Estudando O Livro dos Espíritos (18)

Francisco Muniz


Livro Segundo - Capítulo IV

Pluralidade das existências


1 - Reencarnação

A alma que não alcançou a perfeição durante a vida corporal acaba de depurar-se sofrendo a prova de uma nova existência. A alma, ao se depurar, sem dúvida sofre uma transformação, mas para isso necessita da prova da vida corporal. Ela passa, portanto, por muitas existências corporais, como todos nós. Os que dizem o contrário querem nos manter na ignorância em que eles se encontram; esse é o desejo deles. Entende-se, assim, que a alma, depois de haver deixado um corpo, toma outro; em outras palavras, que ela reencarna em novo corpo. A finalidade da reencarnação é a expiação, o melhoramento progressivo da Humanidade. Sem isso, onde estaria a justiça? 

Quanto ao limite do número das existências corporais, a cada nova existência o Espírito dá um passo na estrada do progresso. Quando se despojar de todas as impurezas, não mais necessitará das provas da vida corporal. Desse modo, ele não reencarna perpetuamente. Além disso, o número de encarnações não é o mesmo para todos os Espíritos; aquele que caminha depressa se poupa a muitas provas. Todavia, essas encarnações sucessivas são sempre muito numerosas, porque o progresso é quase infinito. Mas depois de sua última encarnação o Espírito se transforma em Espírito bem-aventurado; em Espírito puro.

2 - Justiça da encarnação

O dogma da reencarnação se baseia na justiça de Deus e na revelação, pois incessantemente os Espíritos repetem: o bom pai sempre deixa aos filhos uma porta aberta ao arrependimento. Não nos diz a razão que seria injusto privar para sempre da felicidade eterna todos aqueles de quem não dependeu se melhorarem? Não são filhos de Deus todos os homens? Somente entre os homens egoístas se encontram a iniquidade, o ódio implacável e os castigos sem remissão.

3 - Encarnação nos diferentes mundos

Nem todas a nossas existências corporais se realizam na Terra; vivemo-las em diferentes mundos. As que passamos na Terra não são as primeiras, nem as últimas, embora sejam das mais materiais e das mais distantes da perfeição. A alma pode reviver muitas vezes no mesmo globo, se não avançou bastante para passar a um mundo superior. Desse modo, podemos reaparecer muitas vezes na Terra. Igualmente, podemos voltar à Terra depois de termos vivido em outros mundos, mas voltar a viver na Terra não é uma necessidade. No entanto, se não progredirmos poderemos ir para outro mundo que não seja melhor e que pode até ser pior. Também não há nenhuma vantagem particular em voltar a habitar a Terra, a menos que seja em missão, caso em que aí se progride, como em qualquer outro mundo.

Permanece na condição de Espírito não traria felicidade. Estacionar-se-ia e o que se quer é avançar para Deus. Depois de terem encarnado em outros mundos, o Espíritos podem encarnar na Terra, sem que aqui jamais tenham estado, do mesmo modo que vocês em outros globos. Todos os mundos são solidários: o que não se faz num faz-se noutro. Assim, há muitos homens que estão na Terra pela primeira vez, e em diversos graus. Mas não traria nenhuma utilidade reconhecer, por um sinal qualquer, quando um Espírito está pela primeira vez na Terra. Para chegar à perfeição e à suprema felicidade, objetivo final de todos os homens, o Espírito não precisa passar pela série de todos os mundos que existem no Universo. É que há mundos que estão no mesmo grau da escola evolutiva, nos quais o Espírito nada aprenderia de novo.

A pluralidade de existências do Espírito no mesmo globo assim se explica: de cada vez o Espírito pode encontrar-se em posições bem diferentes das anteriores, que serão outras tantas ocasiões de adquirir experiência. Os Espíritos podem renascer corporalmente num mundo relativamente inferior àquele em que já viveram, quando têm uma missão a cumprir para auxiliar o progresso. Aceitam, então, como alegria as tribulações de tal existência, porque lhes fornecem os meios de se adiantarem. Quando a Deus poder enviar Espíritos rebeldes para mundos inferiores, para expiarem, os Espíritos podem permanecer estacionários, mas não retrogradam; sua punição, neste caso, consiste em não avançarem, em recomeçarem, no meio conveniente à sua natureza, as existências mal-empregadas. São os que faliram em suas provas aqueles que têm de recomeçar a mesma existência. 

