Estudando O Livro dos Espíritos (20)

Francisco Muniz


Livro Segundo - Capítulo VI

Vida Espiritual


1 - Espíritos errantes

Algumas vezes a alma reencarna imediatamente após a separação do corpo, mas na maioria das vezes só depois de intervalos mais ou menos longos. Nos mundos superiores a reencarnação é quase sempre imediata. Sedo aí menos grosseira a matéria corporal, o Espírito encarnado goza de quase todas as suas faculdades de Espírito. Seu estado normal é o de nossos sonâmbulos lúcidos. No intervalo das reencarnações a alma se torna Espírito errante, que aspira a novo destino, que espera. A duração desses intervalos pode ser de algumas horas até alguns milhares de séculos. Aliás, não há, propriamente falando, um limite extremo estabelecido para o estado errante, que pode prolongar-se por muito tempo, mas que nunca é perpétuo. Cedo ou tarde, o Espírito encontra sempre oportunidade de recomeçar uma existência que sirva à purificação de suas existências anteriores.

Essa duração é uma consequência do livre-arbítrio. Os Espíritos sabem perfeitamente o que fazem, mas, para alguns, é também uma punição imposta por Deus. Outros pedem que ela se prolonguem, a fim de continuarem estudos que só podem ser efetuados com proveito na condição de Espírito livre. A erraticidade não é um sinal de inferioridade dos Espíritos, pois há Espíritos errantes de todos os graus. A encarnação é um estado transitório, já foi dito. Em seu estado normal, o Espírito é livre da matéria. Não se pode dizer que são errantes todos os Espíritos que não estão encarnados, só os que devem reencarnar, porque os Espíritos puros, os que atingiram a perfeição, não são errantes: seu estado é definitivo.

Os Espíritos errantes não se instruem da mesma maneira que nós, os encarnados. Eles estudam seu passado e procuram meios de elevar-se. Veem, observam o que passa nos lugares que percorrem; ouvem os discursos dos homens esclarecidos e os conselhos dos Espíritos mais elevados que eles, e tudo isso lhes inspira ideias que não tinham antes. Os Espíritos elevados, ao perderem seu envoltório, deixam as más paixões e só guardam as do bem; mas os Espíritos inferiores as conservam, pois do contrário pertenceriam à primeira ordem. 

Ainda que reconheçam os inconveniente das más paixões, os Espíritos, deixando a Terra, as conservam porque há nesse mundo pessoas que são excessivamente invejosas. Não creiamos que, tão logo o deixem, percam esse defeito. Após a partida da Terra, sobretudo para os que tiveram paixões bem acentuadas, resta uma espécie de atmosfera que os envolve, fazendo que conservem todas essas coisas más, pois o Espírito ainda não se acha inteiramente desprendido da matéria. Só por momentos ele entrevê a verdade, como que para mostrar-lhes o bom caminho. No estado errante o Espírito pode melhorar-se muito, sempre conforme sua vontade e seu desejo. Mas é na existência corporal que põe em prática as novas ideias que adquiriu.

Os Espíritos errantes são mais ou menos felizes ou infelizes, de acordo com seus méritos. Sofrem por efeito das paixões cujo princípio conservaram, ou são felizes, segundo sejam mais ou menos desmaterializados. No estado errante, o Espírito entreve o que lhe falta para ser mais feliz, e então procura os meios de alcançá-lo. Mas nem sempre lhe é permitido reencarnar conforme sua vontade, o que constitui, para ele, uma punição. Pelo simples fato de ter deixado o corpo, o Espírito não se acha completamente desprendido da matéria e continua pertencendo ao mundo onde viveu ou a outro do mesmo grau, a menos que, durante a vida, se tenha elevado. Esse o objetivo para o qual deve voltar-se, pois, do contrário, jamais se aperfeiçoaria.

Ele pode, no entanto, ir a alguns mundo superiores, mas na qualidade de estrangeiro. A bem dizer, consegue apenas entrevê-los, e é isso que lhe dá o desejo de melhorar-se, para se tornar digno da felicidade que ali se desfruta e poder habitá-los mais tarde. Mas os Espíritos já purificados vão frequentemente aos mundos inferiores, a fim de os ajudar a progredir. Sem isso, esses mundos estariam entregues a si mesmos, sem guias para os dirigir.

2 - Mundos transitórios

Como já foi dito, existem mundos que servem de estações ou pontos de repouso aos Espíritos errantes, nos quais eles podem habitar temporariamente, espécies de acampamento ao ar livre, de lugares em que possam repousar de uma erraticidade demasiado longa, estado este sempre um tanto penoso. São, entre outros mundos, posições intermediárias, graduadas de acordo com a natureza dos Espíritos que podem alcançá-los e onde eles gozam de maior ou menor bem-estar. Os Espíritos que habitam esses mundos podem deixá-lo à vontade, a fim de irem aonde devam ir. Imaginem-nos como aves de arribação que pousam numa ilha, para aí aguardarem que se refaçam sus forças, a fim de seguirem seu destino. 

