Galeria da mediunidade - 241

Nelson Varon Cadena

(Artigo publicado no jornal Correio em 12 de maio de 2017.)

MADAME BEATRIZ



Em 1938, uma jovem mulher com figurino exótico aportou na Bahia, procedente do Recife, onde residira sete anos, após ter a sua vida devassada pela polícia pernambucana, que desejava saber a sua origem, se nascida na Sérvia ou na Grécia, movida por denúncias de suposto charlatanismo da acusada, que “lia o futuro, através das cartas do tarô”. Dizia curar o alcoolismo, trazer o amor perdido de volta e explicava que seu dom adivinhatório não era macumba, nem catimbó.

O nome da jovem era Beatriz Janovitch, conhecida como Madame Beatriz, a mais famosa cartomante de todos os tempos, imortalizada por Jorge Amado no seu romance Pastores da Noite. Os baianos já estavam familiarizados com cartomantes desde o início do século XX, mulheres a maioria, no geral estrangeiras, que faziam o circuito Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife e se autodenominavam “madames” para afirmar o seu conhecimento das ciências ocultas, naquele tempo, tão em voga na Europa, em especial em Paris.

Madame Haydée foi uma delas, atendia o público na sua residência do Largo do Carmo,18, na década de 1920. Antes andou por aqui Madame Therése, que se apresentava como recém-chegada do Egito, versada nas ciências ocultas, e afirmava não ser cartomante, nem feiticeira e dizia falar vários idiomas. Montou a sua tenda na Rua Nova de São Bento, 29. Pela mesma época surge Madame Sophia, que residia na rua Carlos Gomes, 31. E ainda um certo professor Dorian Gray, que atendia na Rua Ruy Barbosa, afirmava ser espírita e espalhava para seus clientes que se tornara um faquir na Índia. Foi posto para correr pela polícia: era um argentino já habituado a dar golpes; reapareceu anos depois no Recife com o nome de Professor Paklet Parron. Lá fazia consultas por correspondência mediante 10 mil réis adiantados.

Madame Beatriz apresentou-se em Salvador como quiromante oriental, “famosa maga”, segundo ela, “conhecida em todas as grandes capitais do mundo”, disposta “a rasgar o véu misterioso do futuro”. E aqui ficou boa parte de sua vida, embora tenha residido também no Rio de Janeiro e no Recife, na década de 50, num retorno triunfal para quem tinha deixado a terra dos Guararapes nas circunstâncias aqui relatadas. Tornou-se uma baiana, assim identificada pela imprensa do sul do país, nas costumeiras reportagens de fim de ano com pauta sobre as previsões para o ano seguinte.

Acertava algumas, errava outras. Errou feio na década de 60 ao prever que o prefeito Antonio Carlos Magalhães seria traído por adversários e deposto do cargo, sem concluir o seu mandato. Acertou ao prever a intensificação da Guerra do Vietnã, com a morte de muitos norte-americanos. Madame Beatriz já era uma quiromante famosa quando se envolveu numa polêmica com o escritor Jorge Amado, ao anunciar a sua intenção de processá-lo por injúria. Identificou-se com a personagem do romance Pastores da Noite, a única faquir fêmea do mundo que queria ser enterrada viva e acabou se casando com o camelô Curió.

Madame Beatriz envolveu o desembargador Silmas Saraiva e contratou o advogado Newton Teixeira. Declarou que o livro dele a fez “derramar lágrimas” e concluiu: “Esse Jorge Amado é um absurdo”. O escritor levou na esportiva, já tinha vivido algumas situações semelhantes no passado, em Jubiabá: um pai de santo que se identificou com um dos personagens recorrera à Justiça.

Na polêmica com Madame Beatriz, o diretor dos Diários e Emissoras Associadas na Bahia, Odorico Tavares, saiu em defesa do escritor, ironizando a intenção da cartomante em crônica publicada no Jornal da Bahia, onde previa o futuro do caso: “O Amado está na cadeia, pois para lá o conduzirão os poderes judiciários da avantajada vidente. E lá ficará escrevendo um novo romance sobre a vida dos carcereiros... enquanto nós aqui fora estaremos junto à madame para que sua vidência nos diga por quanto tempo estaremos livres das impertinências de Jorge”.

(Trilha sonora: "Ain't no sunshine", Bill Withers)

Comentários