Nem todos os seres que habitam cada mundo alcançaram o mesmo grau de perfeição. É como na Terra: há seres mais e menos adiantados. Passando deste mundo para outro, o Espírito conserva a inteligência que tinha aqui. A inteligência não se perde, mas pode acontecer que o Espírito não disponha dos mesmos meios para manifestá-la. Isso vai depender de sua superioridade e das condições do corpo que vai tomar. Os seres que habitam os diferentes mundos têm corpos, porque o Espírito precisa estar revestido de matéria para atuar sobre a matéria; mas esse envoltório é mais ou menos material, conforme o grau de pureza a que chegaram os Espíritos. É isso que diferencia os mundos que devemos percorrer, pois há muitas moradas na casa de nosso Pai, sendo de muitos graus essas moradas. Alguns o sabem e têm consciência disso aqui na Terra, o que não acontece com outros.

Quanto a conhecermos exatamente o estado físico e moral dos diversos mundos, os Espíritos só nos podem informar de acordo com o grau de adiantamento em que nos encontramos; ou seja: não podem revelar estas coisas a todos, pois nem todos estamos em condições de compreendê-las e isso nos perturbaria. Passando de um mundo para outro, o Espírito passa por nova infância, que em toda parte é uma transição necessária, mas não é, em todo lugar, tão obtusa quanto entre nós. Nem sempre o Espírito pode escolher o novo mundo em que vai habitar; mas pode pedir e obter o que deseja, se o merecer, porque o acesso dos Espíritos a este ou àquele mundo vai depender do grau de sua elevação. Se o Espírito nada pedir, o que vai determinar o mundo em que irá reencarnar é o grau de sua elevação.

Já o estado físico e moral dos seres vivos não é perpetuamente o mesmo em cada globo, pois os mundos também estão sujeitos à lei do progresso. Todos começaram, como o nosso, por um estado inferior e a própria Terra sofrerá transformação semelhante. Tornar-se-á um paraíso terrestre, quando os homens se houverem tornado bons. Há mundos onde o Espírito, deixando de revestir corpos materiais, só tem por envoltório o perispírito, e mesmo esse envoltório se torna tão etéreo que para nós é como se não existisse. É esse o estado dos Espíritos puros. Daí resulta que não existe uma demarcação precisa entre o estado correspondente às últimas encarnações e o de Espírito puro. A diferença se vai apagando pouco a pouco até se tornar imperceptível, como a noite se desfaz ante as primeiras claridades da alvorada.

A substância do perispírito não é a mesma em todos os globos; é mais ou menos etérea. Passando de um mundo a outro, o Espírito se reveste da matéria própria de cada um, com a velocidade do relâmpago. Os Espíritos puros habitam certos mundos, mas não estão confinados a eles como os homens na Terra; podem, melhor do que outros, estar em toda parte. 

4 - Transmigração progressiva

O Espírito não goza da plenitude de suas faculdades desde o princípio de sua formação, porque ele, como o homem, também tem sua infância. Em sua origem os Espíritos têm apenas uma existência instintiva e mal têm consciência de si mesmos e de seus atos. Só pouco a pouco a inteligência se desenvolve. O estado da alma em sua primeira encarnação é o da infância na vida corporal. Sua inteligência apenas desabrocha: ela se ensaia para a vida. As almas de nossos selvagens estão no estado de infância relativa, mas já são almas desenvolvidas, pois nutrem paixões. E, sim, as paixões são um sinal de desenvolvimento, mas não de perfeição. São um sinal de atividade e de consciência do "eu", ao passo que, na alma primitiva, a inteligência e a vida se acham no estado de gérmen.

Mesmo por uma conduta perfeita não se pode transpor, já nesta vida, todos os graus da escala e tornar-se Espírito puro, sem passar por outros graus intermediários. O homem que se julga perfeito está longe da perfeição. Há qualidades que lhe são desconhecidas e que ele não pode compreender. Poderá ser tão perfeito quanto o comporte sua natureza, mas isso não é a perfeição absoluta. Uma criança, por precoce que seja, deve passar pela juventude, antes de chegar à maturidade; da mesma forma, também, o doente tem de passar pela convalescença antes de recobrar a saúde. Além disso, o Espírito deve progredir em ciência e em moralidade; se somente se adiantou num sentido, é preciso que se adiante no outro para alcançar o topo da escala. Quanto mais o homem se adianta na vida presente, tanto menos longas e penosas serão as provas que virão depois. 