E é claro que os Espíritos progridem durante sua estada nos mundos transitórios. Os que assim se reúnem o fazem com o objetivo de se instruírem e de poderem mais facilmente obter permissão para dirigir-se a lugares melhores e chegar à posição que os eleitos atingem. Por sua natureza especial, os mundos transitórios não se conservam perpetuamente destinados aos Espíritos errantes, porque sua posição é apenas temporária. E, por terem sua superfície estéril, esses mundos não são habitados por seres corpóreos. Os que lá estão não precisam de nada. Também essa esterilidade é transitória e não resulta de sua natureza especial. Nesses mundos, a Natureza se reflete nas belezas da imensidade, que não são menos admiráveis do que aquilo a que chamamos de belezas naturais. Nossa Terra, a propósito, já foi um dia contada entre esses mundos transitórios, na época de sua formação. 

3 - Percepções, sensações e sofrimentos dos Espíritos

Uma vez no mundo dos Espíritos, a alma tem ainda as percepções que tinha na Terra, além de outras que não possuía, porque seu corpo era como um véu que as obscurecia. A inteligência é um atributo do Espírito, mas que se manifesta mais livremente quando não tem obstáculos a vencer. E quanto mais se aproximam da perfeição, tanto mais sabem. Se são Espíritos Superiores, sabem muito. Os Espíritos inferiores são mais ou menos ignorantes acerca de todas as coisas. Quanto a conhecerem o princípio das coisas, isso depende da elevação e da natureza dos Espíritos. Os inferiores não sabem mais do que os homens. Os Espíritos não compreendem a duração como nós, e é isto que faz que nem sempre os compreendamos, quando se trata de determinar datas ou épocas.

A ideia que os Espíritos fazem do presente é mais ou menos como aquele que vê claramente faz ideia exata das coisas do que o cego. Os Espíritos veem o que não vemos; julgam, pois, de modo diverso do nosso. Mas, ainda uma vez, isso depende da elevação deles. O conhecimento que os Espíritos têm do passado é como, quando dele se ocupam, o presente, exatamente como nos lembramos de uma coisa que nos impressionou no curso de nosso exílio. Simplesmente, como já não têm o véu material que obscurece nossa inteligência, lembram-se de coisas que para nós estão apagadas. Mas, nem tudo os Espíritos sabem, a começar por sua própria criação. Também o conhecimento do futuro depende da perfeição dos Espíritos. Muitas vezes, apenas o entreveem, mas nem sempre lhes é permitido revelá-lo. Quando o veem, o futuro lhes parece o presente. O Espírito vê o futuro mais claramente à medida que se aproxima de Deus. 

Após a morte, a alma vê e abarca num piscar de olhos suas migrações passadas, mas não pode ver o que Deus lhe reserva. Para isso, é preciso que esteja completamente integrado a ele, depois de muitas existências. E ainda que tenham alcançado a perfeição absoluta, os Espíritos não têm conhecimento completo do futuro, pois só Deus é soberano Senhor e ninguém o pode igualar. Por isso, só os Espíritos Superiores veem a Deus e o compreendem. Os inferiores o sentem e o adivinham. Assim, quando um Espírito inferior diz que Deus lhe proíbe uma coisa, a verdade é que, embora ele não veja a Deus, sentre sua soberania, e sempre que uma coisa não deve ser feita ou uma palavra não deve ser dita, ele sente uma espécie de intuição, uma advertência invisível que o proíbe de fazê-lo. Nós mesmos não temos pressentimentos que são como avisos secretos, para fazermos, ou não, isso ou aquilo?

O mesmo acontece com os Espíritos, só que num grau superior, pois havemos de compreender que, por ser mais sutil do que as nossas a essência dos Espíritos, eles podem receber melhor as advertências divinas. A ordem não vem diretamente de Deus. para se comunicar com Deus, é preciso ser digno disso. Deus transmite suas ordens por meio de Espíritos mais elevados em perfeição e instrução. Quanto à visão dos Espíritos, ela não é circunscrita como a dos seres corpóreos; ela reside neles por inteiro. Os Espíritos não precisam da luz para ver; veem por si mesmos sem necessitarem de luz exterior. Para eles não há trevas, a não ser aquelas em que podem achar-se por expiação. Como o Espírito se transporta com a rapidez do pensamento, pode-se dizer que vê em toda parte ao mesmo tempo. Seu pensamento pode irradiar e dirigir-se para muitos pontos diferentes ao mesmo tempo, mas essa faculdade depende de sua pureza: quanto menos puro é o Espírito, tanto mais limitada é sua visão.

Só os Espíritos Superiores podem abarcar o conjunto. Mas o Espírito vê as coisas mais distintamente do que nós, pois sua visão penetra o que não podemos penetrar. Nada a obscurece. Também os sons o Espírito os percebe e até mesmo os sons que nossos sentidos obtusos são incapazes de perceber. Todas as percepções são atributos do Espírito e fazem parte de seu ser. Quando está revestido de um corpo material, elas só lhe chegam pelo conduto dos órgãos; mas, no estado de liberdade, deixam de estar localizadas. Mas ainda que as percepções sejam atributos do próprio Espírito, é para ele possível subtrair-se a elas, pois o Espírito só vê e ouve o que quer. Isto é dito de forma geral, sobretudo para os Espíritos elevados, pois os imperfeitos muitas vezes ouvem e veem, à revelia deles, o que possa ser útil a seu aperfeiçoamento.

