Galeria da mediunidade - 222

ESTÊVÃO


Em Atos dos Apóstolos, a primeira referência que é feita a Estêvão se encontra no cap. 6, v. 5 e seguintes, ao relatar a escolha dos diáconos (aqueles que servem) para a Igreja de Jerusalém (Casa do Caminho), figurando o seu nome em primeiro lugar, na lista dos sete escolhidos. Emmanuel, no entanto, ao enfocar a saga de Paulo de Tarso, inicia a sua maravilhosa narrativa com a história da família de Jochedeb ben Jared, no ano 34, que se constituía do pai, Jochedeb, a filha Abigail, de dezoito anos, e Jeziel, no vigor dos seus vinte e cinco anos de idade.

Naquele ano, o representante de César em Corinto, Licínio Minúcio, lhes tomou a propriedade e destroçou a família. O pai morreu açoitado diante dos dois filhos. Abigail foi socorrida pelas generosas mãos do casal Zacarias ben Anan e sua esposa, que havia acabado de sofrer a morte do filho, e foi viver, em uma granja, na estrada de Jope. Jeziel, após sofrer bárbara tortura por espancamento, foi recolhido à prisão e encaminhado, transcorridos mais ou menos trinta dias, para o serviço das galeras romanas. Sua formação moral resistiu heroicamente à dureza das novas condições. Não se deixou vencer pelo desespero nem pelo ódio, impondo voluntariamente sua autoridade moral, não apenas aos companheiros de infortúnio, mas até mesmo ao feitor.

O ilustre romano Sérgio Paulo, que se encontrava a bordo, em missão política, adoeceu gravemente. Abriu-se seu corpo em chagas, de tal forma que nem seus amigos desejaram tratá-lo. A incumbência foi dada ao jovem escravo Jeziel. À conta de suas preces e cuidados, a autoridade romana se restabeleceu, enquanto o escravo manifestou a mesma enfermidade. Grato pelo cuidado de Jeziel, Sérgio Paulo conseguiu opor-se ao comandante do barco que desejava jogá-lo ao mar, para evitar a contaminação, e o deixou em terra, na costa da Palestina, munido de uma bolsa de dinheiro. Depois de ter dado a bolsa a um homem que o encontrou, o jovem israelita mereceu dele a misericórdia de ser conduzido à casa de um tal Efraim, que o levou à Casa do Caminho, em Jerusalém.

Recebido pelo generoso coração de Pedro, foi tratado e curou-se. Logo mais, abraçaria a nova fé e, por sugestão do próprio Pedro, adotaria o nome grego, tanto para resguardar-se de ser identificado, criando dificuldades ao romano que lhe concedera a oportunidade de uma nova vida, quanto para demarcar a nova fase de sua vida em Cristo: Estêvão. Rapidamente, Estêvão se integrou na vida da comunidade cristã, passando a servir à causa com todas as suas forças. Breve, tornou-se uma das figuras de destaque na Casa do Caminho, pelas suas faculdades curadoras e inspirada pregação. Seu primeiro encontro com o futuro Apóstolo dos Gentios se deu na própria Casa do Caminho, quando Saulo ali esteve, levado por Sadoc que o desejava liderando uma campanha contra aqueles homens, cujo prestígio crescia em Jerusalém.

Saulo ameaçou Estêvão com a autoridade do Sinédrio, mas o pregador não se atemorizou. Para ele, não havia autoridade maior que a de Deus. Convidado ao debate, no Sinédrio, escusou-se, dizendo que esse era contrário aos ensinos de Jesus. Denunciado formalmente, então, por amigo de Saulo, compareceu perante o tribunal, sozinho. O interrogatório foi presidido pelo próprio Saulo que, vencido pela serenidade e paz que descobriu em Estevão e sua convicção inabalável em Jesus, permitiu-se dominar pela cólera e o esbofeteou, repetidas vezes. A sentença final foi a morte por apedrejamento, após quase dois meses, período em que Estêvão foi mantido em regime carcerário.

No dia marcado para o apedrejamento, foi conduzido às proximidades do altar dos holocaustos, no Templo. Apresentava equimoses nas mãos e nos pés. O passo tardio demonstrava cansaço. A barba estava crescida e maltratada. Após a leitura das acusações, antes de pronunciar a sentença, Saulo perguntou-lhe se estaria disposto a abjurar, conservando a vida. A resposta desassombrada do moço de Corinto foi de que nada no mundo o faria renunciar à tutela de Jesus. Morrer por Ele significava uma glória. O tumulto foi geral. Fariseus exaltados o arrastaram, puxaram-no pela gola, e não fosse a intervenção enérgica de força armada, ele seria estraçalhado pela multidão furiosa.