Mas o homem pode ao menos garantir para si , já na vida presente, uma existência futura menos cheia de amarguras; pode abreviar a extensão e as dificuldades do caminho. Só o negligente permanece sempre no mesmo ponto. Em suas novas existências, o homem pode descer mais baixo do que já esteja na atual apenas em termos de posição social; como Espírito, não. Por isso, não é possível que em uma nova encarnação a alma de um homem de bem anime o corpo de um celerado, visto que ela não pode degenerar. Porém. se se arrependeu, a alma de um homem perverso pode transformar-se na de um homem de bem, Isso, então, é uma recompensa. A possibilidade de se melhorarem noutra existência pode até levar algumas pessoas a perseverarem no mau caminho, sob o pretexto de que poderão corrigir-se mais tarde. 

No entanto, quem assim pensa não acredita em cada e a ideia de um castigo eterno não o reprimiria mais que qualquer outra coisa, pois sua razão a repele, e essa ideia induz à incredulidade a respeito de tudo. Se só tivessem empregado meios racionais para conduzir os homens, não haveria tantos incrédulos. De fato, um Espírito imperfeito poderá, em sua existência corporal, pensar como você diz, mas, uma vez liberto da matéria, pensará de outro modo, pois logo perceberá que calculou mal, o que o levará a sentimentos opostos em uma nova existência. É assim que se realiza o progresso e essa a razão por que, na Terra, temos homens mais adiantados do que outros. Uns já possuem a experiência que outros ainda não têm, mas que adquirirão pouco a pouco. Depende deles acelerar seu progresso ou retardá-lo indefinidamente.

Não podendo os Espíritos melhorar-se, a não ser por meio das tribulações da existência corporal, segue-se que a vida é uma espécie de cadinho ou de depurador, pelo qual devem passar os seres do mundo espiritual para alcançar a perfeição. Eles se melhoram nessas provas, evitando o mal e praticando o bem; porém, somente depois de muitas encarnações ou depurações sucessivas é que atingem, num tempo mais ou menos longo, conforme os esforços que empregam, o objetivo para o qual se encaminham. Quanto à influência que o Espírito exerce sobre o corpo para que este melhore, e vice-versa, saibamos que o Espírito é tudo; nosso corpo é uma veste que apodrece; eis tudo.

5 - Sorte das crianças depois da morte

O Espírito de uma criança, morta em tenra idade, poderá ser tão adiantado quanto o de um adulto e algumas vezes muito mais, porque pode ter vivido mais e adquirido maior soma de experiência, sobretudo se progrediu. Muito frequentemente, o Espírito de uma criança pode ser mais adiantado que o de seu pai, conforme nós o vemos tantas vezes na Terra. O Espírito de uma criança que morreu em tenra idade, por não ter podido fazer o mal, não pertence necessariamente às categorias superiores. Se não fez o mal, também não fez o bem e Deus não o isenta das provas que tenha de padecer. Se for puro, não o é pelo fato de ter sido criança, mas porque era mais evoluído. A vida se interrompe com tanta frequência na infância porque a duração da vida da criança pode representar, para o Espírito que nela está encarnado, o complemento de uma existência interrompida antes do término devido, e sua morte, quase sempre, constitui provação ou expiação para os pais. Seja como for, o Espírito de uma criança que morreu em tenra idade recomeça uma nova existência.

6 - Sexo nos Espíritos

Os Espíritos não têm sexos como o entendemos, porque os sexos dependem da organização. Há entre eles amor e simpatia, mas baseados na afinidade de sentimentos. Assim, o Espírito que animou o corpo de um homem pode animar, em nova existência, o de uma mulher e vice-versa. São os mesmos Espíritos que animam os homens e as mulheres. No estado de erraticidade, pouco importa ao Espírito encarnar no corpo de um homem ou no de uma mulher. Vai depender das provas por que haja de passar.

7 - Parentesco, filiação

Os pais transmitem aos filhos somente a vida animal, e não uma parte da própria alma, pois a alma é indivisível. Um pai estúpido pode ter filhos inteligentes e vice-versa. Já que tivemos muitas existências, nossa parentela se originou bem antes de nossa existência atual. Não pode ser de outra maneira, porque a sucessão das existências corporais estabelece entre os Espírito ligações que remontam às nossas existências anteriores. Daí, muitas vezes, as causas de simpatia entre nós e alguns Espíritos que nos parecem estranhos. Ainda que algumas pessoas pensem e digam que a doutrina da reencarnação parece destruir os laços de família, ao fazê-los recuar às existências anteriores, na verdade ela os amplia. Baseando-se o parentesco em afeições anteriores, os laços que unem os membros de uma mesma família são menos precários. 