E eles são sensíveis à música, embora nossa música nada lhes diga, pois que é ela comparada à música celeste? a essa harmonia que nada na Terra nos pode dar uma ideia? Uma está para a outra como o canto do selvagem para uma suave melodia. Não obstante, Espíritos vulgares podem experimentar certo prazer em ouvir nossa música, por não lhes ser dado ainda compreender outra mais sublime. A música possui infinitos encantos para os Espíritos, em razão de terem muito desenvolvidas suas qualidades sensitivas. Os Espíritos Superiores se referem à música celeste, que é tudo o que de mais belo e suave a imaginação espiritual pode conceber. Quanto à sensibilidade dos Espíritos às belezas da Natureza, as belezas naturais dos globos são tão diferentes que estamos longe de as conhecer. Sim, os Espíritos são sensíveis a essas belezas, segundo as aptidões que tenham para as apreciar e compreender.

Para os Espíritos elevados, há belezas de conjunto diante das quais se apagam, por assim dizer, as belezas dos detalhes. Quanto às necessidades e sofrimentos físicos, os Espíritos os conhecem, porque os sofreram, mas não os experimentam como nós, materialmente: São Espíritos. Por esta razão, não podem sentir fadiga, tal como a entendemos; conseguintemente, não precisam do repouso corporal, já que não possuem órgãos cujas forças devem ser reparadas.

4 - Ensaio teórico sobre a sensação dos Espíritos

O corpo é o instrumento da dor. Se não é a causa primeira desta, é, pelo menos, a causa imediata. A alma tem a percepção da dor: essa percepção é o efeito. A lembrança que dela conserva pode ser muito penosa, mas não pode ter ação física.

(...)

O perispírito é o laço que une o Espírito ao corpo; ele é tirado do meio ambiente, do fluido universal. Participa ao mesmo tempo da eletricidade, do fluido magnético e, até certo ponto, da matéria inerte.

(...)

A experiência nos ensina que, por ocasião da morte, o perispírito se desprende mais ou menos lentamente do corpo.

(...)

Durante a vida, o corpo recebe as impressões exteriores e as transmite ao Espírito, que constitui, provavelmente, o que se chama fluido nervoso. (...) Desprendido do corpo, o perispírito experimenta a sensação, mas, como já não lhe chega por um conduto limitado, torna-se geral. Ora, não sendo o perispírito, na realidade, mais do que simples agente de transmissão, pois é o Espírito que possui a consciência, deduz-se que, se pudesse existir perispírito sem Espírito, aquele não sentiria mais que um corpo morto. Do mesmo modo, se o Espírito não tivesse perispírito, seria inacessível a toda sensação dolorosa. É o que ocorre com os Espíritos completamente purificados.

(...)

Os sofrimentos deste mundo independem, algumas vezes, de nós, mas muitos deles são consequências de nossa vontade. (...) Concluindo, se [os Espíritos] sofrem, é porque quiseram. não devendo queixar-se senão deles mesmos, tanto no outro quanto neste mundo.

5 - Escolha das provas

No estado errante, e antes de começar nova existência corporal, O Espírito tem consciência e previsão das coisas que lhe vão acontecer durante  vida, porquanto ele próprio escolhe o gênero de provas que deseja sofrer e nisso consiste seu livre-arbítrio. No entanto, nada acontece sem a permissão de Deus, pois foi Ele quem estabeleceu todas as leis que regem o Universo. Perguntemos, então, por que fez tal lei, e não outra! Dando ao Espírito a liberdade de escolher, Deus lhe deixa toda a responsabilidade de seus atos e de suas consequências. Nada entrava seu futuro; o caminho do bem, como o do mal, lhe estão aberto. Se vier a sucumbir, resta-lhe o consolo de que nem tudo se acabou para ele e que Deus, em sua bondade, deixa-o livre para recomeçar o que foi malfeito. Além disso, é preciso distinguir o que é obra da vontade de Deus do que é obra da vontade do homem. Se um perigo nos ameaça, não fomos nós que o criamos e sim Deus; tivemos, porém, o desejo de nos expormos a ele, porque nele vimos um meio de progredir, e Deus o permitiu. 

Mas ainda que o Espírito possa escolher o gênero de provas que deve sofrer, não se segue que todas as tribulações que experimentamos foram previstas e escolhidas por nós. Com efeito, não escolhemos nem previmos tudo o que nos sucede no mundo, até as menores coisas. Escolhemos apenas o gênero das provações; os detalhes são consequência da posição e, muitas vezes, das nossas próprias ações. Se o Espírito quis nascer entre malfeitores, por exemplo, sabia a que arrastamentos se expunha, mas ignorava quais os atos que viria a praticar. Esses atos resultam do exercício de sua vontade, ou de seu livre-arbítrio. Ao escolher tal caminho, sabe o Espírito que gênero de lutas terá de sustentar; sabe, portanto, a natureza das vicissitudes que irá encontrar, mas ignora quais os acontecimentos que o aguardam. Os detalhes secundários se originam das circunstâncias e da força das coisas. Só os grande acontecimentos, os que influem no destino, estão previstos.

