Estudando O Livro dos Espíritos (16)

Francisco Muniz


Livro Segundo

Capítulo I - Espíritos

1 - Origem e natureza dos Espíritos

Para definir os Espíritos, pode-se dizer que eles são os seres inteligentes da Criação. Povoam o Universo, fora do mundo material. Os Espíritos são obra de Deus, exatamente como um homem que faz uma máquina; essa máquina é obra do homem. e não o próprio homem. Sabemos que o homem, quando faz alguma coisa bela e útil, chama-lhe sua filha, sua criação. Pois bem! O mesmo se dá com relação a Deus: somos seus filhos, pois somos obra sua. Os Espíritos tiveram evidentemente um princípio, caso contrário, seriam iguais a Deus, ao passo que são criação sua e se acham submetidos à sua vontade. Deus existe de toda eternidade, é incontestável; quanto, porém, ao modo como Ele nos criou, nada sabemos. Podemos dizer que não tivemos princípio se por isto entendemos que, sendo eterno, Deus há de ter criado incessantemente. Mas, quando e como Ele criou cada um de nós ninguém o sabe; eis o mistério.

Evidentemente, os Espíritos são formados do elemento inteligente, que junto com o elemento material constituem o Universo. Os Espíritos são a individualização do princípio inteligente, como os corpos são a individualização do princípio material. A época e o modo dessa formação é que são desconhecidos. A criação dos Espíritos é permanente, isto é, Deus jamais deixou de criar. Quanto à formação dos Espíritos, espontaneamente ou procedendo uns dos outros, Deus os cria, como a todas as outras criaturas, por sua vontade. Mas, repete-se ainda uma vez, a origem deles é um mistério. Se os Espíritos são imateriais ou não, é impossível fazer-se uma definição quando faltam termos de comparação e com uma linguagem deficiente. Um cego de nascença pode definir a luz?

Imaterial não é bem o termo; incorpóreo seria mais exato, pois devemos compreender que, sendo uma criação, o Espírito há de ser alguma coisa. É a matéria quintessenciada, mas sem analogia para nós, e tão etérea que não pode ser percebido por nossos sentidos. Entretanto, é difícil compreender que uma coisa que teve começo não possa ter fim, como os Espíritos. Mas há muitas coisas que não compreendemos porque nossa inteligência é limitada; mas isso não é razão para as repelirmos. A criança não compreende tudo o que seu pai compreende, nem o ignorante tudo o que entende o sábio. Foi dito que a existência dos Espíritos não tem fim; é tudo quanto se pode dizer por enquanto.

2 - Mundo normal e primitivo

Os Espíritos constituem um mundo à parte, fora daquele que vemos. Trata-se do mundo dos Espíritos, ou das inteligências incorpóreas. Desses dois mundos, o principal na ordem das coisas é o mundo espiritual, que preexiste e sobrevive a tudo. Desse modo, o mundo corporal poderia deixar de existir, ou nunca ter existido, sem que isso alterasse a essência do mundo espiritual. Eles são independentes e, não obstante, a correlação entre ambos é incessante, porque reagem incessantemente um sobre o outro. Os Espíritos estão por toda parte. Povoam infinitamente os espaços infinitos. Há os que estão sem cessar ao nosso lado, observando-nos e atuando sobre nós, sem que o saibamos, já que os Espíritos são uma das forças da Natureza e os instrumentos de que Deus se serve par a execução de seus desígnios providenciais. Nem todos, porém, vão a toda parte, pois há regiões interditas aos menos adiantados.

3 - Forma e ubiquidade dos Espíritos

Aos olhos humanos os Espíritos não têm uma forma determinada, limitada e constante. Mas não é assim ante o olhar dos próprios Espíritos. Se quisermos uma definição, o Espírito é uma chama, um clarão ou uma centelha etérea. para nós, essa chama ou centelha tem cor e varia do escuro ao brilho do rubi, conforme o Espírito seja mais ou menos puro. Para percorrer o espaço, os Espíritos gastam algum tempo, mas o fazem com a rapidez do pensamento. E o pensamento é a própria alma que se transporta: quando o pensamento está em alguma parte, a alma aí está, pois é a alma quem pensa. O pensamento é um atributo.

O Espírito que se transporta de um lugar para outro tem consciência da distância que percorre e dos espaços que atravessa, assim como é subitamente transportado ao lugar onde quer ir. Ele pode perfeitamente, se o quiser, dar-se conta da distância que percorre, mas essa lembrança pode desaparecer completamente; isso depende de uma vontade, bem como de sua natureza mais ou menos depurada. A matéria não oferece obstáculo aos Espíritos; eles penetram tudo: o ar, a terra, as água e até mesmo o fogo lhes são igualmente acessíveis. 

