Francisco Muniz -
“Ali se achava a fonte de Jacó. Fatigado da caminhada,
Jesus sentou-se junto à fonte. Era por volta da hora sexta.”
O docetismo é uma doutrina cristã do século II, considerada
herética pela Igreja primitiva. Antecedente do gnosticismo, argumenta que o
corpo de Jesus, o Messias, era uma ilusão, e que sua crucificação teria sido
apenas aparente. Ao tempo de Kardec havia quem ainda defendesse
tal argumento, como Jean-Batiste Roustaing (*), organizador de Os Quatro
Evangelhos, obra em quatro volumes (por isso o título) psicografada por uma
médium belga na qual o autor espiritual afirma que Jesus se manifestou no mundo
de 2024 anos atrás com um corpo fluídico.
Homem de bom senso e dono de um caráter marcado pela
prudência, tanto quanto pela coerência na defesa dos princípios doutrinários do
Espiritismo, Kardec apenas noticiou, na Revista Espírita de 1866, o lançamento da
obra de Roustaing, sem fazer qualquer crítica. Ora, ele não poderia ter agido
de outro modo, porquanto em O Livro dos Médiuns o Codificador cede
espaço ao Espírito Erasto, que fora discípulo de Paulo de Tarso, afirmando,
conforme alerta de João Evangelista, que nem tudo que nos chegue dos Espíritos
deve ser publicado. Diz Erasto, portanto, ser preferível recusar nove verdades
a aceitar uma só mentira.
O fato é que o Nazareno, que veio ao mundo para, como
afirmou, cumprir a Lei, a vontade do Pai, disseminando entre os homens a
verdade do Reino de Deus, não poderia negar a si mesmo dizendo uma coisa e
manifestando outra diametralmente oposta. Assim é que, para ser o guia e o
modelo que a Humanidade necessita para conduzir-se no caminho do
aperfeiçoamento moral, garantindo nosso crescimento espiritual, ele deveria
mostrar-se como um de nós e experimentar todo tipo de padecimentos a que
estamos expostos no mundo.
Parece-nos que a informação de João, que ora nos prende a
atenção, joga por terra a tese docetista, porque um corpo não constituído de
matéria densa, ou seja, um corpo muito mais espiritual, etéreo mesmo, mais do
que físico, não acusaria cansaço ou fadiga. Para tanto, Jesus teria que ser um agênere
(**). Concluímos, então, que a presença de Jesus junto ao poço de Jacó
representa tanto nosso fastio das coisas mundanas quanto nossa sede de
conhecimento, a qual só saciaremos se sorvermos a “água viva” de seus
ensinamentos, como ele fez saber à mulher samaritana nesse mesmo local, nessa
mesmíssima ocasião, conforme o relato do evangelista.
Notas
(*) Jean-Baptiste Roustaing foi advogado, jurisconsulto,
bastonário da Ordem dos Advogados de Bordeaux e autor de diversos trabalhos
jurídicos. Espírita francês, foi o coordenador da obra Les Quatre Évangiles –
Spiritisme Chrétien ou Révélation de la Révélation, obra psicografada pela
médium belga Émilie Collignon (Wikipédia).
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