Se escolhemos um caminho acidentado, sabemos que teremos de tomar muitas precauções, porque grande á a probabilidade de cairmos; ignoramos, no entanto, em que trecho cairemos, mas é possível que nem caiamos, se formos bastante prudentes. Se, ao passarmos pela rua, uma telha nos cair na cabeça, não acreditemos que estava escrito, como se diz vulgarmente. O Espírito pode querer nascer entre gente de má vida porque é necessário que seja posto num meio onde possa sofrer a prova que pediu. Pois bem! É preciso que haja analogia. Para lutar contra o instinto do roubo, é indispensável que se encontre entre gente dessa espécie. E não seria de lamentar que não houvesse gente de má vida na Terra para o Espírito não encontrar meio adequado a certas provas. É o que ocorre nos mundos superiores, onde o mal não tem acesso. Eis porque neles só existem Espíritos bons. Façamos com que em breve o mesmo aconteça na Terra.

Para alcançar a perfeição, o Espírito não terá de experimentar todos os gêneros de tentações, nem passar por todas as situações que possam excitar-lhe o orgulho, a inveja, a avareza, a sensualidade, etc. Sabemos que há os que tomam desde o princípio um caminho que os livra de muitas provas. Mas aquele que se deixa arrastar para o mau caminho corre todos os riscos desse caminho. Pode um Espírito, por exemplo, pedir a riqueza e esta lhe ser concedida. Então, conforme seu caráter, poderá tornar-se avarento ou pródigo, egoísta ou generoso, ou ainda entregar-se a todos os prazeres da sensualidade, o que não quer dizer que deva passar por todas essas tendências. O Espírito que, em sua origem, é simples, ignorante e sem experiência, pode escolher uma existência com conhecimento de causa e ser responsável por essa escolha porque Deus lhe supre a inexperiência, traçando-lhe o caminho que deve seguir, como fazemos com uma criança, desde o berço.

Contudo, pouco a pouco, à medida que seu livre-arbítrio se desenvolve, Deus o deixa livre para escolher e só então é que muitas vezes o Espírito se extravia, tomando o mau caminho, por não ouvir os conselhos dos bons Espíritos. É a isso que se pode chamar a queda do homem. Nem sempre, porém, a escolha da existência corporal dependerá da vontade do Espírito. Mas Deus, que sabe esperar, não apressa a expiação. Entretanto, pode impor determinada existência a um Espírito, quando este, por sua inferioridade ou má-vo9ntade, não está apto a compreender o que lhe seria mais salutar, e quando vê que tal existência pode contribuir para sua purificação e, ao mesmo tempo, servir-lhe de expiação. A escolha do Espírito não é feita imediatamente depois da morte. Muitos acreditam na eternidade das penas, e isso, como já foi dito, é um castigo.

O Espírito escolhe s provas que lhe possam servir de expiação, segundo a natureza de suas falta, e o façam progredir mais depressa. Uns, portanto, impõem a si mesmos uma vida de misérias e privações, a fim de tentarem suportá-las com coragem; outros querem experimentar as tentações da riqueza e do poder, muito perigosas, pelo abuso e mau emprego que delas se possa fazer, e pelas más paixões que desenvolvem. Outros, finalmente, querem ser provados nas lutas que terão de sustentar no contato com o vício. Há, sem dúvida, alguns Espíritos que escolhem o contato com o vício por simpatia e pelo desejo de viverem num meio conforme aos seus gostos, ou para poderem entregar-se materialmente aos seus pendores materiais. Mas isso se dá somente entre aqueles cujo senso moral ainda está pouco desenvolvido. A prova vem por si mesma e eles as sofrem por muito mais tempo.

Cedo ou tarde, compreendem que a satisfação de sus paixões brutais lhes traz consequências deploráveis, que sofrerão durante um tempo que lhes parecerá eterno. Deus poderá deixá-los nesse estado, até que compreendam seus erros e, por iniciativa própria, peçam para repará-los, mediante úteis provações. Para nós, parecerá natural que os Espíritos escolham as provas menos dolorosas, mas para eles não é assim. Quando o Espírito se desprende da matéria, a ilusão acaba e outra é sua maneira de pensar. Quanto a o Espírito poder fazer sua escolha durante a vida corporal, seu desejo pode influir, dependendo da intenção. Como Espírito livre, porém, quase sempre vê as coisas de modo bem diferente. É o Espírito quem faz a escolha; mas, ainda uma vez, ele pode fazê-la mesmo na vida material, pois há sempre momentos em que o Espírito se torna independente da matéria em que habita.

