Francisco Muniz //
“A fraude de Ananias e de Safira” é a epígrafe de abertura
do capítulo 5 de Atos dos Apóstolos, no qual Lucas apresenta a admoestação de Simão
Pedro a um dos integrantes do corpo de colaboradores da Casa do Caminho. A
lição é rica de significados para nós ainda hoje, quando nos esclarecemos pelo
Espiritismo, de modo que nesta data, 5 de março, comentaremos o versículo 3,
correspondente a este mês. Eis, portanto, o texto, recolhido da Bíblia de Jerusalém:
“Disse-lhe então Pedro: ‘Ananias, por que encheu Satanás
o teu coração para mentires ao Espírito Santo, retendo parte do preço do
terreno?”
Satanás, não nos esqueçamos, é apenas o nome simbólico do
mal, de tudo que é contrário a Deus e às manifestações da Divindade que, por
sua vez, é simbolizada pela expressão Espírito Santo. O mal não é, portanto,
criação divina, uma vez que Deus nada criaria que rivalizasse ou impedisse sua
ação benéfica, de modo que o vemos unicamente nas disposições do homem para agir
apenas de acordo com seu livre arbítrio – sua vontade própria –, desprezando
as determinações de sua consciência, onde se encontram as leis divinas que o esclarecem
quanto ao bem que precisa fazer e o mal que deve evitar. Ao entregar-se às
manifestações do próprio desejo, o homem atrai para si as influências
espirituais compatíveis com tal estado e é então que o mal se instala em seu
coração, em sua mente, conspurcando sua alma.
O ato de Pedro, admoestando Ananias por desacatar preceitos
ou regulamentos da Casa do Caminho, instituída, como toda organização humana
voltada para a prática do bem, por determinação do Alto, representa a voz da
consciência do colaborador faltoso que, temendo as consequências de seu gesto,
resguarda-se na mentira, como se fosse possível enganar os Espíritos. Desse
modo, o mal que nasceu do desejo, cresceu com a influência externa e tenciona
manter-se através de expedientes escusos, tomando quase completamente a criatura
que, defrontada pela luz da consciência, ou corrige-se, aceitando os convites
incessantes do Bem, ou mergulha ainda mais em sua sombra, tornando-se presa
fácil dos inimigos do Cristo, a instância espiritual que nela vibra, só
esperando a ação positiva para manifestar-se.
Em seu livro O problema do ser, do destino e da dor,
o escritor espírita Léon Denis (*), ao tentar explicar a gênese do mal aborda o
mecanismo da reencarnação, indicando com isso ser preciso remontar a muitas
existências transatas para se conhecer em que momento nos deixamos levar pela insinuação
da serpente do Paraíso. Essa imagem, constante da lenda bíblica relacionada ao
primeiro casal do mundo – Adão e Eva – dá-nos uma pista não de quando, mas de
como o mal se instalou em nós, a partir do desejo de se comer do fruto da
árvore do conhecimento. Bem vê-se que aí se trata do conhecimento exterior,
relativo à matéria, sendo que a busca da verdade que liberta, conforme sugestão
de Jesus, prende-se ao conhecimento de si mesmo, de natureza íntima, ou
interna.
Assim procedendo, não precisamos fazer a perquirição quanto ao passado, por entendermos que as consequências do que fizemos ontem indicam hoje a causalidade do mal nos recessos de nosso ser, de forma que devemos nos concentrar no desenvolvimento das virtudes que trazemos em germe, de modo a sufocar, o mais possível, as matrizes do mal, transformando-as conscientemente em sementes do bem. Dessa forma estaremos cumprindo a doce recomendação do Mestre ao moço rico da lição evangélica: “Vá, venda tudo o que possui, depois dê aos pobres e terá um tesouro no céu; e então venha e siga-me!" (Marcos 10-17-30)
(*) Autor francês considerado o substituto de Allan Kardec caso este se recusasse à tarefa de codificar o Espiritismo. Escreveu também Depois da morte e O grande enigma, ambos publicados no Brasil pela Federação Espírita Brasileira (FEB).
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