Francisco Muniz //
É do versículo 22 do segundo capítulo da Epístola de Tiago
que tiramos o assunto de nossos comentários de hoje, dia 22 de fevereiro,
prosseguindo o estudo de algumas passagens do Novo Testamento. Nossa abordagem
é feita costumeiramente sob a inspiração da Doutrina Espírita, que nos dá a
chave para a compreensão do que no Evangelho parece ininteligível, como bem
frisou Allan Kardec. Eis, portanto, o texto apresentado pela Bíblia de
Jerusalém:
“Já vês que a fé concorreu para as suas obras e que pelas
obras é que a fé se realizou plenamente.”
Desde o versículo 14 desse capítulo faz Tiago a defesa da
necessidade de o cristão produzir obras caritativas a partir de sua fé em Deus,
porque não basta, diz ele, apenas crer que há um só Deus: “Lembra-te, porém, que
também os demônios creem, mas estremecem”. O apóstolo argumenta ainda que não
foi pela fé, mas pelas obras que Abraão, o primeiro e maior patriarca dos
hebreus, antepassados dos judeus, foi justificado (1) “ao oferecer seu filho
Isaac sobre o altar”. É do Patriarca, portanto, que Tiago fala no texto que ora
abordamos, concluindo que “assim se cumpriu a Escritura que diz: Abraão creu em
Deus e isto lhe foi imputado como justiça e ele foi chamado amigo de Deus”.
Na terceira obra da Codificação espírita, O Evangelho
Segundo o Espiritismo (ESE), na qual Allan Kardec desenvolve os conceitos
da terceira parte de O Livro dos Espíritos, que trata das Leis Morais, o
Codificador tece comentários acerca do “sacrifício mais agradável a Deus” (2),
explicando como podemos ser, de fato, amigos do Criador, submetendo-nos à sua
justiça. Trata-se, diz Kardec, de sacrificar (isto é, eliminar da mente, do
coração, da alma) todo ressentimento (ou mágoa) que se tenha em relação ao
próximo: “(...) antes de se apresentar a ele [Deus] para ser perdoado, é
preciso ter perdoado, e que, se cometeu uma injustiça contra um de seus irmãos,
é preciso tê-la reparado (...)”.
As palavras ponderadas do sábio de Lyon interpretam o que o
evangelista Mateus explana nos versículos 23 e 24 do quinto capítulo de seu
livro: “Se, pois, quando apresentardes vossa oferenda ao altar, vós vos lembrardes
que o vosso irmão tem alguma coisa contra vós, deixai a vossa dádiva aí ao pé
do altar, e ide reconciliar-vos com o vosso irmão, e depois voltai para
oferecer vossa dádiva”. Como o Espiritismo nos conclama ao exercício da fé
raciocinada, entendemos, assim, que a fé realmente operante não é a que nos paralisa
nos atos de passiva adoração, mas é aquela que nos impulsiona, em nome da
Divina Justiça, para a resolução dos conflitos criados e estabelecidos entre nós
e o próximo.
É então que somos chamados a considerar o papel do dever,
conforme o Espírito Lázaro esclarece no ESE (3): “O dever é a obrigação moral, diante
de si mesmo primeiro, e dos outros em seguida (...) O dever do coração,
fielmente observado, eleva o homem (...) O homem que cumpre o seu dever ama a
Deus mais que as criaturas, e as criaturas mais do que a si mesmo; ele é, ao
mesmo tempo, juiz e escravo em sua própria causa”. Nossa consciência, portanto,
sentir-se-á recompensada, ou seja, tanto mais tranquila quanto mais nos aplicarmos
à tarefa de reconciliação com nossos desafetos, reajustando-nos perante as leis
divinas através do exercício constante do perdão. Somente assim é que Deus
perdoará nossas faltas.
Notas
(1) De acordo com Pastorino, em Sabedoria do Evangelho,
essa palavra é mais um verbo no particípio passado que um adjetivo,
significando apenas nossa adequação à Lei de Deus através da compreensão e
consequente prática.
(2) Cap. 10 (“Bem-aventurados aqueles que são
misericordiosos”), itens 7 e 8.
(3) Cap. 17 (“Sede perfeitos”), Instruções dos Espíritos,
item 7.
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