Esta data no Evangelho (24 de março)

Francisco Muniz -




“Se um reino se dividir contra si mesmo, tal reino não poderá subsistir.”

Estas palavras de Jesus são correspondentes ao versículo 24 do terceiro capítulo do Evangelho de Marcos, colocadas, na Bíblia de Jerusalém, sob a epígrafe “Calúnias dos escribas”, oferecendo-se aos comentários deste dia 24 de março, no prosseguimento de nosso estudo de temas do Novo Testamento.  

Naturalmente, Jesus se referia às disputas recorrentes entre escribas e fariseus na interpretação da Lei, base da cultura judaica, e também à dificuldade que eles apresentavam frente ao enigmático Messias. Pois negavam ao Nazareno a condição divina, não o aceitavam como o Enviado predito nas Escrituras, especialmente as profecias de Isaías, acusando-o de feiticeiro a serviço de Beelzebu (*) por realizar fenômenos que fugiam à compreensão de todos. Então havia, sim, uma divisão e o Cristo procurava fazê-los entender, inutilmente porém, que Beelzebu não podia atuar segundo as normas divinas, o que seria uma contradição; contudo, escribas e fariseus estavam de acordo em que os demônios podiam realizar boas obras com o fito de enganar os homens, argumento esse que perdura até hoje em certos círculos religiosos.

Transferindo essa situação, agora simbólica, para nossa esfera pessoal, veremos que muitas de nossas manifestações de Espíritos encarnados revestem-se de flagrantes contradições, como no poema de Cecília Meirelles “Ou isto ou aquilo”. Sim, por sua natureza dicotômica, ora expressando-se conforme os ditames rasteiros da matéria ora apresentando as elevadas efusões da alma, o homem viverá esse conflito interno até unificar-se integralmente em Deus. O Cristo é o caminho para alcançarmos esse desiderato, coroando a busca milenar pelo divino em cada um de nós, segundo se depreende de um “logion” do Evangelho de Tomé: “Aquele que busca continue procurando até quando encontrar; encontrando, ficará perturbado; perturbado, ficará maravilhado; e, maravilhado, reinará sobre o todo”.

Na atualidade, vemos na Doutrina Espírita, que revive no mundo a pureza do Cristianismo primitivo, sendo a concretização de antiga promessa de Jesus (**), a possibilidade de encontrar os meios mais seguros de realizar em nós mesmos aquela unificação proposta pelo Filho do Homem quando proclamou ser “um com o Pai”. É pela via do autoconhecimento, principal ferramenta do importante quanto inadiável trabalho de mudança interior a que somos convocados, que alcançaremos esse objetivo, ao qual o Mestre denominou de Perfeição. Consiste, esse processo, no reconhecimento de nossos muitos defeitos morais – próprios dos Espíritos ainda na fase inferior do aprendizado evolutivo – e no esforço de transformarmos cada um deles em qualidades apreciáveis. Somente assim deixaremos de acender uma vela para Deus e outra para o diabo, como bem simplificou a sabedoria popular.

Em suma, precisamos conhecer tanto nossa condição mais essencial quanto nossa posição no mundo, fazendo contato com as diversas etapas do aprendizado espiritual, o que implica compreender o tempo antes do nascimento na carne, o momento presente e, principalmente, a vida futura. A alma não surge do nada, não está aqui por um capricho de Deus nem está destinada ao sofrimento eterno representado pelas ameaças de um céu beatífico e um inferno de horrores. Sendo imortal e sujeita à grande Lei de Evolução – tudo parte de um ponto ínfimo para alcançar outros gradativamente maiores –, o Espírito é o principal agente e, ao mesmo tempo, beneficiário das obras da Criação divina, que deve aperfeiçoar a partir de si mesmo, porquanto Deus não admite um esboço imperfeito, de acordo com Allan Kardec, o insigne codificador do Espiritismo.

Notas

(*) Na cultura judaica, o “príncipe dos demônios”.

(**) Ver João 14:18-23.


Comentários