Estudando O Livro dos Espíritos (10)

Francisco Muniz

As Leis Morais - Lei de Liberdade


1 - Liberdade natural

Não há posições no mundo em que o homem possa vangloriar-se de gozar de absoluta liberdade, porque todos precisamos uns dos outros, tanto os pequenos como os grandes. Somente nas condições de eremita no deserto é que o homem poderia gozar de absoluta liberdade, uma vez que, desde que dois homens estejam juntos, há entre eles direitos a serem respeitados e, portanto, nenhum deles gozará de liberdade absoluta. Entretanto, as obrigações de respeitar os direitos alheios não tira ao homem o direito de ser senhor de si mesmo, pois é um direito que lhe vem da Natureza. Os homens cujas opiniões liberais contrastam com o despotismo que costumam exercer no próprio lar e sobre seus subordinados têm a compreensão da lei natural, mas contrabalançada pelo orgulho e pelo egoísmo.

Quando seus princípios não representam calculadamente uma comédia, compreendem como as coisas devem ser, mas não agem como deveriam. Quanto mais inteligência tem o homem para compreender um princípio, tanto menos desculpável será de não o aplicar a si mesmo. Em verdade, o homem simples, porém sincero, está mais adiantado no caminho de Deus do que outro que pretende parecer o que não é, sendo assim que lhe serão levados em contra, na outra vida, os princípios que professaram neste mundo.

2 - Escravidão

Nenhum homem está naturalmente destinado a ser propriedade de outros homens. Toda sujeição absoluta de um a outro homem é contrária à lei de Deus. A escravidão é um abuso da força e desaparecerá com o progresso, como desaparecerão pouco a pouco todos os abusos. Os que se aproveitam da escravidão, quando est faz parte dos costumes de um povo, merecem condenação, mesmo que apenas se sujeitem a um hábito que lhes parece natural, pois o mal é sempre o mal e nenhum de nossos sofismas fará que uma má ação se torne boa. Mas a responsabilidade do mal é relativa aos meios de que o homem disponha para compreendê-lo. Aquele que tira proveito da lei de escravidão é sempre culpado de violação da lei da Natureza. Porém aí, como em tudo, a culpabilidade é relativa.

Como a escravidão tem feito parte dos costumes e certos povos, foi possível ao homem aproveitar-se dela, ainda que de boa-fé, como de uma coisa que lhe parecia natural. Desde, porém, que sua razão, mais desenvolvida e, sobretudo, esclarecida pelas luzes do Cristianismo, mostrou-lhe que o escravo era um seu igual perante Deus, ele não tem mais nenhuma desculpa. A desigualdade natural de certas aptidões coloca certas raças humanas sob a dependência de raças mais inteligentes, mas para as elevar, e não para embrutecê-las ainda mais pela servidão. 

Durante muito tempo os homens consideraram certas raças humanas como animais de trabalho, munidos de braços e mãos, e se julgaram no direito de vendê-las como bestas de carga. Acreditavam ter o sangue mais puro. Insensatos! Nada veem além da matéria! Não é o sangue que deve ser mais ou menos puro, mas o Espírito. Homens que tratam seus escravos com humanidade, não lhes deixando faltar coisa alguma e acreditando que a liberdade os exporia a maiores privações, compreendem melhor seus interesses. Eles também dispensam muito cuidado aos seus bois e cavalos, para que obtenham bom preço no mercado. Não são tão culpados como os que maltratam os escravos, mas nem por isso deixam de dispor deles como de uma mercadoria, privando-os do direito de serem donos de si mesmos.

3 - Liberdade de pensar

É pelo pensamento que o homem goza de liberdade sem limite, pois o pensamento não conhece obstáculos. Pode-se impedir sua manifestação, mas não aniquilá-lo. Perante Deus, o homem é responsável por seu pensamento. Como, porém, somente Deus é capaz de conhecê-lo Ele o condena ou absolve, segundo sua justiça.

