Francisco Muniz -
Do versículo 16 do quarto capítulo da Segunda Epístola de Paulo aos Coríntios vem o tema de nossos comentários neste dia 16 de abril, dando prosseguimento ao estudo de algumas passagens do Novo Testamento. A epígrafe que encima o assunto que abordaremos, sob a luz meridiana da Doutrina Espírita, é esta: “Tribulações e esperanças do ministério”. Eis o texto, copiado, como tem sido amiúde, da Bíblia de Jerusalém:
“Por isto não nos deixamos abater. Pelo contrário, embora
em nós o homem exterior vá caminhando para a sua ruína, o homem interior se
renova dia a dia.”
O que não deixa os cristãos se abaterem, como sugere o
Apóstolo dos Gentios, é a plena confiança em que Deus os ressuscitará em Jesus,
embora sejamos “sempre entregues à morte” conforme Paulo explica nos versículos
anteriores, o que é um favor para todos nós, diz ele, “para que a graça,
multiplicando-se entre muitos, faça transbordar a ação de graças para a glória
de Deus”. E a renovação permanente, cotidiana, do “homem interior”, desse modo,
é a grande razão para que manifestemos constantemente nossa gratidão ao
Criador. Que importa, assim, que o “homem exterior” caminhe inexoravelmente
para sua ruína, que vem a ser a morte do corpo físico, reconhecidamente perecível,
se é dessa gaiola que a alma, liberta, alçará seu voo na direção do Pai
Altíssimo?
O homem, contudo, ignorante de sua condição espiritual,
desconhece a si mesmo e luta com todo afinco para prolongar-se indefinidamente
no plano material, com isso afrontando, sem saber, as leis divinas, que são as
mesmas leis da natureza. Por elas, fica patente o determinismo biológico: ao
homem compete nascer, desenvolver-se, reproduzir-se, envelhecer e morrer. Mas o
homem não é somente a carcaça material, não é um corpo que pensa, mas um
Espírito que vitaliza esse corpo, de modo que a vida é justamente essa união
entre a alma e o veículo físico, através do qual ela se manifesta na realidade
fenomênica, conforme nos asseguram as lições recebidas dos Espíritos autores da
Codificação, confirmando no Espiritismo o ensinamento do Cristo.
A compreensão do que seja o homem – mais propriamente, o “homem
interior” da expressão paulina – transcende, portanto, sua manifestação
meramente física de “homem exterior”, como percebeu o filósofo Huberto Rohden.
Em seu livro O Homem (*), ele diz, por exemplo, que “o homem é uma
descontinuidade na continuidade da vida. É ele a única creatura capaz de
creatividade. Somente ele possui faculdades e dons que no tornam único entre as
outras creaturas. Diferentemente dos animais, não é um simples fato na paisagem
em que vive, mas um fator consciente que transforma e inventa. É uma creatura creadora
(**).”
Mas, sim, nossa evolução, isto é, o progresso que se
estabelece por lei no mundo e na Humanidade, implica necessariamente passarmos
pela experiência da morte física, mas de maneira consciente para que ela seja
realmente libertadora, proporcionando-nos a aludida ressurreição. Isto quer
dizer, apenas, que devemos aprender a “morrer”, sendo esta a principal tarefa
que desempenhamos durante a encarnação – daí dizermos ser o Espiritismo um curso
de educação para a morte. Principalmente nessas lições é que o Cristo se
oferece como nosso Mestre, conduzindo-nos pelos caminhos verdadeiros que levam
à Vida, à unificação com o pensamento e a dimensão divinos.
Notas
(*) Ed. Alvorada, SP.
(**) Tais expressões são derivadas do verbo “crear”, com o
qual Rohden distingue o poder de realização de Deus em relação ao do homem, no
caso, o homem comum, material, que apenas cria e sua criação é mera cópia do que
é creado por Deus. O Espírito imortal, contudo, segundo o pensamento do
filósofo, tem a mesma potência do Creador.
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