades.

5 - Idiotismo, loucura

Não tem fundamento a opinião segundo a qual os cretinos e os idiotas teriam almas de natureza inferior. Eles têm almas humanas, muitas vezes mais inteligentes do que pensamos, mas que sofrem de insuficiência dos meios de que dispõem para se comunicar, da mesma forma que o mudo sofre por não poder falar. São Espíritos em punição que habitam corpos de idiotas. Esses Espíritos sofrem pelo constrangimento que experimentam e pela impossibilidade em que estão de se manifestarem  por meio de órgãos não desenvolvidos ou defeituosos. Assim, é inexato dizer-se que os órgãos nada influem sobre as faculdades. Eles têm influência muito grande sobre a manifestação das faculdades, mas não as produzem: eis a diferença. Um bom músico, com um instrumento ruim, não produzirá boa música, o que não o impede de ser bom músico.

O mérito da existência de seres que, como os cretinos e os idiotas, não podendo fazer o bem nem o mal, não podem progredir está na expiação que lhes foi imposta pelo abuso que fizeram de certas faculdades. É um apausa temporária. Desse modo, um corpo de um idiota pode conter um Espírito que tenha animado um homem de gênio em existência anterior. Às vezes o gênio se torna um flagelo, quando dele se abusa. Na condição de Espírito livre, o idiota tem, como muita frequência, consciência de seu estado mental. Compreende que as cadeias que impedem seu voo são uma prova e uma expiação. Quando em liberdade, o Espírito recebe diretamente suas impressões e exerce diretamente sua ação sobre a matéria; mas, quando encarnado, encontra-se em condições muito diferentes e na contingência de só o fazer com o auxílio de órgãos especiais.

Se uma parte ou o conjunto desses órgãos for alterado, sua ação ou suas impressões, no que diz respeito a tais órgãos, se interrompem. Se perde os olhos, fica cego; se o ouvido, torna-se surdo, etc. Imaginemos agora que o órgão que preside aos efeitos da inteligência e da vontade seja afetado ou modificado, parcial ou totalmente, e nos será fácil compreender que o Espírito, não tendo mais a seu serviço senão órgãos incompletos ou alterados, deve entrar num estado de perturbação do qual, por si mesmo e em seu foro íntimo, tem perfeita consciência, mas cujo curso é incapaz de deter - tal é a situação do Espírito na loucura. Então, é sempre o corpo e não o Espírito que está desorganizado. Mas convém não perder de vista que, assim como o Espírito atua sobre a matéria, também esta reage sobre ele, dentro de certos limites, e que o Espírito pode encontrar-se momentaneamente impressionado pela alteração dos órgãos pelos quais se manifesta e recebe as impressões.

Pode acontecer, finalmente, quando a loucura já durou longo tempo, que a repetição dos mesmos atos acabe por exercer sobre o Espírito uma influência de que ele só se libertará depois de se haver libertado completamente de toda impressão material. Algumas vezes, a loucura leva o homem ao suicídio porque o Espírito sofre pelo constrangimento em que se encontra e pela impossibilidade em que se vê de manifestar-se livremente. Por isso procura na morte um meio de quebrar seus grilhões. Depois da morte o Espírito do alienado pode sentir a perturbação de suas faculdades durante algum tempo, até que seja completamente desligado da matéria, assim como o homem que desperto se ressente, por algum tempo, da perturbação em que o sono o mergulhou. A alteração do cérebro pode reagir sobre o Espírito depois da morte como uma recordação, como um peso que oprime o Espírito.

Já que o Espírito não teve compreensão de tudo o que se passou durante a loucura, sempre precisará de certo tempo para se pôr ao corrente de tudo. É por isso que, quanto mais tempo tiver durado a loucura no curso da vida, tanto mais lhe durará o incômodo, o constrangimento depois da morte. Liberto do corpo, o Espírito se ressente por algum tempo da impressão que seus laços lhe causavam.