4 - Liberdade de consciência

A consciência é um pensamento íntimo que pertence ao homem, como todos os outros pensamentos, de modo que a liberdade de consciência é a mesma liberdade de pensar. O homem não tem mais direito de pôr obstáculos à liberdade de consciência do que à liberdade de pensar, porque somente a Deus pertence o direito de julgar a consciência. Assim como os homens, mediante suas leis, regulam as relações de homem para homem, Deus, pelas leis da Natureza, regula as relações entre Ele e os homens. O resultado dos obstáculos interpostos à liberdade de consciência é constranger os homens a procederem de modo diverso do que pensam e torná-los hipócritas. A liberdade de consciência é uma das características da verdadeira civilização e do progresso.

Sob tal aspecto, toda crença é respeitável, desde que sincera e quando conduz à prática do bem. Condenáveis são as crenças que conduzem ao mal. Ofender a crença de quem não pensa como nós é faltar com a caridade e atentar contra a liberdade de pensar. É atentar contra a liberdade de consciência interpondo obstáculos a crença capazes de causar perturbações à sociedade, porque pode-se4 reprimir os atos, mas a crença íntima é inacessível. Podemos e até devemos, sem atentar contra a liberdade de consciência, evitar que se propaguem doutrinas perniciosas, procurando trazer ao caminho da verdade aqueles que se transviaram obedecendo a falsos princípios. Mas, a exemplo de Jesus, ensinemos pela persuasão e pela brandura, e não pela força, o que seria pior do que a crença daquele a quem desejaríamos convencer.

Se alguma coisa se pode impor, são o bem e a fraternidade. Não se acredite, porém, que o melhor meio de fazê-los admitidos seja agir com violência, pois a convicção não se impõe. Considerando-se que todas as doutrinas têm a pretensão de ser a única expressão da verdade, podemos reconhecer a que tem o direito de se apresentar assim aquela que fizer mais homens de bem e menos hipócritas, ou seja, homens que pratiquem a lei de amor e caridade na sua maior pureza e na sua mais ampla aplicação. Por esse sinal reconheceremos que é uma doutrina é boa, visto que toda doutrina que tiver por efeito semear a desunião e estabelecer linha de separação entre os filhos de Deus só pode ser falsa e perniciosa.

5 - Livre-arbítrio

O homem tem o livre-arbítrio de seus atos: se tem a liberdade de pensar, tem também a de agir. Sem o livre-arbítrio, o homem seria uma máquina. Ele não goza, porém, do livre-arbítrio desde o nascimento, porque só há liberdade de agir desde que haja liberdade de fazê-lo. Nas primeiras fases da vida, a liberdade é quase nula, desenvolve-se e muda de objeto com o desenvolvimento das faculdades. Estando os pensamentos da criança relacionados com as necessidades que sua idade reclama, ela aplica seu livre-arbítrio às coisas que lhe são necessárias. 

As predisposições instintivas que o homem traz ao nascer são as do Espírito antes de encarnar. Conforme seja mais ou menos adiantado, elas podem impeli-lo à prática de atos repreensíveis, e nisso será secundado pelos Espíritos que simpatizem com essas disposições. Não existe, porém, arrastamento irresistível, desde que se tenha vontade de resistir. Lembremo-nos de que querer é poder. O Espírito certamente é influenciado pela matéria, que pode dificultar suas manifestações. Daí por que, nos mundos onde os corpos são menos materiais do que na Terra, as faculdades se desenvolve com mais liberdade; o instrumento, porém, não confere a faculdade.

Aliás, é preciso que se distingam as faculdades morais da intelectuais. Se um homem tem o instinto do assassino, seguramente é seu próprio Espírito que o possui e lhe transmite, e não seus órgãos. Aquele que aniquila o pensamento pra ocupar-se apenas da matéria torna-se semelhante ao bruto e ainda pior que este, pois não pensa mais em se prevenir contra o mal. É nisto que incorre em falta, visto que assim procede pela própria vontade. Aquele cuja inteligência é perturbada por uma causa qualquer não é mais senhor de seu pensamento e, desde então, já não tem liberdade.