E não é como expiação, ou como prova, que muitas pessoas desejam as grandezas e as riquezas. De modo algum. É a matéria que deseja essa grandeza para gozá-la; e o Espírito, para conhecer-lhe as vicissitudes. Assim, até que chegue ao estado de pureza perfeita, o Espírito tem que passar constantemente por provas, mas não como o entendemos, pois só consideramos provas as tribulações materiais. Ora, mesmo sem ser perfeito, o Espírito que se elevou a um certo grau não tem mais provas a sofrer. Porém, sempre tem deveres que o ajudam a se aperfeiçoar, e que nada têm de penosos, ainda que consistam em auxiliar os outros a se aperfeiçoarem. O Espírito pode escolher uma prova que esteja acima de suas forças e sucumbir - nisto consiste seu engano quanto à eficácia da provação escolhida. Também pode escolher uma que não lhe traga proveito algum, como buscar, por exemplo, um gênero de vida ociosa e inútil! Mas, então, voltando ao mundo dos Espíritos, ele percebe que nada ganhou e pede outra prova para reparar o tempo perdido. 

As vocações de certas pessoas e a vontade que sentem de seguir uma carreira de preferência a outra devem ser atribuídas, conforme podemos compreender muito bem, à consequência de tudo o que foi dito sobre a escolha das provas e sobre o progresso realizado em existência anterior. No estado errante o Espírito estuda as diversas condições nas quais poderá progredir, mas se ele pensa realizar seu progresso nascendo, por exemplo, entre canibais, não são Espíritos adiantados que o fazem, mas Espíritos da natureza dos canibais ou que lhes sejam inferiores. Dessa maneira, Espíritos vindos de um mundo inferior à Terra, ou de um povo muito atrasado, como os canibais, poderiam nascer entre nossos povos civilizados. Há os que se extraviam, por quererem subir muito alto; mas nesse caso, ficam deslocados entre nós, porque têm costumes e instintos que não condizem com os nossos.

De maneira análoga, um homem que pertence a uma raça civilizada poderia, por expiação, reencarnar numa raça selvagem, mas dependendo do gênero de expiação. Um senhor que tenha sido cruel com seus escravos poderá, por sua vez, tornar-se escravo e sofrer os maus-tratos que infligiu a outros. Aquele que exerceu o mando em certa época, pode, em nova existência, obedecer aos que se curvavam ante sua vontade. É uma expiação que Deus lhe impõe, se ele abusou de seu poder. Um bom Espírito também pode querer encarnar no seio daquelas raças, ocupando posição influente, para fazê-las progredir. Trata-se, então, de uma missão. 

6 - Relações de além-túmulo

As diferentes ordens de Espíritos estabelecem entre eles uma hierarquia de poderes. Há também entre eles muito grande subordinação e autoridade. Assim, os Espíritos têm, uns sobre os outros, uma autoridade relativa à sua superioridade, autoridade que eles exercem por um ascendente moral irresistível. E, por ser irresistível, os Espíritos inferiores não podem subtrair-se à autoridade dos que lhe são superiores. Dessa maneira, o poder e a consideração de que um homem desfrutou na Terra não lhe dão nenhuma supremacia no mundo dos Espíritos, pois os pequenos serão elevados e os grandes, rebaixados, conforme lê-se nos salmos. Devemos entender essa elevação e esse rebaixamento conforme os méritos, posto que os Espíritos são de diferentes ordens. Pois bem! O maior na Terra pode pertencer à última categoria entre os Espíritos, ao passo que que seu servo pode estar na primeira. 

Compreendamos isto. Não disse Jesus: Aquele que se humilhar será exaltado e aquele que se exaltar será humilhado? Por isso é que aquele que foi grande na Terra e que se acha em posição inferior, entre os Espíritos, sente humilhação quase sempre muito grande, sobretudo se era orgulhoso e invejoso. O soldado que, após a batalha, se encontra com seu general no mundo dos Espíritos não mais o reconhece como seu superior, uma vez que o título nada vale; a superioridade real é tudo. Os Espíritos das diferentes ordens estão e ao mesmo tempo não estão misturados uns com os outros, que dizer: eles se veem, mas se distinguem uns dos outros. Eles se evitam ou se aproximam, segundo a analogia ou a antipatia de seus sentimentos, tal como acontece entre nós. É todo um mundo, do qual o nosso é pálido reflexo.

Os da mesma categoria se reúnem por uma espécie de afinidade e formam grupos ou famílias de Espíritos, unidos pelos laços de simpatia e pelos fins a que visem: os bons, pelo desejo de fazerem o bem; os maus, pelo desejo de fazerem o mal, pela vergonha de suas faltas e pela necessidade de se acharem entre seres semelhantes a eles. Desse modo, nem todos os Espíritos têm acesso livre a qualquer região. Os bons vão a toda parte e assim deve ser, para que possam exercer sua influência sobre os maus. Mas as regiões habitadas pelos bons são interditadas aos Espíritos imperfeitos, a fim de não as perturbarem com suas paixões inferiores. Os bons se empenham em combater as más inclinações dos outros a fim de ajudá-los a subir. É sua missão - tal é, pois, a relação entre os bons e os maus Espíritos.