A doutrina da reencarnação aumenta os deveres da fraternidade, pois em nosso vizinho ou em nosso empregado pode encontrar-se um Espírito que esteve ligado a nós por laços consanguíneos. Essa doutrina, no entanto, diminui a importância que alguns atribuem à sua genealogia, visto que cada um pode ter tido por pai um Espírito que haja pertencido a outra raça ou que tenha vivido em condição muito diversa. Mas essa importância se baseia no orgulho. O que a maioria das pessoas venera em seus antepassados são os títulos, a posição e a fortuna. Um, que se envergonharia de ter, como ascendente, honrado sapateiro, se gabaria de descender de um nobre devasso. Mas, digam ou façam o que quiserem, não impedirão que as coisas sejam como são, pois Deus não regula as leis da Natureza segundo a vontade deles.

Do fato de não haver filiação entre os Espíritos dos descendentes de uma mesma família não se segue que o culto aos antepassados seja uma coisa ridícula. Devemos considerar-nos felizes por pertencermos a uma família em que encarnaram Espíritos elevados. Embora os Espíritos não procedam uns dos outros, nem por isso consagram menos afeição aos que lhes estão ligados pelos laços da família, pois muitas vezes eles são atraídos para tal ou qual família por razões de simpatia ou por ligações anteriores. Mas, fiquemos certo de que os Espíritos de nossos ancestrais não se sentem nem um pouco honrados com o culto que lhes dedicamos por orgulho. O mérito de que desfrutam só se refletirá em nós à medida que nos esforcemos por seguir os bons exemplos que nos deram. Somente então lhes é grata e até mesmo útil a lembrança que deles guardamos.

8 - Semelhanças físicas e morais

Frequentemente os pais transmitem aos filhos uma semelhança física, mas não transmitem nenhuma semelhança moral, pois têm almas ou Espíritos diferentes. O corpo procede do corpo, mas o Espírito não procede do Espírito. Entre os descendentes das raças há apenas consanguinidade. AS semelhanças morais que algumas vezes se notam entre pais e filhos vêm do fato de serem Espíritos simpáticos, atraídos pela similitude de suas inclinações. Mas os Espíritos dos pais exercem uma influência muito grande sobre os dos filhos, após o nascimento destes. Conforme já foi dito, os Espíritos devem contribuir para o progresso uns dos outros. Pois bem, os Espíritos dos pais têm por missão desenvolver os de seus filhos pela educação. Isto constitui para eles uma tarefa: se falharem, serão culpados.

Por vezes, pais bons e virtuosos geram filhos de natureza perversa, isto é, as boas qualidades dos pais nem sempre atraem, por simpatia, um bom Espírito para animar seu filho. A razão é que um mau Espírito pode pedir bons pais, na esperança de que seus conselhos o dirijam por um caminho melhor. e muitas vezes Deus o atende. Os pais não podem, por seus pensamentos e preces, atrair para o corpo do filho um bom Espírito, em vez de um Espírito inferior. Podem, no entanto, formar melhor o Espírito do filho que geraram e que lhes foi confiado; esse o dever deles. Os maus filhos são uma provação para os pais. A semelhança de caráter que muitas vezes existe entre dois irmãos, principalmente entre gêmeos vem da aproximação de Espíritos simpáticos, por analogia de sentimentos e que se sentem felizes por estar juntos.

Nas crianças cujos corpos nascem ligados e que possuem alguns órgãos em comum há, efetivamente, dois Espíritos, ou melhor, duas alma, mas a semelhança entre elas é tão grande que faz nos pareçam, muitas vezes, uma só. Mas e os Espíritos encarnam nos gêmeos por simpatia, a aversão que às vezes se nota entre eles significa que não é regra geral que os gêmeos tenham de ser Espíritos simpáticos. Espíritos maus podem querer lutar juntos no teatro da vida. As histórias de crianças de lutam no ventre materno são apenas lendas; para mostrar que o ódio entre elas era muito antigo, fazem-no recuar a uma data anterior ao nascimento delas. Em geral, não levamos muito em conta as imagens poéticas. 