Desse modo é que a aberração das faculdades tira ao homem o livre-arbítrio. Essa aberração constitui muitas vezes uma punição para o Espírito que, em outra existência, tinha sido fútil e orgulhoso ou possa ter utilizado mal suas faculdades. Esse Espírito poderá renascer no corpo de um idiota, como o déspota no corpo de um escravo e o mau rico no de um mendigo. Mas o Espírito sofre por efeito desse constrangimento, do qual tem perfeita consciência; é aí que está a ação da matéria. Já a aberração das faculdades intelectuais pela embriaguez não servirá de desculpa aos atos reprováveis, porque foi voluntariamente que o ébrio se privou de sua razão para satisfazer paixões brutais. Em vez de uma falta, comete duas.

No estado de selvageria, a faculdade predominante no homem é o instinto, o que não o impede de agir com inteira liberdade em certas coisas. Mas, assim como a criança, ele aplica essa liberdade às suas necessidades, e ela se desenvolve com a inteligência. Por conseguinte, o homem civilizado, mais esclarecido que um selvagem, também é mais responsável pelo que faz do que ele. O mundo tem, é certo, sus exigências, de modo que a posição social pode, ´s vezes, constituir para o homem um obstáculo à inteira liberdade de seus atos. Porém, Deus é justo e tudo leva em conta, mas nos deixa a responsabilidade dos pouquíssimos esforços que fazemos para superar os obstáculos.

6 - Fatalidade

A fatalidade só existe pela escolha que o Espírito faz, ao encarnar, de sofrer esta ou aquela prova. Ao escolhê-la, elege para si uma espécie de destino, que é a consequência mesma da posição em que se achará colocado. Isto quanto às provas físicas, porque, no tocante às provas morais e às tentações, o Espírito, conservando o livre-arbítrio quanto ao bem e ao mal, é sempre senhor de ceder ou de resistir. Ao vê-lo fraquejar, um Espírito bondoso pode vir em seu auxílio, embora não possa influir sobre ele de maneira a dominar-lhe a vontade. Um Espírito mau, isto é, inferior, ao lhe mostrar de forma exagerada um perigo físico, poderá abalá-lo e amedrontá-lo, mas nem por isso a vontade do Espírito encarnado ficará menos livre de quaisquer entraves.

Há pessoas que parecem perseguidas por uma fatalidade, independentemente da maneira como procedem, que é como se a desgraça estivesse em seu destino. São, porém, provas que devem sofrer e que elas mesmas escolheram. Ainda uma vez lançamos à conta do destino o que muitas vezes é apenas consequência de nossas próprias falta. Nos males que nos afligem, tratemos de conservar pura a consciência e já nos sentiremos bastante consolados. Algumas pessoas só escapam de um perigo mortal para cair em outro, parecendo que não podiam escapar da morte, fatalmente, mas fatal, no verdadeiro sentido do termo, só o instante da morte.

Chegado esse momento, de uma forma ou de outra, não podemos nos livrar dele. Dessa forma, qualquer que seja o perigo que nos ameace, não morreremos se a hora da morte ainda não chegou e disse temos milhares de exemplos. Quando, porém, chegou nossa hora de partir, nada poderá impedir que partamos. Deus sabe com antecedência qual o gênero de morte que nos levará da Terra e muitas vezes nosso Espírito também o sabe, já que isso lhe foi revelado ao fazer a escolha desta ou daquela existência. Ainda que seja fatal a hora da morte, é útil tomarmos precauções para evitá-la, pois as precauções nos são sugeridas com o fim de evitarmos a morte que nos ameaça. São um dos meios empregados para que ela não ocorra.

