Estudando O Livro dos Espíritos (11)

Francisco Muniz

As Leis Morais - Lei de Amor, Justiça e Caridade 


1 - Justiça e direitos naturais

O sentimento de justiça está de tal forma na Natureza que nos revoltamos à simples ideia de uma injustiça; Sem dúvida, o progresso moral desenvolve esse sentimento, mas não o dá, de modo que o senso de justiça não é um produto cultural; Deus o pôs no coração do homem. Eis por que encontramos frequentemente, em homens simples e incultos, noções mais exatas da justiça do que entre pessoas de muito saber. Ainda que seja a justiça uma lei da Natureza, há homens que a entendem de modos tão diferentes que uns consideram justo o que para outros parece injusto. Isso porque, em geral, misturam-se as paixões que alteram esse sentimento, como acontece com a maior parte dos outros sentimentos naturais, fazendo que os homens vejam as coisas sob um falso ponto de vista.

A justiça consiste no respeito aos direitos de cada um - eis sua definição! Duas coisas determinam esses direitos: a lei humana e a lei natural. Tendo os homens elaborado leis apropriadas a seus costumes e a seu caráter, eles estabeleceram direitos que variam conforme o progresso das luzes. Vejamos se as leis de hoje, embora imperfeitas, consagram os mesmos direitos que n Idade Média. Entretanto, esses direitos adquiridos, que agora nos parecem monstruosos, pareciam justos e naturais naquela época. Nem sempre, portanto, o direito instituído pelos homens é conforme à justiça. Aliás, ele regula apenas algumas relações sociais, enquanto na vida privada há uma infinidade de atos que competem exclusivamente ao tribunal da consciência.

Com exceção do direito consagrado pela lei humana, a base da justiça segundo a lei natural está nestas palavras do Cristo: Desejem para os outros o que querem para vocês mesmos. Deus imprimiu no coração do homem a regra da verdadeira justiça, fazendo que cada um veja respeitados seus direitos. na incerteza de como proceder em relação ao semelhante, em dada circunstância, o homem deve perguntar a si mesmo como gostaria que os outros procedessem com ele, em idêntica circunstância. Deus não lhe podia ter dado guia mais seguro do que a própria consciência. A necessidade que tem o homem de viver em sociedade acarreta para ele obrigações particulares e a primeira de todas é a de respeitar os direitos de seus semelhantes. Aquele que respeita esses direitos sempre agirá com justiça. 

Em nosso mundo, onde tantos homens não praticam a lei de justiça, cada um usa de represálias, e é essa a causa da perturbação e da confusão da nossa sociedade. A vida social dá direitos e impõe deveres recíprocos. Podendo o homem iludir-se quanto à extensão de seu direito, deve ele conhecer o limite desse direito, que é o limite do direito que, em relação a si mesmo, reconhecer ao seu semelhante, em idênticas circunstâncias e reciprocamente. A atribuição a si mesmo dos direitos do semelhante não prejudicará a subordinação aos superiores nem provocaria a anarquia de todos os poderes, porque os direitos naturais são os mesmos para todos os homens, desde o menor até o maior. Deus não fez uns de limo mais puro do que outros, e todos são iguais perante Ele.

Esses direitos são eternos. Os que o homem estabeleceu perecem com suas instituições. Além disso, cada um sente bem sua força ou sua fraqueza e saberá sempre ter uma certa deferência para com os que mereçam por suas virtudes e sabedoria. É importante destacar isso, para que os que se julgam superiores conheçam seus deveres, a fim de merecer essas deferências. A subordinação não estará comprometida, quando a autoridade for conferida à sabedoria. Se praticasse a justiça em toda sua pureza, o caráter do homem seria o do verdadeiro justo, a exemplo de Jesus, porque praticaria também o amor ao próximo e a caridade, sem os quais não há verdadeira justiça.

2 - Direito de propriedade. Roubo

O primeiro de todos os direitos naturais do homem é o de viver. Por isso ninguém tem o direito de atentar contra a vida de seu semelhante, nem de fazer o que quer que possa comprometer sua existência corporal. O direito de viver confere ao homem o direito de acumular bens que lhe permitam repousar quando não mais puder trabalhar, mas deve fazê-lo em família, como a abelha, por meio de um trabalho honesto, e não acumular como um egoísta. Até mesmo alguns animais lhe dão o exemplo da previdência. Tendo Deus dito: Não roubarás! E Jesus: Dai a César o que é de César, evidencia-se que o homem tem o direito de defender os bens que acumulou por seu trabalho. O desejo de possuir é natural, mas quando o homem só deseja para si e para sua satisfação pessoal, é puro egoísmo.

E ainda que seja legítimo o desejo de possuir, a fim de que se tenha do que viver e não se torne um peso   para ninguém, há homens insaciáveis, que acumulam bens sem utilidade para ninguém, ou apenas para saciar suas paixões. Não julguemos que Deus aprova isso. Aquele que, ao contrário, junta pelo trabalho, tendo em vista socorrer seus semelhantes, pratica a lei de amor e de caridade, e Deus abençoa seu trabalho. Assim, propriedade legítima só é a que foi adquirida sem prejuízo de outrem, Tudo que é legitimamente adquirido constitui uma propriedade, pois. Mas, como já foi dito, a legislação humana é imperfeita e consagra muitos direitos que a justiça natural reprova. É por isso que os homens reformam suas leis, à medida que o progresso se efetua e que melhor compreendem a justiça. O que num século parece perfeito afigura-se bárbaro no século seguinte.