Os Espíritos têm o dom da ubiquidade, mas não se dividem para estar em vários pontos ao mesmo tempo. Não pode haver divisão de um mesmo Espírito; mas cada um é um centro que irradia par diferentes lados, e é por isso que parecem estar em muitos lugares ao mesmo tempo. Vejamos o Sol. É somente um; no entanto, irradia-se em todas as direções e leva muito longe seus raios. Contudo, não se divide. Os Espíritos não irradiam porém com a mesma força; isso depende do grau de pureza de cada um.

4 - Perispírito

O Espírito está envolvido por uma substância que é vaporosa para vocês, mas ainda bastante grosseira para seus iguais, suficientemente vaporosa, entretanto, para poder elevar-se na atmosfera e transportar-se a onde queira. Esse envoltório semimaterial o Espírito o retira do fluido universal de cada globo. É por isso que ele não é o mesmo em todos os mundos. Passando de um mundo a outro, o Espírito muda de envoltório como os homens mudam de roupa. Assim, quando os Espíritos que habitam mundos superiores vêm ao nosso meio tomam um perispírito mais grosseiro. É necessário que eles se revistam de nossa matéria, como já foi dito. Quanto a esse envoltório semimaterial do Espírito possuir formas definidas, podendo ser perceptível, ele tem a forma que o Espírito queira; é assim que ele nos aparece algumas vezes, quer em sonho, quer no estado de vigília, podendo tomar forma visível e mesmo palpável. 

5 - Diferentes ordens

Há uma hierarquia entre os Espíritos, que são de diferentes ordens, conforme o grau de perfeição a que chegaram. Desse modo o número de ordens ou de graus de perfeição entre os Espíritos é ilimitado, porque não há entre essas ordens uma linha de demarcação traçada como uma barreira, de forma que se podem multiplicar ou restringir as divisões à vontade. No entanto, considerando-se as características gerais dos Espíritos, pode-se reduzi-las a três ordens principais. Na primeira ordem colocar-se-ão os que atingiram a perfeição: os Espíritos puros. Na segunda ordem encontram-se os que chegaram ao meio da escala: o desejo do bem é sua preocupação. Na terceira, os que ainda se acham na parte inferior da escala: os Espíritos imperfeitos, que se caracterizam pela ignorância, pelo desejo do mal e por todas as paixões más que retardam seu progresso.

Além de terem o desejo do bem, os Espíritos da segunda ordem também têm o poder de praticá-lo, conforme seu grau de perfeição; uns possuem a ciência, outros a sabedoria e a bondade, mas todos ainda têm que sofrer provas. Os Espíritos da terceira ordem não são todos essencialmente maus; uns não fazem o bem nem o mal; outros, ao contrário, se regozijam no mal e ficam satisfeitos quanto encontram ocasião de praticá-lo. Há também os Espíritos levianos ou estouvados, mais astuciosos do que maus, que se comprazem antes na malícia do que na malvadez, encontrando prazer em mistificar e causar pequenas contrariedades, de que se riem.

6 - Escala espírita

A classificação dos Espíritos se baseia no grau de adiantamento deles, nas qualidades que já adquiriram e nas imperfeições de que ainda terão de despojar-se. Esta classificação, porém, nada tem de absoluta. Apenas em seu conjunto cada categoria apresenta caráter definido. (...) Ajuntemos ainda uma consideração que não se deve jamais perder de vista: a de que entre os Espíritos, assim, como sucede entre os homens, há os muito ignorantes, de modo que nunca será demais nos prevenirmos contra a tendência em crer que, por serem Espíritos, todos devem saber tudo. Qualquer classificação exige método, análise e conhecimento aprofundado do assunto.

(...)

7 - Progressão dos Espíritos

Por natureza, os Espíritos não são bons nem maus, mas eles próprios se melhoram e, melhorando-se, passam de uma ordem inferior para superior. Deus criou todos os Espíritos simples e ignorantes, isto é, sem saber. A cada um deu uma missão, com o fim de esclarecê-los e de os fazer chegar progressivamente à perfeição, pelo conhecimento da verdade, para aproximá-los de si. Para eles, a felicidade sem mescla consiste nessa perfeição. Os Espíritos adquirem esses conhecimentos passando pelas provas que Deus lhes impõe. Uns aceitam essas provas com submissão e chegam mais depressa à meta que lhes foi destinada. Outros só as suportam murmurando e assim, por culpa sua, permanecem afastados da perfeição e da prometida felicidade. 

Desse modo, os Espíritos se assemelham, em sua origem, a crianças ignorantes e sem experiência, só adquirindo pouco a pouco os conhecimentos que lhes faltam ao percorrerem as diferentes fases da vida. Essa comparação é justa: a criança rebelde permanece ignorante e imperfeita; seu maior ou menor aproveitamento vai depender de sua docilidade. Mas a vida do homem tem um termo, ao passo  que a dos Espíritos se estende ao infinito. Mas não há Espíritos que permanecerão para sempre nas ordens inferiores; todos se tornarão perfeitos. Eles mudam de ordem, mas isso demora, porque, como já foi dito de outra vez, um pai justo e misericordioso não pode banir eternamente seus filhos. Não pretendamos que Deus, tão grande, tão bom, tão justo, fosse pior do que nós mesmos.