6 - Infância

O Espírito que anima o corpo de uma criança é tão desenvolvido quanto o de um adulto - e pode ser até mais desenvolvido, se progrediu mais, pois é apenas a imperfeição dos órgãos que o impede de manifestar-se. O Espírito age de acordo com o instrumento de que dispõe. À parte o obstáculo que a imperfeição dos órgãos opõe à sua livre manifestação, o Espírito de uma criança de tenra idade pensa de modo diferente de um adulto. Quando criança, é natural que os órgãos da inteligência não possam lhe dar toda a intuição de um adulto, já que não estão desenvolvidos. Sua inteligência é, de fato, muito limitada, enquanto agurda que a idade lhe amadureça a razão. A perturbação que acompanha a encarnação não cessa de súbito por ocasião do nascimento. Só gradualmente se dissipa, com o desenvolvimento dos órgãos.

Com a morte da criança, o Espírito retoma imediatamente seu vigor primitivo, Assim deve ser, já que está desembaraçado de seu envoltório carnl. Entretanto, só recobra a lucidez primitiva quando a separação estiver completa, isto é, quando não existir mais nenhum laço entre o Espírito e o corpo. Durante a infância o Espírito não sofre com o constrangimento que lhe é imposto pela imperfeição de seus órgãos. Esse estado é uma necessidade; está na natureza e de acordo com os desígnios da Providência. É um período de repouso para o Espírito. A utilidade de o Espírito passar pelo estado de infância é o objetivo de se aperfeiçoar; durante esse período, ele é mais acessível às impressões que recebe e que podem auxiliar seu adiantamento, para o qual devem contribuir os que estão encarregados de educá-lo. 

A primeira manifestação da criança é o choro para estimular o interesse da mãe e provocar os cuidados que lhe são necessários. Não compreendemos que, se duas manifestações fossem todas de alegria, quando ainda não sabe falar, pouco se inquietariam com suas necessidades? Admiremos, pois, em tudo a sabedori da Providência. A razão da mudança que se opera no caráter do indivíduo em certa idade, especialmente ao sair da adolescência, é o Espírito que retoma sua natureza e se mostra tal qual era. Não conhecemos os segredos que escondem as crianças em sua inocência. Não sabemos o que elas são, nem o que foram, nem o que serão. E, contudo, as amamos e acariciamos como se fossem parcelas de nós mesmos, de tal forma que o amor que uma mãe dedica a seu filho é considerado o maior amor que um ser possa ter por outro ser. De onde vem essa doce afeição, essa terna benevolência que mesmo os estranhos sentem por uma criança? Sabemos? Não. Pois é isso que será explicado agora.

As crianças são seres que Deus envia a novas existências e, para que não lhe possam imputar excessiva severidade, dá-lhes todas as aparências da inocência. Mesmo a uma criança má por natureza, sus faltas são encobertas pela inconsciência de seus atos. Essa inocência não constitui superioridade real com relação ao que eram antes, não; é a imagem do que deveriam ser e, se não o são, é unicamente sobre elas que recai a punição. Mas não é somente por elas que Deus lhes deu esse aspecto: foi também e principalmente por seus pais, cujo amor é necessário á fragilidade infantil. E esse amor seria excessivamente enfraquecido à vista de um caráter áspero e intratável, ao passo que, julgando seus filhos bons e dóceis, os pais lhes dedicam toda a afeição e os cercam dos mais delicados cuidados. Desde porém que os filhos não mais precisam da proteção e da assistência que lhes foram dispensadas durante quinze ou vinte anos, seu caráter real e individual ressurge em toda sua nudez; esse caráter conserva-se bom se era fundamentalmente bom, mas sempre colorido de matizes que a primeira infância mante ocultos.

Como se vê, os caminhos de Deus são sempre os melhores e, quando se tem o coração puro, a explicação é facilmente concebida. Com efeito, ponderemos que o Espírito das crianças que nascem entre nós pode vir de um mundo onde contraiu hábitos completamente diversos dos nossos. Como querermos que permaneça em nosso meio esse novo ser, que vem com paixões totalmente diferentes das que possuímos, com inclinações e gostos inteiramente opostos aos nossos? Como querermos que ele se incorpore entre nós, a não ser como Deus o quis, isto é, passando pela peneira da infância? Nesta vêm confundir-se todos os pensamentos, todos os caracteres, todas as variedades de seres gerados pela infinidade dos mundos em que se desenvolvem as criaturas. E nós mesmos, ao morrermos, nos achamos numa espécie de infância, entre novos irmãos e, nessa nova existência extraterrena, ignoraremos os hábitos, os costumes, as relações desse mundo, ainda novo para nós. Manejaremos com dificuldade uma linguagem que não estamos acostumados a falar, linguagem mais vivaz do que o é agora nosso pensamento.