3 - Caridade e amor ao próximo

O verdadeiro sentido da palavra caridade, tal como jesus a entendia, é benevolência para com todos, indulgência pra as imperfeições dos outros, perdão das ofensas. Jesus também disse: Amai até vossos inimigos, embora esse amor pareça contrário às nossas tendências naturais e a inimizade resulte da falta de simpatia entre os Espíritos. Evidentemente, não se pode ter pelos inimigos um amor terno e apaixonado. Não foi isso que Jesus quis dizer. Amar os inimigos é perdoar-lhes e lhes retribuir o mal com o bem. Assim procedendo, tornamo-nos superiores a eles, ao passo que, pela vingança, nós nos colocamos abaixo deles. 

Quanto à esmola, o homem reduzido a pedir esmola se degrada moral e fisicamente. Uma sociedade que se baseia na lei de Deus e na justiça deve prover à vida do fraco, sem que ele seja humilhado. Deve assegurar a existência dos que não podem trabalhar. Sem lhes deixar a vida à mercê do acaso e da boa vontade de alguns. Mas a esmola não é reprovável, e sim a maneira pela qual habitualmente é dada. O homem de bem, que compreende a caridade segundo jesus, cai ao encontro do infeliz, sem esperar que este lhe estenda a mão. A verdadeira caridade é sempre boa e benevolente; está tanto na maneira por que é dada, quanto no ato em si. Um serviço prestado com delicadeza tem duplo valor. Se o for com altivez, a necessidade pode obrigar quem o recebe a aceitá-lo, mas seu coração pouco se comoverá.

Lembremo-nos também de que a ostentação, aos olhos de Deus, tira o mérito do benefício. Disse Jesus: Que vossa mão esquerda ignore o que der vossa mão direita. Com isso, Ele nos ensina a não macular a caridade com o orgulho. É preciso distinguir a esmola propriamente dita da beneficência. Nem sempre o mais necessitado é o que pede. O temor de uma humilhação detém o verdadeiro pobre que, muitas vezes, sofre sem se queixar. É a esse que o homem verdadeiramente humano sabe ir procurar, sem ostentação. Amai-vos uns aos outros: eis toda a lei, lei divina, mediante a qual Deus governa os mundo. O amor é alei de atração para os seres vivos e organizados. A atração é a lei de amor para a matéria inorgânica.

Não esqueçamos jamais que o Espírito, qualquer que seja o grau de seu adiantamento, sua situação como reencarnado, ou na erraticidade, está sempre colocado entre um superior, que o guia e aperfeiçoa, e um inferior, para com o qual tem que cumprir esses mesmos deveres. Sejam, pois, caridosos, não somente dessa caridade que nos faz tirar do bolso o óbolo que damos friamente a quem nos ousa pedi-lo, mas da que nos leve ao encontro das misérias ocultas. Sejamos indulgentes com os defeitos dos semelhantes. Em vez de desprezarmos os ignorantes e os viciados, instruamo-los e os moralizemos. Sejamos brandos e benevolentes para com tudo o que nos seja inferior, mesmo para com os seres mais ínfimos da Criação e teremos obedecido à lei de Deus, conforme ensina São Vicente de Paulo.

Sem dúvida, há homens reduzidos à mendicância por sua própria culpa, mas se uma boa educação moral lhes tivesse ensinado a praticar a lei de Deus, não teriam caído nos excessos que ocasionaram sua perdição. É disso, sobretudo, que depende a melhoria de nosso globo.

4 - Amor materno e filial

O amor materno é tanto uma virtude quanto um sentimento instintivo, comum aos homens e aos animais. A Natureza deu à mãe o amor pelos filhos no interesse da conservação deles. No animal, porém, esse amor é limitado às necessidades materiais; cessa quando os cuidados se tornam inúteis. No homem, persiste pela vida inteira e comporta um devotamento e uma abnegação que são virtudes. Sobrevive mesmo à morte e acompanha o filho além do túmulo. Bem se vê que há nele outra coisa a mais que no animal. Mas ainda que o amor materno esteja na Natureza, há mães que odeiam os filhos, e isto muitas vezes desde o nascimento deles. É, algumas vezes, uma prova escolhida pelo Espírito do filho, ou uma expiação, se ele mesmo foi um mau pai, ou mãe perversa, ou mau filho, em outra existência.

Em todos os casos, a mãe má não pode ser animada por um Espírito mau, que procura criar embaraços ao filho, a fim de que sucumba na prova que buscou. Mas essa violação das leis da natureza não ficará impune e o Espírito do filho será recompensado pelos obstáculos que haja superado. Não são desculpáveis os pais cujos filhos lhes causam desgostos pelo fato de não lhes dispensarem a ternura a que teriam direito, se o contrário acontecesse. Porque é um encargo que lhes é confiado e  missão deles consiste em se esforçarem por encaminhar os filhos para o bem. Ademais, esses desgostos resultam, frequentemente, dos maus hábitos que os pais deixaram que seus filhos tomassem desde o berço. Colhem, então, o que semearam.

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