O caráter distintivo de que nota em cada povo deve-se a que os Espíritos também possuem famílias, formando-as pela semelhança de suas inclinações mais ou menos depuradas, conforme a elevação que tenham alcançado. Pois bem! um povo é uma grande família onde se reúnem Espíritos simpáticos. A tendência que têm os membros dessas famílias, para se unirem, é a origem das semelhança que existe no caráter distintivo de cada povo. Vocês julgam que os Espíritos bons e humanitários procuram um povo duro e grosseiro? Não; os Espíritos simpatizam com as coletividades, como simpatizam com os indivíduos. Nessas coletividades, eles se acham no meio que lhes é próprio. 

Pode acontecer de o homem conservar, em suas novas existências, os traços do caráter moral de suas vidas anteriores. Mas, melhorando-se, ele muda. Sua posição social pode, também, não ser a mesma. Se de senhor passa a escravo, seus gostos serão muito diferentes e teríamos dificuldade em reconhecê-lo. Sendo o Espírito sempre o mesmo nas diversas encarnações, podem existir certas analogias entre suas manifestações, se bem que um aperfeiçoamento notável venha mudar completamente seu caráter, pois, de orgulhoso e mau, pode tornar-se humilde e humano, se se arrependeu. Em suas diferentes encarnações, o homem não conserva os traços do caráter físico das existências anteriores; o corpo é destruído e o novo não tem nenhuma relação com o antigo.

Entretanto, o Espírito se reflete no corpo. Certamente, o corpo é apenas matéria, mas, apesar disso, é modelado pelas capacidades do Espírito, que lhe imprime certo caráter, principalmente no rosto. e não é sem razão que se apontam os olhos como o espelho da alma, isto é, que o semblante reflete mais particularmente a alma. É por isso que uma pessoa excessivamente feia, quando nela encarnou um Espírito bom, criterioso e humanitário, tem qualquer coisa que agrada, ao passo que há rostos belíssimos, que nenhuma impressão nos causam, podendo até mesmo inspirar-nos repulsa. Poderíamos supor que somente corpos bem modelados servem de envoltório a Espíritos mais perfeitos, quando encontramos todos os dias homens de bem sob um exterior disforme. Assim, mesmo sem haver pronunciada parecença, a semelhança dos gostos e das inclinações pode dar lugar ao que se chama "um ar de família".

9 - Ideias inatas

O Espírito encarnado conserva uma vaga lembrança das percepções e dos conhecimentos que adquiriu nas existências anteriores. É a isso que se chama ideias inatas. Assim, a teoria das ideias inatas não é uma quimera; os conhecimentos adquiridos em cada existência não se perdem; liberto da matéria, o Espírito sempre se recorda. Durante a encarnação, pode esquecê-los em parte, momentaneamente, mas a intuição que deles guarda lhe auxilia o progresso. sem o que estaria sempre a recomeçar. Em cada nova existência o Espírito toma como ponto de partida aquele em que se encontrava em sua existência anterior. Há, então, conexão entre duas existências sucessivas, mas não tão grande quanto poderíamos supor, porque em geral as posições são bem diferentes, e no intervalo de uma e outra o Espírito pode ter progredido.

A origem das faculdades extraordinárias dos indivíduos que, sem estudo prévio, parecem ter a intuição de certos conhecimentos, como as línguas, o cálculo, etc., é a lembrança do passado; progresso anterior da alma, mas de que ela mesma não tem consciência. De onde vocês querem que venham tais faculdades? O corpo muda, mas o Espírito não muda, embora troque de vestimenta. Mudando o corpo, o Espírito pode perder algumas faculdades intelectuais, deixar de ter, por exemplo, o gosto das artes. Isso se ele corrompeu sua inteligência ou a utilizou mal. Além disso, uma faculdade qualquer pode ficar adormecida durante uma existência inteira, se o Espírito quiser exercitar outra que com ela não guarde relação. Neste caso, permanece em estado latente, para ressurgir mais tarde.

O sentimento instintivo da existência de Deus e o pressentimento da vida futura se devem a uma lembrança retrospectiva do homem, mesmo no estado de selvageria. Ele conserva essa lembrança do que sabia como Espírito antes de encarnar. mas o orgulho sufoca, muitas vezes, esse sentimento. É a essa mesma lembrança que se devem certas crenças relativas à Doutrina Espírita, e que se encontram em todos os povos. Essa doutrina é tão antiga quanto o mundo, por isso é encontrada em toda parte, o que constitui prova de que é verdadeira. O Espírito encarnado, conservando a intuição de seu estado de Espírito, tem, instintivamente, consciência do mundo invisível, mas os preconceitos muitas vezes falseiam essa ideia e a ignorância lhe mistura a superstição.

Comentários