O fato de nossa vida ser posta em perigo constitui um aviso que nós mesmos desejamos, a fim de que desviarmos do mal e nos tornarmos melhores. Tal é o objetivo da Providência ao nos fazer correr perigos que não devem ter nenhuma consequência. Se escapamos desse perigo, refletimos mais ou menos seriamente, ainda sob a influência do risco que corremos, em nos melhorarmos, conforme seja mais ou menos forte sobre nós a influência dos bons Espíritos. Vindo em seguida o mau Espírito - subtendendo-se o mal que ainda existe nele - pensamos que escaparemos igualmente de outros perigos e deixamos que as paixões se desencadeiem novamente. Por meio dos perigos que corremos, Deus nos lembra nossa fraqueza e a fragilidade de nossa existência.

Se examinarmos a causa e a natureza do perigo, veremos, na maioria das vezes, que suas consequências teriam sido a punição de uma falta cometida ou de um dever negligenciado. Deus nos adverte dessa forma para que reflitamos e nos corrijamos. Quando ao modo como se irá morrer, o Espírito sabe não o gênero de morte que irá sofrer, mas o gênero de vida que escolheu o expõe a morrer desta maneira do que de outra. Sabe igualmente quais as lutas que terá de sustentar para evitar a morte e que, se Deus o permitir, não sucumbirá. Há homens que afrontam os perigos dos combates, certos de que sua hora ainda não chegou. Essa confiança se deve a que, com muita frequência, o homem tem o pressentimento de seu fim, como pode ter o de que ainda não morrerá.

Esse pressentimento lhe vem de seus Espíritos protetores, que assim o advertem para que esteja pronto a partir, ou lhe fortalecem a coragem nos momentos em que ela se torna mais necessária. Pode vir-lhe também da intuição que tem da existência que escolheu, ou da missão que aceitou e que sabe que terá de cumprir. Aqueles que pressentem a morte geralmente a temem menos do que os outros porque quem teme a morte é o homem, não o Espírito. Aquele que a pressente pensa mais como Espírito do que como homem. Compreende ser ela sua libertação e a espera. Dada a inevitabilidade da morte quando tem que ocorrer, com os acidentes que nos sobrevêm no curso da vida isso não se dá, pois geralmente são fatos muito insignificantes, a fim de que os Espíritos possam nos prevenir deles e fazer que os evitemos algumas vezes, dirigindo nosso pensamento, posto que a eles desagrada o sofrimento material.

Mas isso é pouco relevante para a vida que escolhemos. A fatalidade, verdadeiramente, só existe quanto ao momento em que devemos aparecer e desaparecer deste mundo. No entanto, há fatos que devem acontecer inevitavelmente e que a vontade dos Espíritos não pode afastar, mas que vimos e pressentimos quando, na condição de desencarnados, fizemos nossa escolha. Porém, não se creia que tudo o que acontece esteja escrito, como se costuma dizer. Muitas vezes um acontecimento qualquer é a consequência de um ato que praticamos por livre vontade, de modo que , se não o houvéssemos praticado, o fato não se teria dado. Se queimamos o dedo, isso nada mais é que o resultado de nossa imprudência e efeito da matéria.

Só as grandes dores, os acontecimentos importantes que podem influir sobre o moral, são previstos por Deus, porque são úteis à nossa depuração e à nossa instrução. Mas o homem pode, pela vontade e pelos atos, evitar acontecimentos que deveriam realizar-se, desde que esse aparente desvio possa caber na vida que escolheu. Além disso, para fazer o bem que lhe cumpre - único objetivo da vida - é permitido ao homem impedir o mal, sobretudo aquele que possa contribuir para a produção de um mal maior. Ao escolher uma vida de luta, o homem sabe que terá oportunidade de matar um de seus semelhantes, mas ignora se o fará, visto caber sempre a ele, antes de cometer o crime, a deliberação de praticá-lo. Ora, aquele que delibera sobre uma coisa é sempre livre de fazê-la, ou não. Se soubesse previamente que, como homem, deveria cometer um assassínio, é porque o Espírito estaria predestinado a isso.