A infância ainda tem outra utilidade. Os Espíritos só entram na vida corporal para se aperfeiçoarem, para se melhorarem. A fragilidade dos primeiros anos os torna brandos, acessíveis aos conselhos da experiência e dos que devam fazê-los progredir. É quando se pode reformar seu caráter e reprimir seus maus pendores. Esse é o dever que Deus confiou aos pais, missão sagrada pela qual terão de responder. É por isso que a infância não só é útil, necessária, indispensável, mas também consequência natural das leis que Deus estableceu e que regem o Universo.

7 - Simpatias e antipatias terrenas

Dois seres que se conheceram e se amaram podem encontrar-se em outra existência corporal, mas não podem reconhecer-se; sentir-se atraídos um para o outro, sim. Frequentemente, ligações íntimas baseadas em sincera afeição não têm outra causa. Dois seres se aproximam um do outro devido a circunstâncias aparentemente fortuitas, ms que de fato resultam da atração de dois Espíritos que se buscam por entre a multidão. Mas nem sempre seria mais agradável para eles se reconhecerem. A recordação das existências passadas teria inconvenientes maiores do que imaginmos. Após a morte eles se reconhecerão e saberão que tempo passaram juntos. A simpatia, entretanto, não tem sempre por  princípio um conhecimento anterior. Dois Espíritos que se dão bem, naturalmente se procuram, sem que se tenham conhecido como homens. Entre os seres pensantes há ligações que ainda não conhecemos. O magnetismo é o piloto dessa ciência, que mais tarde compreenderemos melhor, a fim de entendermos os encontros que se dão algumas vezes entre certas pessoas e que se atribuem ao acaso.

Já a repulsa instintiva que sentimos por algumas pessoas, à primeira vista, explica-se por sermos Espíritos que se adivinham e se reconhecem, sem nos falarmos. Mas não são necessariamente Espíritos maus por não simpatizarem um com o outro. Essa antipatia pode resultar do modo de pensar. Mas, à medida que eles forem se elevando, as diferenças se apagam e a antipatia desaparece. A antipatia entre duas pessoas nasce simultaneamente de parte a parte, não importando se o Espírito é pior ou melhor, embora as causas e os efeitos sejam diferentes. Um Espírito mau antipatiza com qualquer um que o possa julgar ou desmascarar. Ao ver pela primeira vez uma pessoa, logo sabe que vais er censurado. Seu afastamento dessa pessoa se transforma em ódio, em inveja e lhe inspira o desejo de praticar o mal. O bom Espírito sente repulsão pelo mau, por saber que este não o compreenderá e porque não compartilha dos mesmos sentimentos; porém, seguro de sua superioridade, não alimenta ódio nem inveja contra o outro. Contenta-se em evitá-lo e lastimá-lo.

8 - Esquecimento do passado

O Espírito encarnado perde a lembrança de seu passado porque o homem não pode nem deve saber tudo. Deus assim o quer em sua sabedoria. Sem o véu que lhe oculta certas coisas, o homem ficaria ofuscado, como quem passa sem transição da obscuridade à luz. Pelo esqucimento do passado ele é mais senhor de si. Concebe-se que as tribulações da vida servissem de lição ao homem, desde que ele pudesse lembrar-se do que s originou. Mas desde que não se recorda disso, cada existência é, para ele, como se fosse a primeira, estando, desse modo, sempre a recomeçar. Isto de concilia com a justiça de Deus levando-se em consideração que, a cada nova existência, o homem tem mais inteligência e pode distinguir melhor o bem do mal. Onde estaria o mérito, se ele se lembrasse de todo o passado? Quando o Espírito retorna à sua vida primitiva - a vida espiritual - toda sua vida passada se desdobra diante dele. Vê as faltas que cometeu e que são a causa de seu sofrimento, bem como aquilo que poderia tê-lo impedido de cometê-las.

