Francisco Muniz //
O capítulo 7 de Atos dos Apóstolos destaca o discurso de
Estêvão perante os doutores da lei reunidos no Sinédrio, após sua prisão, sendo
o teor do segundo versículo o assunto que comentaremos hoje, dia 7 de
fevereiro, em nosso estudo de temas do Novo Testamento, sob a inspiração da
Doutrina Espírita. Eis o texto, copiado da Bíblia de Jerusalém:
“E ele respondeu: ‘Irmãos e pais, ouvi. O Deus da glória
apareceu a nosso pai Abraão, ainda na Mesopotâmia, antes que se estabelecesse
em Harã (...)”
Como se trata de mais um texto “quebrado”, descubramos o
conteúdo “secreto” das reticências, configurando o versículo 3, que dá sequência
às palavras de Estêvão: “(...) e disse-lhe: ‘Sai da tua terra e da tua parentela, e
vai para a terra que eu te mostrarei’”. Como vemos, o Novo Testamento nos
oferece seguidas lições acerca da principal tarefa que nos cabe realizar no
planeta, enquanto Espíritos em processo de crescimento: o desapego às questões
de ordem material, com vistas ao aprendizado maior, que consiste em abreviarmos
o quanto possível a necessidade de reencarnarmos em mundos inferiores quais a
Terra. Para tanto, precisamos cumprir a longa e árdua série de disciplinas que
constituem a chamada “vontade de Deus” apresentada no programa delineado pelo
Cristo Jesus e reforçada pela Doutrina Espírita: amar incondicionalmente,
perdoar todas as ofensas e servir sempre.
Como se percebe, reter conosco aquilo que é tão somente para
nosso usufruto durante a encarnação é trabalhar contrariamente à nossa economia
espiritual, advindo desse ato terríveis consequências, das quais a literatura
espírita dá sobejos exemplos. Ao contrário, o Espírito deve trilhar a via da
liberdade, desfazendo-se da ideia e do desejo de posse em relação a tudo que
impeça seus voos para o destino glorioso que nos aguarda além da Terra. Tal é o
ensinamento de Jesus, dizendo-nos que estamos no mundo, mas não pertencemos a
ele (João 15:15-20); logicamente, as coisas do mundo não nos devem importar
tanto quanto sua finalidade última: auxiliar-nos na jornada do aprendizado
redentor, ou seja: estamos no mundo para aprendermos a sair dele, utilizando
com responsabilidade e sabedoria os recursos que a Bondade divina nos oferece.
De acordo com as palavras de Estêvão, Deus se tem sempre feito
representar junto a seus filhos para expressar sua soberana vontade em
benefício de todos, a exemplo de Abraão, o grande Patriarca bíblico de cuja
atuação nasceram três dos quatro maiores troncos religiosos do mundo (abstraindo
o Budismo): o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo. Assim como Abraão, também
Jó deu o testemunho mais eloquente do Velho Testamento acerca do desapego aos bens
materiais e às pessoas, ensinando-nos a viver com parcimônia na administração
das coisas de Deus. O próprio Jesus veio nos exortar à abnegação ao afirmar que
“as raposas têm suas tocas e as aves do céu têm
seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde repousar a
cabeça” (Mateus 8:20).
Servir ao Cristo, pois, é desapegar-se das ilusões do mundo,
com a certeza de que tudo quanto aqui deixarmos e seja caro ao nosso coração
poderemos reencontrar numa reencarnação futura, de modo que não precisamos, em
absoluto, desesperar-nos ante as “perdas” sofridas durante a relativamente
longa, mas sempre curta peregrinação na carne. O ideal maior, contudo, é que precisa ser
cultivado, conforme nos esclarece o Espiritismo ao tratar da vida futura, a
partir do entendimento destas palavras de Jesus: “Meu reino não é deste mundo”
(João 18:36-37). Segundo Allan Kardec (*), “esse dogma pode, pois, ser considerado
como o ponto central do ensinamento do Cristo (...) porque deve ser o alvo de
todos os homens; só ele pode justificar as anomalias da vida terrestre e
concordar com a justiça de Deus”.
(*) O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. II, itens
1 a 3 (“A vida futura”).
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