Saibamos, portanto, que ninguém é predestinado ao crime, e que cada crime, como qualquer outro ato, resulta sempre da vontade e do livre-arbítrio. Aliás, não sempre confundimos duas coisas muito distintas: os acontecimentos materiais da vida e os atos da vida moral. Se por vezes há fatalidade, é apenas com relação aos acontecimentos materiais, cuja causa está fora de nós e que independem de nossa vontade. Quanto aos atos da vida moral, esses emanam sempre do próprio homem que, por conseguinte, tem sempre a liberdade de escolher. Em relação a tais atos, portanto, nunca há fatalidade. Se quisermos, podemos chamar fatalidade o fato de haver pessoas que nunca obtêm sucesso em coisa alguma, parecendo perseguidas por um mau gênio em todas as suas ações, mas isso decorre do gênero da existência escolhida.

É que tais pessoas quiseram ser provadas por uma vida de decepções, a fim de exercitarem a paciência e a resignação. Não acreditemos, no entanto, que essa fatalidade seja absoluta, Resulta muitas vezes do caminho falso que tomaram, em descordo com suas inteligências e aptidões. Quem pretende atravessar um rio a nado, sem saber nadar, tem grande probabilidade de se afogar. Dá-se a mesma coisas com a maioria dos acontecimentos da vida. Se o homem só se dispusesse à realização de coisas compatíveis com suas faculdades, triunfaria quase sempre. O amor-próprio e a ambição fazem que ele se perca, desviando-o do caminho que lhe é próprio e levando-o a considerar vocação o simples desejo de satisfazer a certas paixões. Fracassa por sua culpa. Mas, em vez de advertir o erro, prefere acusar sua estrela. Aquele que seria bom operário e ganharia honestamente a vida, mas que se fez mau poeta, morre de fome. Haveria lugar para todos, se cada um soubesse colocar-se no lugar que lhe compete. 

São os homens que fazem os costumes sociais, e não Deus. Se eles se submetem a tais costumes, é porque lhes convêm. Essa submissão, portanto, representa um ato de livre-arbítrio, visto que, se quisessem, poderiam livrar-se deles. Por que, então, se queixam? Não são os costumes sociais que os homens devem acusar, e sim seu tolo amor-próprio, que faz com que prefiram morrer de fome a infrigi-los. Ninguém lhes leva em conta esse sacrifício feito à opinião pública, ao passo que Deus lhes levará em conta o sacrifício que fizerem de sus vaidades. Isto não quer dizer que o homem deva afrontar sem necessidade aquela opinião, como fazem certas pessoas em que há mais originalidade do que verdadeira filosofia.

Há tanto desatino em procurar alguém ser apontado a dedo ou exibido como animal curioso, quanto bom senso naquele que desce voluntariamente e sem murmurar, desde que não possa manter-se no alto da escala. Há inda pessoas para as quais a sorte é contrária, enquanto outras parecem favorecidas por ela, visto que tudo lhes sai bem. Isso se deve, quase sempre, a que essas pessoas sabem conduzir-se melhor na vida. Mas, também, pode ser um gênero de prova. O sucesso as embriaga, confiam em seu destino e muitas vezes pagam mais tarde esse sucesso, mediante reveses cruéis, que poderiam ter evitado com prudência. A boa sorte que favorece certas pessoas em circunstâncias que independem completamente da vontade e da inteligência delas, como no jogo, se explica pelo fato de que alguns Espíritos escolheram previamente certas formas de prazer.

A sorte que os favorece é uma tentação, Aquele que ganha como homem, perde como Espírito; é uma prova para seu orgulho e para sua cupidez. Dessa forma, a fatalidade que parece presidir aos destinos materiais de nossa vida também é resultante de nosso livre-arbítrio, pois nós mesmos escolhemos nossa prova. Quanto mais rude ela for e melhor a suportamos, mais nos elevamos. Os que passam a vida na abundância e na felicidade humana são Espíritos de ânimo fraco, que permanecem estacionários. Assim, o número de infortunados é muito maior do que o dos felizes deste mundo, considerando-se que os Espíritos, na maioria, procuram s provas que lhe sejam mais proveitosas. Eles veem muito bem a futilidade das nossas grandezas e prazeres. Aliás, a vida mais venturosa é sempre agitada, sempre atormentada, mesmo na ausência da dor. A expressão: Nascer sob uma boa estrela vem de antiga superstição, segundo a qual as estrelas estariam ligadas ao destino de cada homem. Alegorias que algumas pessoas cometem a tolice de tomar ao pé da letra.