Os Espíritos se comprazem em nos induzir ao mal pelo despeito de não terem merecido estar entre os bons. É desejo deles impedir, tanto quanto possam, que os Espíritos ainda inexperientes alcancem o supremo bem. Querem  que os outros experimentem o que eles próprios experimentam. Isto também não acontece entre nós? Na comunicação entre si, os Espíritos se unem e se compreendem. A palavra é material: é o reflexo do Espírito. O fluido universal estabelece entre eles uma comunicação constante; é o veículo da transmissão do pensamento, como, para nós, o ar é o veículo do som; uma espécie de telégrafo universal que liga todos os mundos e permite que os Espíritos se correspondam de um mundo a outro. Por isso, os Espíritos não podem ocultar reciprocamente seus pensamentos, não podem esconder-se uns dos outros. Para eles, tudo é patente, sobretudo quando são perfeitos.

Podem afastar-se uns dos outros, mas sempre se veem. Isto, porém, não constitui regra absoluta, porque certos Espíritos podem perfeitamente se tornar invisíveis a outros Espíritos, se assim julgarem útil. Embora já não tenham mais corpo, eles constatam suas individualidades pelo perispírito, que os torna distinguíveis uns dos outros, como o corpo entre os homens. E, sim, os Espíritos se reconhecem por terem convivido na Terra: o filho reconhece o pai, o amigo reconhece o amigo e, assim, de geração em geração. Esse reconhecimento se dá quando eles veem a respectiva vida passada e leem nela como num livro. Vendo o pretérito dos amigos e inimigos, aí veem sua passagem da vida para a morte. Mas ao deixar seus despojos mortais, a alma nem sempre vê imediatamente os parentes e amigos que a precederam no mundo dos Espíritos. Como já se disse, ela precisa de algum tempo para reconhecer-se e desembaraçar-se do véu material.

De duas formas distintas a alma é acolhida em sua volta ao mundo dos Espíritos: a do justo, como um irmão bem-amado e esperado há muito tempo; a do mau, como um ser que se despreza. Mas os Espíritos impuros experimentam satisfação quando veem chegar  outro Espírito mau. Os maus ficam satisfeitos quando veem seres semelhantes a eles e, também, como eles, privados da felicidade infinita, como acontece, na Terra, a um ladrão entre seus iguais. E, sim, nossos parentes e amigos vêm, algumas vezes, encontrar-se conosco quando deixamos a Terra. Os Espíritos vão ao encontro da alma a que se afeiçoaram. Felicitam-na, como regressasse de uma viagem, por  haver escapado aos perigos da estrada, e ajudam-na a desprender-se dos laços corporais. É uma graça concedida aos bons Espíritos quando os seres que os amam vêm ao seu encontro, ao passo que aquele que se acha manchado permanece no isolamento ou só tem a rodeá-lo os que lhe são semelhantes. É uma punição.

A depende de sua elevação e do caminho que seguem para progredir e do caminho que seguem para progredir, os parentes e amigos sempre se reúnem depois da morte. Se um deles está  mais adiantado e caminha mais depressa do que outro, não poderão ficar juntos; é possível que se vejam algumas vezes, mas só estrarão reunidos para sempre quando puderem caminhar lado a lado, ou quando se houverem igualado na perfeição. Além disso, a privação de ver ver os parentes e amigos e, às vezes, uma punição.

7 - Relações de simpatia e de antipatia entre os Espíritos. Metades eternas

Além da simpatia geral resultante da semelhança, os Espíritos se consagram recíprocas feições particulares, como os homens. Quando, porém, o corpo está ausente, o laço que une os Espíritos é mais forte, porque então esse laço já não se acha exposto às vicissitudes das paixões. Somente entre os Espíritos impuros há ódio. São eles que insuflam entre nós as inimizades e as dissensões. Dois seres que foram inimigos na Terra não guardam ressentimento um do outro no mundo dos Espíritos. Eles compreenderão que seu ódio era estúpido e que o motivo era pueril. Apenas os Espíritos imperfeitos conservam uma espécie de animosidade, enquanto não se tenham purificado. Se for unicamente um interesse material que os separou, nisso não pensarão mais, por pouco desmaterializados que estejam. Não havendo antipatia entre eles e tendo deixado de existir a causa de suas desavenças, podem rever-se com prazer.

Mas aqueles a quem fizemos mal neste mundo manifestam, após a morte, sentimentos compatíveis com sua natureza. Se são bons, eles nos perdoam, conforme nosso arrependimento. Se são maus, é possível que guardem ressentimentos e nos persigam, algumas vezes, até mesmo em outra existência. Deus pode permiti-lo como castigo. No entanto, as afeições individuais dos Espíritos não são passíveis de alteração, porque eles não podem enganar-se. Não dispõem mais da máscara sob a qual se escondem os hipócritas. É por isso que suas afeições não se alteram, quando eles são puros. Para eles, o amor que os une é fonte de suprema felicidade. Assim, a afeição mútua que dois seres se consagraram na Terra continua a existir sempre no mundo dos Espíritos, se baseada na verdadeira simpatia. Entretanto, se as causas de ordem física tiveram maior participação do que a simpatia, a afeição cessa com as causas. As afeições entre os Espíritos são mais sólidas e duráveis que na Terra, porque não se acham subordinadas ao capricho dos interesses materiais e do amor-próprio. 

