Francisco Muniz -
Nesta data de 20 de março nosso estudo de algumas passagens
do Novo Testamento traz à baila o terceiro versículo do capítulo 20 dos Atos
dos Apóstolos, para os comentários que faremos sob a inspiração da Doutrina
Espírita. O texto, lido na Bíblia de Jerusalém e exarado logo abaixo, é
colocado sob a epígrafe “Paulo deixa Éfeso”:
“Tendo aí passado três meses, houve uma conspiração dos
judeus contra ele, pouco antes do seu embarque para a Síria.”
A informação de Lucas a respeito do que se passou com Paulo,
que jamais teve vida fácil desde que decidiu tornar-se cristão, isto é, um
seguidor fiel do Cristo, disseminando a doutrina da Verdade e do Amor entre
seus compatriotas judeus e, depois, no seio da gentilidade – os estrangeiros –,
reveste-se de singular importância para todos nós, simpatizantes do
Cristianismo. E a causa dessa importância está no fato de que é entre os nossos,
no ambiente do lar e da família, do trabalho e da sociedade que momentaneamente
nos abriga que viveremos as sempre dolorosas experiências da desconfiança, da
discórdia, da dissenção e da traição.
Jesus é o grande exemplo também nesse aspecto da realidade
humana. Primeiro, em Nazaré, seus conterrâneos não aceitaram que o Mestre se
revelasse como aquele Messias profetizado por Isaías e o expulsaram da sinagoga,
o que o levou a dizer que “ninguém é profeta em sua própria terra” (*). Mais tarde,
sofreria a traição de Judas e a defecção de Pedro. Já tivemos a oportunidade de
dizer, neste estudo, que a vida do Nazareno é e deve ser observada como uma
bela metáfora de nossa escalada espiritual no rumo da Evolução.
Por que seria, então, diferente com Paulo, que viveu para testemunhar a verdade que é o Cristo, que lhe aparecera no caminho de Damasco naquele dia tão inolvidável quão glorioso? Por que seria diferente conosco que, além de nossa disposição em reviver as lições que tantas vezes desprezamos – sendo agora, o quanto possível, fiéis instrumentos da luz e da verdade para experimentarmos após um pouco de paz –, ainda temos um quilométrico passado de erros para corrigir?
É em momentos assim que devemos apelar para as três potências
que Allan Kardec nos aconselha a pedir a Deus, em prece (**): a coragem, a paciência
e a resignação. Com a primeira, que é em verdade a “ação do coração”, aceitamos,
pelo amor que devotamos àqueles que nos são caros e já não querem continuar
caminhando ao nosso lado, o fato de que nossa jornada deve ser mesmo solitária.
Com a paciência armamo-nos de esperança e vontade firme para reencetar a marcha
na direção daquele que é “caminho, verdade e vida”, sem o qual nada somos, superando
as contrariedades que são parte das vicissitudes da vida de relação. Por fim, a
resignação nos ajuda a compreender que tudo quanto experimentamos é passageiro
e serve unicamente ao aprendizado espiritual.
Ademais, tais experiências retemperam nosso caráter,
conduzindo-nos para as elevadas manifestações do Espírito imortal em sua necessidade
de abandonar-se a Deus e ao Cristo, tornando-nos cada vez mais “cosmocentrados”, no
dizer de Huberto Rohden (***). Para este filósofo, que em suas obras analisa a
feição metafísica do Cristianismo, quem não vive a Realidade espiritual,
subjetiva, optando por sua contraparte, a realidade material, objetiva, encontra-se
“egocentrado”. Como se sabe, o ego se realiza na ilusão, de modo que sua
posição perante a vida não se sustenta por muito tempo e um dia perderá terreno
no solo da alma, a quem o Cristo dirige seu apelo máximo: “Conhecereis a verdade
e a verdade vos libertará!” (João 8:32)
Notas
(*) Ver Marcos 6:1-6.
(**) Ver O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. XXVII,
itens 5 a 8 (“Eficácia da prece”).
(***) Ver Profanos e Iniciados (ed. Alvorada).
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