Ele compreende que a posição em que se encontra é justa e procura então uma existência em que possa reparar a que acaba de transcorrer. Escolhe provas semelhantes àquelas por que passou ou as lutas que considera apropriadas ao seu adiantamento e pede a Espíritos que lhe são superiores que o ajudem na nova tarefa que porá em execução, porque sabe que o Espírito que lhe servirá de guia nessa nova existência procurará levá-lo a reparar suas faltas, dando-lhe uma espécie de intuição das que ele cometeu. Essa mesma intuição nos chega pelo pensmento, pelo desejo criminoso que frequentemente nos assalta e ao qual resistimos instintivamente, atribuindo nossa existência, na maioria das vezes, aos princípios que recebemos de nossos pais, quando é a voz da consciência que nos fala. Essa voz nos adverte para não recairmos nas faltas que já cometemos. Se, entrando em nova existência, o Espírito sofre com coragem aquelas provas e resite, ele se eleva e ascende na hierarquia dos Espíritos, ao voltar para o meio deles.

Nos mundos mais adiantados do que a Terra, onde os homens que os habitam não estão sujeitos a todas as nossas necessidades físicas e enfermidades, é possível que eles compreendam ser mais felizes que nós. A felicidade, em geral, é relativa e a sentimos por comparação com um estado menos feliz. Alguns desses mundo, embora melhores do que o nosso, ainda não alcançaram o estado de perfeição e os homens que lá vivem devem ter, a seu modo, razões para se aborrecerem. Entre nós, tanto o rico como o pobre estão sujeitos a tribulações que lhes tornam amarga a vida. Na situação em que se encontram, os habitantes desses mundos poderiam se considerar tão infelizes quanto nós, lastimando a própria sorte, vez que não se lembram de existências inferiores que lhes sirvam de comparação. Contudo, há mundos, entre esses citados, cujos habitantes guardam lembrança clara e exata de sus existências passadas. Esses, devemos compreender, podem e sabe, apreciar a felicidade que Deus lhes permite usufruir.

Mas há outros mundos em que os habitantes, situados, como pensamos, em melhores condições que a nossa, nem por isso deixam de experimentar grandes desgostos, e até infortúnios. Esses não apreciam a felicidade de que gozam pelo fato mesmo de não se lembrarem de um estado ainda mais infeliz. Porém, se não apreciam como homens, apreciam-na como Espíritos. Nem sempre podemos ter algumas revelações sobre as nossas existência anteriores. No entanto, muitas pessoas sabem o que foram e o que faziam. Se lhes fosse permitido dizê-lo abertamente, fariam exxtraordinárias revelações sobre o passado. Algumas pessoas julgam ter vaga lembrança de um passado desconhecido, que se lhes apresenta como a imagem fugidia de um sonho, que em vão se tenta deter. Essa ideia algumas vezes é real; frequentemente, porém, é uma ilusão contra a qual deve o homem precaver-se, já que pode ser efeito da imaginação superexcitada.

Mas nas existências corporais de natureza mais elevada do que a nossa a lembrança das existência anteriores é mais precisa; à medida que o corpo se torna menos material, o homem recorda melhor. A lembrança do passado é mais clara para os que habitam os mundos de ordem superior. Sendo as tendências instintivas do homem uma reminiscência de seu passado, é possível que, pelo estudo dessas tendências, ele possa conhecer as faltas que cometeu, mas até certo ponto. Deve-se, entretanto, levar em conta a melhora que se possa ter operado no Espírito e as resoluções que ele tomou no estado errante. A existência atual pode ser muito melhor do que a precedente. Assim, a depender de seu adiantamento, o homem poderá cometer, numa existência, faltas que não cometeu na existência anterior. Se não souber resistir às provas, pode ser arrastado a novas faltas, que são a consequência da posição que escolheu. Mas, em geral, essas faltas revelam mais uma condição estacionária do que um estado retrógrado, pois o Espírito pode avançar ou estacionar, mas nunca retroceder. 

Da natureza das vicissitudes da vida corporal, sendo elas a expiação das falta passadas e, ao mesmo tempo, provas para o futuro, pode-se deduzir muito frequentemente o gênero da existência anterior, pois cada um é punido naquilo que pecou. Entretanto, não se deve tirar daí uma regra absoluta. As tendências instintivas são um indiício mais seguro, pois as provas por que passa o Espírito tanto se referem ao futuro quando ao passado.


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