As almas que devem unir-se não estão predestinadas a essa união, desde sua origem, e cada um de nós não tem, em qualquer parte do Universo, sua metade a que fatalmente se unirá um dia. Não existe união particular e fatal entre duas almas. Existe união entre todos os Espíritos, mas em graus diferentes, segundo a categoria que ocupam, isto é, segundo a perfeição que tenham adquirido: quanto mais perfeitos, tanto mais unidos. Da discórdia nascem todos os males dos seres humanos; da concórdia resulta a completa felicidade. Não é exata, portanto, a expressão metade, de que alguns Espíritos se servem para designar os Espíritos simpáticos. Se um Espírito fosse a metade de outro, separado deste estaria incompleto. Assim, todos os Espíritos estão unidos entre si, especialmente aqueles que atingiram a perfeição. Nas esferas inferiores, desde que um Espírito se eleva, já não tem a mesma simpatia pelos que deixou.

Dois Espíritos simpáticos não são complemento um do outro; a simpatia que os une resulta da perfeita concordância de seus pendores e instintos. Se um tivesse que completar o outro, perderiam sua individualidade. A identidade necessária para a simpatia perfeita consiste não apenas na similitude dos pensamentos e sentimentos, ou na uniformidade dos conhecimentos adquiridos, mas na igualdade dos graus de elevação. Por isso podem tornar-se simpáticos no futuro os Espíritos que hoje não o são. Um Espírito que hoje está numa esfera inferior, ao aperfeiçoar-se alcançará a esfera onde reside o outro. O encontro entre os dois se dará mais depressa se o Espírito mais elevado, por suportar mal as provas a que esteja submetido, permanecer no mesmo estado. De igual modo, dois Espíritos simpáticos poderão deixar de sê-lo, se um deles for preguiçoso.

8 - Lembrança da existência corporal

Sim, o Espírito se recorda de sua existência corporal, ou seja, tendo vivido várias vezes como homem, ele se lembra do que foi e, algumas vezes, ri de piedade de si mesmo. Essa lembrança não se apresenta ao Espírito senão pouco a pouco, como algo que sai gradativamente do nevoeiro, à medida que nela fixa sua atenção. A lembrança dos acontecimentos da vida se dá em razão das consequências que resultaram para sua condição de Espírito. Mas devemos compreender que há circunstâncias de sua vida às quais não ligará importância alguma e de que nem mesmo procura lembrar-se. Mas o Espírito pode lembrar-se dos mais minuciosos detalhes e incidentes, seja dos acontecimentos, seja mesmo de seus pensamentos. Porém, quando isso não tem utilidade, ele não o faz. O Espírito também entrevê o objetivo da vida terrestre com relação à vida futura e compreende muito melhor do que quando encarnado. Compreende a necessidade de sua purificação para chegar ao infinito e sabe que em cada existência deixa algumas impurezas.

A vida passada se reflete na memória do Espírito tanto por esforço da própria imaginação como num quadro que ele tenha diante dos olhos. É como se estivessem presentes todos os atos de que tenha interesse em lembrar-se. Os outros permanecem mais ou menos vagos em sua mente, ou completamente esquecidos. Quando mais desmaterializado estiver, tanto menos importância dará às coisas materiais. Muitas vezes evocamos um Espírito errante que acaba de deixar a Terra e que não se lembra dos nomes das pessoas que lhe eram caras, nem de detalhes que nos parecem importantes; é que tudo isso pouco lhe interessa e logo cai no esquecimento. Aquilo de que ele se lembra muito bem são os fatos principais que o ajudam a melhorar-se. O Espírito se recorda de todas as existências que precederam a que acaba de deixar. Todo seu passado se desenrola diante dele, como as etapas de um caminho que um viajante percorreu. Mas, como já se disse, não se recorda de maneira absoluta de todos os atos. Lembra-se deles em razão da influência que tiveram sobre seu estado atual.

Quando às primeiras existências, as que podem considerar como a infância do Espírito, essas se perdem no vago e desaparecem na noite do esquecimento. O Espírito considera o corpo que acabou de deixar como veste imprestável, que o incomodava e da qual se sente feliz por estar livre. A sensação que lhe causa a visão de seu corpo em decomposição é quase sempre a de indiferença, como a uma coisa a que não dá mais importância. Depois de certo tempo, o Espírito reconhecerá, algumas vezes, os ossos e outros objetos que lhe tenham pertencido, dependendo do ponto de vista mais ou menos elevado sob o qual considera as coisas terrenas. É sempre grato ao Espírito que se lembrem dele, e os objetos que lhe pertenceram trazem-no à memória dos que ele deixou no mundo. Contudo, é o pensamento dessas pessoas que o atrai para nós e não aqueles objetos.