Com o auxílio de um legionário romano, recompôs as vestes sujas e rotas, acima dos rins, para não ficar inteiramente nu. Algemado a um tronco, com os pulsos sangrando, pela grosseria dos soldados, sob o sol abrasador das primeiras horas da tarde, começou o apedrejamento. Os executores da sentença eram os representantes das sinagogas das cidades que convergiam ao Templo. Despiram seus mantos brilhantes e enfeitados, entregando-os a Saulo. Eles se esmeraram em poupar a cabeça do condenado, a fim de que o espetáculo durasse mais tempo. Estêvão pensa em Jesus e ora. O peito se cobre de ferimentos e o sangue flui, abundante. Ele recita o Salmo XXIII de Davi: "O Senhor é meu pastor. Nada me faltará..."

Sentindo a presença de seus amigos espirituais, exclama o que os Atos, no cap. 7, vers. 56, registraram: "Eis que vejo os céus abertos e o Cristo ressuscitado na grandeza de Deus!" Recorda da irmã, Abigail. Por onde andaria? Que teria sido feito dela? Nunca mais a encontrara. Abigail, noiva de Saulo, e por ele convidada para assistir à execução, chegava naquele instante. Demorara-se em vir porque não desejava presenciar o espetáculo vil. Instara mesmo junto a Saulo se não poderia ser outra a sentença ao jovem pregador, a respeito do qual o noivo lhe falara. Surpresa, reconhece o irmão e ele, ante a visão do Cristo que olhava melancolicamente para Saulo, a reconhece igualmente. Já não tem certeza se ela em Espírito ali se apresenta ou se é produto de alguma alucinação, pelas dores que o acometem.

A pedido de Saulo, que não entende como se tornara o verdugo do irmão de sua noiva, ele é retirado do poste e conduzido ao gabinete dos sacerdotes. Tanto quanto pôde, Jeziel resumiu para Abigail sua história e lançou em sua alma as primeiras sementes da Boa Nova. A irmã lhe apresenta o noivo, Saulo, a quem o moribundo contempla sem ódio e acentua: "Cristo os abençoe... Não tenho no teu noivo um inimigo, tenho um irmão... Saulo deve ser bom e generoso. Defendeu Moisés até o fim... Quando conhecer a Jesus, servi-lo-á com o mesmo fervor... Sê para ele a companheira amorosa e fiel."

A cena é comovedora. Abigail deixara o irmão preso ao poste de martírio em Corinto e torna a encontrá-lo, em idêntica condição, em Jerusalém. Ora, a pedido dele, conforme o fizera, um dia, na sala de torturas. Ele desencarna em seu regaço. Mais tarde, quando o Apóstolo dos Gentios rogou socorro a Jesus, pois sentia que a tarefa estava se tornando maior do que a pudessem suportar as suas forças, a doce voz do Mestre lhe diria: "...o valor da tarefa não está na presença pessoal do missionário, mas no conteúdo espiritual do seu verbo, da sua exemplificação e da sua vida."

Paulo não poderia estar presente em todas as novas comunidades, mas poderia escrever. Para tanto, Estêvão ficaria agora mais junto dele, transmitindo os pensamentos de Jesus. Seria o intermediário entre o Cristo e o Apóstolo. Seria ainda Estêvão que, ao lado de Jesus e de Abigail (desencarnada pouco depois do irmão, acometida de febre) viria receber Paulo, liberto dos laços da carne, consumada a sua decapitação. Estêvão abraça o antigo perseguidor, agora Servidor de Jesus, com efusão. E assim unidos, ditosos, os fiéis trabalhadores do Evangelho da redenção seguiram as pegadas do Cristo, em demanda às esferas da Verdade e da Luz.

(Fonte: feparana.com.br)

(Trilho sonora: "Pedra de rio", Ney Matogrosso & Aquarela Carioca)

Comentários

  1. É sempre bom revisitar o exemplo de Estevão. De todos os livros que já li, "PAULO E ESTEVÃO" representa, pra mim, uma obra prima!
    Abraços Chico!

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    1. Essa obra de Emmanuel, por nosso querido e saudoso Chico Xavier, é, de fato, um "livro líquido", cuja leitura nos arranca muitas lágrimas e nos convida a despendermos litros de suor pelo esforço da autotransformação moral. Grande abraço, caro(a) visitante!

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