Galeria da mediunidade - 72

Francisco Muniz - 


JOÃOZINHO DA GOMEIA

Polêmico, ousado, controvertido, insolente, atrevido, desaforado. Esses adjetivos eram comuns para expressar o forte gênio de Joãozinho da Gomeia, lembrado por suas atitudes pouco ortodoxas em relação aos tradicionais terreiros da Bahia. O babalorixá mais famoso do Brasil chegou a ser considerado o “rei do candomblé” e, segundo contam, teria inspirado Chico Anysio na criação do personagem “Painho”. No carnaval de 1956 protagonizou um episódio que chocou o povo do Candomblé ao ser manchete de jornais e revistas fantasiado de vedete. Em entrevista a um repórter da revista O Cruzeiro, a mais importante da época, ao ser questionado se sua fantasia infringia as regras do candomblé, deu a seguinte resposta: “De maneira nenhuma, meu amigo. Primeiro, porque antes de brincar eu pedi licença ao meu guia. Segundo, porque o fato de eu ter me fantasiado de mulher não implica desrespeito ao meu culto, que é uma Suíça de democracia. Os orixás sabem que a gente é feito de carne e osso e toleram, superiormente, as inerências da nossa condição humana, desde que não abusemos do livre arbítrio.” 
Nascido em Inhambupe, na Bahia, em 1914, Joãozinho da Gomeia, na verdade, João Alves de Torres Filho, mudou-se ainda criança para Salvador. Sofria de fortes dores de cabeça, por isso sua madrinha o levou até o pai de santo Severiano Manoel de Abreu, também conhecido com Jubiabá, que o iniciou no candomblé com 16 anos de idade. A princípio estabeleceu seu terreiro num espaço herdado de sua madrinha, mas foi na Rua da Gomeia, no bairro de São Caetano, que despontou para se tornar um dos maiores nomes das religiões afro-brasileiras.  Seu ritual misturava tradições de Angola, Ketu e dos Candomblés de Caboclo. Joãozinho da Gomeia levou a dança dos Orixás para os palcos dos teatros de Salvador. Foi perseguido pelo povo de santo e por intelectuais da época.
Atendeu políticos e artistas e tornou-se muito famoso. Contudo, a estrela de Joãozinho da Gomeia já brilhava em Salvador, e o caminho difícil, periférico, que levava ao terreiro era percorrido por muita gente branca e rica em busca dos préstimos do jovem e promissor pai de santo e de seu festejado guia, o Caboclo da Pedra Preta. Já na década de 1960, sua fama estava consolidada e o terreiro era conhecido não só na Baixada, mas no Rio de Janeiro inteiro e em todo o Brasil. Contam que suas visitas ao Palácio do Catete eram constantes. Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek nunca fizeram questão de esconder sua relação com Joãozinho, assim como tantos artistas e intelectuais da época.
Joãozinho da Gomeia morreu prematuramente, em São Paulo, aos 56 anos, em março de 1971, vítima de um tumor ou coágulo no cérebro e de complicações cardíacas. Seu enterro é lembrado até hoje e tomou ares de lenda na Baixada Fluminense. Contam que, ao baixar seu corpo à sepultura, os raios de Iansã cortaram o céu e uma tempestade torrencial e repentina fez o dia virar noite.

(Fonte: CartaCapital)

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