Frequentemente os Espíritos conservam a lembrança dos sofrimentos por que parraram na última existência corporal e essa lembrança lhes faz compreender melhor o valor da felicidade de que podem desfrutar como Espíritos. E o homem que foi feliz neste mundo não lastima a felicidade que perdeu ao deixar a Terra. Só os Espíritos inferiores podem lamentar as alegrias condizentes com sua natureza impura, e que lhes acarretam a expiação pelo sofrimento. Para os Espíritos elevados, a felicidade eterna é mil vezes preferível aos prazeres efêmeros da Terra. Aquele que começou grandes trabalhos com um objetivo útil e que os vê interrompidos pela morte não lamenta, no outro mundo, tê-los deixado por acabar porque vê que outros estão designados para concluí-los. Trata, ao contrário, de influenciar outros Espíritos humanos, a fim de que os terminem. Seu objetivo, na Terra, era o bem da Humanidade; no mundo dos Espíritos, esse objetivo continua sendo o mesmo.

Aquele que deixou trabalhos de arte ou de literatura julga-os, de acordo com sua elevação, de outro ponto de vista e, frequentemente, condena o que mais admirava. Também depende da elevação ou da missão que o Espírito tenha de desempenhar o interesse pelos trabalhos que se fazem na Terra, pelo progresso das artes e das ciências. 

9 - Comemoração dos mortos. Funerais

Os Espíritos são sensíveis à lembrança que deles guardam os que lhes foram caros na Terra muito mais do que podemos imaginar. Se são felizes, essa lembrança lhes aumenta a felicidade; se são infelizes, serve-lhes de lenitivo. O dia da comemoração dos mortos, contudo, não tem para os Espíritos algo de mais solene, porque eles atendem ao chamado do pensamento, tanto nesse dia como nos outros. Mas nesse dia eles se reúnem em maior número nos cemitérios, porque maior é o número de pessoas que os chamam. Mas cada Espírito só comparece ali pelos amigos e não pela multidão dos indiferentes. E eles comparecem - e assim os veríamos - sob a forma pela qual eram conhecidos em vida. Já os Espíritos esquecidos, cujos túmulos ninguém vai visitar, não têm motivos par comparecer aos cemitério nem sentem pesar por verem que nenhum amigo se lembrou deles. Mas, que lhes importa a Terra? A ela só se prendem pelo coração. Se aí não há amor, nada mais há que prenda o Espírito ao planeta: ele tem para si o Universo inteiro.

A visita ao túmulo não proporciona mais satisfação ao Espírito do que uma prece feita em casa, em sua intenção. Essa visita é uma maneira de manifestar que se pensa no Espírito ausente: é a imagem. Já se disse que a prece é que santifica o ato de lembrar; pouco importa o lugar, se for ditada pelo coração. Os Espíritos das pessoas a quem se erigem estátuas ou monumentos, só quando podem comparecem às cerimônias de inauguração. Eles são menos sensíveis à homenagem que lhes prestam do que à lembrança dos homens. A afeição do Espírito por certos lugares pra o enterro de seus despojos mortais denota inferioridade moral. Que importa este ou aquele recanto de terra a um Espírito elevado? Não sabe ele que sua alma se reunirá às do que lhe são caros, mesmo que seus ossos estejam separados? Mas a reunião dos despojos mortais de todos os membros de uma família não deve ser considerada como futilidade; é um costume piedoso e um testemunho de simpatia pelos entes queridos. Embora essa reunião tenha pouca importância para os Espíritos, é útil aos homens: as recordações se concentram melhor. 

Quando o Espírito já chegou a certo grau de perfeição, não tem mais a vaidade terrena e compreende a futilidade de coisas como as homenagens prestadas a seus despojos mortais. Mas, fiquemos sabendo: há Espíritos que, nos primeiros momentos que se seguem à sua morte material, experimentam grande prazer com as honras que lhes são prestadas, ou se aborrecem com o abandono a que relegaram seus despojos mortais. É que ainda conservam alguns dos preconceitos da vida terrena. Frequentemente, o Espírito assiste a seu enterro, mas, algumas vezes, se inda está perturbado, não percebe o que se passa e, conforme o sentimento que anima as pessoas que acorrem ao sepultamento, fica mais ou menos lisonjeado. 

Aquele que acaba de morrer quase sempre assiste à reunião de seus herdeiros. Deus assim o quer, para sua própria instrução e castigo dos culpados. É nessa ocasião que o Espírito julga do valor dos protestos que lhe faziam. para ele, todos os sentimentos estão patentes e a decepção que lhe causa a rapacidade com que os herdeiros partilham seus bens o esclarece acerca daqueles sentimentos. Mas a vez deles também chegará. O respeito instintivo que, em todos os tempos e entre todos os povos, o homem testemunha pelos mortos é a consequência natural da intuição que tem da vida futura. Sem isso, o respeito pelos mortos não teria objetivo.

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