7 - Conhecimento do futuro

Em princípio, o futuro é oculto ao homem e somente em casos excepcionais Deus permite que seja revelado. Se o homem conhecesse o futuro, negligenciaria o presente e não agiria com a mesma liberdade, porque seria dominado pela ideia de que, se uma coisa tem que acontecer, não adianta ocupar-se com ela, ou então tentaria impedir que acontecesse. Deus não quis que assim fosse, a fim de que cada um concorra para a realização das coisas, até daquelas a que muitas vezes e sem desconfiarmos, nós mesmos preparamos os acontecimentos que sobrevirão no curso de nossa vida. Deus permite que o futuro seja revelado algumas vezes, mesmo que convenha ele permanecer oculto, quando esse conhecimento prévio deve facilitar a execução de alguma coisa, ao invés de dificultá-la, obrigando o homem a agir de modo diverso do que faria, caso não tivesse esse conhecimento.

Além disso, muitas vezes também é uma prova. A perspectiva de um acontecimento pode despertar pensamentos mais ou menos bons. Se um homem vem a saber, por exemplo, que receberá uma herança com a qual não contava, pode ser tomado pelo sentimento de cobiça, pela satisfação de aumentar seus gozos terrenos, pela vontade de possuir mais depressa a herança e, talvez, até mesmo pelo desejo de que venha a morrer aquele que lhe deixará a fortuna. Ou, então, essa perspectiva despertará nele bons sentimentos e ideias generosas. Se a previsão nãos e cumprir, ele se defrontará com outra prova: a da maneira pela qual suportará a decepção. Nem por isso, no entanto, deixará de ter o mérito dos pensamentos bons ou maus que a crença na ocorrência daquele fato lhe despertou interiormente.

Visto que Deus sabe de tudo, também deve saber se um homem sucumbirá ou não em determinada prova. Mesmo assim, essa prova é necessária, inda que nada acrescente ao que Deus já sabe a respeito desse homem. Isso equivaleria a perguntar por que Deus não criou o homem perfeito e acabado; por que o homem passa pela infância, antes de chegar à idade adulta. A prova não tem por fim esclarecer a Deus sobre o mérito do homem, pois Deus sabe perfeitamente o que ele vale, mas dar ao homem toda a responsabilidade de sua ação, já que tem a liberdade de fazer ou não fazer. Podendo o homem escolher entre o bem e o mal, a prova tem por efeito instigá-lo à luta contra a tentação do mal, deixando-lhe todo o mérito da resistência. Embora Deus saiba previamente se o homem vencerá ou não, Ele não pode, em sua justiça, nem puni-lo, nem recompensá-lo por um ato ainda não praticado.

8 - Resumo teórico do móvel das ações do homem

A questão do livre-arbítrio pode ser resumida assim: O homem não é fatalmente levado ao mal; os atos que pratica não foram previamente determinados; os crimes que comete não resultam de uma sentença do destino. Ele pode, como prova ou expiação, escolher uma existência em que seja arrastado ao crime, quer pelo meio em que se ache colocado, quer pelas circunstâncias que sobrevenham, mas terá sempre a liberdade de agir ou não agir. Assim, o livre-arbítrio existe na escolha da existência e das provas que o  Espírito elegeu no estado de erraticidade e, na condição de encarnado, na faculdade de ceder ou de resistir aos arrastamentos a que todos estamos voluntariamente submetidos. Cabe à educação combater essas más tendências, e ela o fará de maneira eficiente quando se basear no estudo aprofundado da natureza moral do homem. Pelo conhecimento das leis que regem essa natureza mora, chegar-se-á a modificá-la, como modifica a inteligência pela instrução e o temperamento pela higiene.

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