Francisco Muniz -
Segundo Allan Kardec, toda ideia nova provoca algum incômodo
e suscita uma reação contrária naqueles acostumados com o comportamento
tradicionalista (*). Esse é o espírito do assunto que comentaremos hoje, dia 6
de maio, no prosseguimento de nosso estudo de algumas passagens do Novo
Testamento. Para tanto, vamos abordar o versículo 5 do sétimo capítulo do
Evangelho de Marcos, que é posto sob a epígrafe “Discussão sobre as tradições
farisaicas”. Eis o texto, retirado da Bíblia de Jerusalém:
“(...) os fariseus e os escribas o interrogaram: ‘Por que
não se comportam os teus discípulos segundo a tradição dos antigos, mas comem o
pão com mãos impuras?’”
Primeiramente, vejamos o que se esconde nas reticências
entre parênteses, retomando a narrativa de Marcos desde o primeiro versículo
desse capítulo: “Ora, os fariseus e alguns escribas vindos de Jerusalém [Jesus
e seus discípulos encontravam-se na Galileia nessa ocasião] se reúnem em volta
dele. Vendo que alguns dos seus discípulos comiam os pães com mãos impuras,
isto é, sem lavá-las – os fariseus, com efeito, e todos os judeus, conforme a
tradição dos antigos, não comem sem lavar o braço até o cotovelo, e, ao
voltarem da praça pública, não comem sem antes se aspergir, e muitos outros
costumes que observam por tradição: lavagem de copos, de jarros, de vasos de
metal (...)”
Concordamos em que tais hábitos respondem pela higiene
corporal, indispensável à saúde física; no entanto, Jesus ensinava não para as
personalidades transitórias de seu tempo, mas para os Espíritos imortais que o
rodeavam, necessitados muito mais de esclarecimentos morais do que de incentivo
às velhas práticas. Por essa razão ele iniciava suas pregações conclamando o
povo para que se abrisse às novas recomendações, dizendo: “Ouvistes o que foi dito
aos antigos, eu, porém, vos digo...” – e dava a lição nova, voltada para o
cumprimento das leis de Deus e não para a manutenção dos impositivos civis da
lei mosaica, eminentemente transitória. No entanto, muitas daquelas pessoas
ainda não estavam suficientemente dispostas à mudança de atitude, mantendo-se
até hoje aferradas às ordenações do Velho Testamento.
Assim como a Jesus, a recepção ao Espiritismo também se fez
em meio à resistência, à descrença, igualmente sofrendo o combate daqueles
obstinados nos ensinamentos antigos, apegados muito mais à letra do que ao
espírito do ensinamento. Não foi à toa que Paulo de Tarso, o Apóstolo dos
Gentios, alertou-nos quanto à boa interpretação das lições do Evangelho,
salientando que “a letra mata, mas o espírito vivifica” (2Coríntios 3). É preciso,
pois, que tenhamos a coragem de voltar as costas para as tradições que impedem
o livre exercício do pensamento e a aceitação das ideias novas, porquanto só as
leis de Deus são imutáveis. A esse respeito, o escritor espírita Hermínio
Miranda afirma que, para aprendermos o Espiritismo, é necessário desaprendermos
tudo que sabemos (**).
Tomo a liberdade de, agora, recordar estas palavras do
escritor espírita baiano Evilásio Menezes, já desencarnado, retiradas de seu
livro Pedagogia da Consciência (***), que originalmente seria intitulado
“Crítica da Tradição à luz do Espiritismo”: "O Cristo não deve ser,
apenas, representado em atos de liturgia religiosa, mas reverenciado
intimamente em cada momento de nossa vida, na sociedade e na família, no sentir
diferente do comum das criaturas dispersas, sem, porém, lamentá-las como
infelizes, porque chegará o dia em que cada um realizará essa essencial
transformação, ou seja: descobrir os aspectos pessoais e impessoais de Deus
dentro de si. Deus como inteligência espontânea em seu eu superior (não sou eu
que faço, mas o Cristo que age em mim), Deus nas leis imutáveis que determinam
o crescimento e a ascensão perante a Consciência Cósmica."
Notas
(*) Ver, a respeito, a Introdução de O Livro dos
Espíritos, especialmente sua sétima parte.
(**) Esse pensamento encontra-se no livro Nossos Filhos são
Espíritos, ed. Lachâtre, São Paulo.
(***) Publicação da Ed. EME, Capivari – SP.
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