Depende só dos Espíritos apressarem seu progresso rumo à perfeição. E eles a alcançam mais ou menos rapidamente, conforme seu desejo e submissão à vontade de Deus. Uma criança dócil não se instrui mais depressa do que uma crianças rebelde? Os Espíritos não podem degenerar; à medida que avançam, compreendem o que os distanciava da perfeição. Quando o Espírito termina uma prova, fica com o conhecimento que adquiriu e não o esquece mais. Pode permanecer estacionário, mas não retrograda. Deus não pode isentar os Espíritos das provas que devem sofrer para chegar à primeira ordem. Se eles tivessem sido criados perfeitos, não teriam mérito para desfrutar das benesses dessa perfeição. Onde estaria o mérito sem a luta?

Aliás, a desigualdade que existe entre eles é necessária às suas personalidades; e, depois s missões que eles cumprem nos diferentes graus da escala estão nos desígnios da Providência para a harmonia do Universo. Todos os Espíritos passam, não pela fieira do mal, mas pela da ignorância para chegar ao bem. Tendo o livre-arbítrio, alguns Espíritos seguiram o caminho do bem e outros o do mal. Deus não criou Espíritos maus; criou-os simples e ignorantes, ou seja, com igual aptidão para o bem e para o mal. os que são maus, assim se tornaram por sua vontade. O livre-arbítrio se desenvolve à medida que o Espírito adquire a consciência de si mesmo. Já não haveria liberdade se a escolha fosse determinada por uma causa independente da vontade do Espírito. A causa não está nele, mas fora dele, nas influências a que cede em virtude de sua livre-vontade.

Esta é a grande figura da queda do homem e do pecado original: uns cederam à tentação, outros resistiram. As influências que se exercem sobre ele vêm dos Espíritos imperfeitos, que procuram apoderar-se dele, dominá-lo, e que se sentem felizes por o fazerem sucumbir. Foi o que se quis simbolizar com a figura de Satanás. Tal influência segue na vida do Espírito, até que haja conseguido tanto império sobre si mesmo, que os maus Espíritos desistem de obsidiá-lo. Mas não ousemos pedir a Deus contas de seus atos, por permitir que os Espíritos possam seguir o caminho do mal, Não pensemos poder penetrar seus desígnios. No entanto, podemos dizer que a sabedoria de Deus está na liberdade de escolher que Ele deixa a cada um, pois cada um tem o mérito de suas obras.

Uma vez que há Espíritos que, desde o princípio, seguem o caminho do bem absoluto e outros o do mal absoluto, há gradações entre esses dois extremos, constituindo a grande maioria. Os Espíritos que seguiram o caminho do mal poderão chegar ao mesmo grau de superioridade que os outros, mas as eternidades serão mais longas para eles. Os Espíritos que chegaram ao grau supremo de perfeição, depois de terem passado pelo mal, aos olhos de Deus têm tanto mérito quanto os outros. Deus contempla os transviados com o mesmo olhar e os ama a todos com o mesmo coração. Eles são chamados maus porque sucumbiram; antes não eram mais que simples Espíritos. Os Espíritos são criados iguais quanto às faculdades intelectuais, mas não sabendo de onde vêm, é preciso que o livre-arbítrio siga seu curso. Eles progridem mais ou menos rapidamente em inteligência como em moralidade.

8 - Anjos e demônios

Os seres que chamamos de anjos, arcanjos, serafins, não formam uma categoria especial, de natureza diferentes da dos outros Espíritos. Eles são os Espíritos puros: os que se acham no mais alto grau da escala e reúnem todas as perfeições. Os anjos já percorreram todos os graus da escala, mas, como foi dito, uns aceitaram sua missão sem murmurar e chegaram mais depressa; outros gastaram um tempo mais ou menos longo pra chegar à perfeição. Mesmo errônea a opinião dos que admitem a existência de seres criados perfeitos e superiores a todas as outras criaturas, essa crença está presente na tradição de quase todos os povos. A explicação para isso é que nosso mundo não existe de toda a eternidade e que, muito tempo antes que ele existisse, já havia Espíritos que tinham atingido o grau supremo. Os homens então acreditaram que eles foram sempre assim.

Se houvesse demônios no sentido que se dá a essa palavra, eles seriam obra de Deus. Mas Deus seria justo se tivesse criado seres eternamente votados ao mal e infelizes para sempre? Se há demônios, é em nosso mundo inferior e em outros semelhantes que eles residem. São esses homens hipócritas que fazem de um Deus justo um Deus mau e vingativo e que julgam agradá-lo pelas abominações que cometem em seu nome.

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