Francisco Muniz //
“Estás no mundo, mas não pertenceis a ele.” Estas palavras de Jesus vêm-nos à lembrança ao abrirmos a Bíblia de Jerusalém no capítulo 7 de Atos dos Apóstolos e repararmos no texto do capítulo 12, que comentaremos neste dia 7 de dezembro, procurando interpretá-lo de acordo com as orientações da Doutrina Espírita. Ei-lo:
“Ao saber que no Egito havia trigo, Jacó para lá enviou
nossos pais uma primeira vez.”
É preciso explicar que o versículo em destaque é parte do “Discurso
de Estêvão” (conforme a epígrafe anuncia), no qual o mártir que Saulo de Tarso
mandara apedrejar faz sua defesa perante o Sinédrio (1). Ele reconta a história
do povo hebreu e da grande importância de Deus na condução dos antepassados dos
judeus, pela ação inspirada dos patriarcas instruídos por Jacó e Isaac, filhos
de Abraão, o iniciador das três grandes religiões da Terra – Judaísmo,
Cristianismo e Islamismo. É uma história assombrosa, envolvendo traições,
morticínios e muito sofrimento, como a fome que se abateu sobre Canaã após os
patriarcas terem vendido José, filho de Jacó, aos egípcios, junto aos quais o
menino progride admiravelmente, chegando a ser ministro do faraó.
Na Parábola do Festim de Bodas, já referida aqui, Jesus fala
das “trevas exteriores onde há choro e ranger de dentes” e nos parece que ele
descreve o efeito das reencarnações do Espírito imortal em suas provações no
rumo do aprimoramento. Em meio às turbulências próprias de um mundo de provas e
expiações, onde a dor e os padecimentos são uma íngreme montanha que precisamos
escalar todos os dias para merecermos participar do “banquete” da vida
espiritual, aqui nos encontramos como desterrados. O véu do esquecimento
corresponde a essas trevas exteriores, às ilusões da vida material, razão pela
qual Jesus nos pede que deixemos brilhar nossa luz, a fim de recuperarmos a
memória de nós mesmos e de nossa origem.
Pela reencarnação, mudamos frequentemente de local de
nascimento e de cultura, experimentando ocasionalmente êxodos familiares ou
populacionais, assim como nos revela a história do povo hebreu ou a dos
africanos escravizados na América, por exemplo, em sua triste diáspora. A
finalidade, bem se vê, é o progresso coletivo e geral, dos países, dos povos, das
culturas, através do aprendizado que só é doloroso porque os homens, espíritos rebeldes
espicaçados pelo aguilhão da violência, assim o querem. O Cristo veio,
portanto, ensinar a via mais suave dessa escalada apresentando-nos o amor,
essência da política do Pai em favor de seus filhos misérrimos que só avançarão
mediante os esforços da fraternidade, na prática do bem incondicional.
O degredo, portanto, tem sua razão de ser e corresponde às
necessidades evolutivas de cada Espírito, que por sua vez colabora com as
divinas leis oferecendo-se como instrumento de redenção de si mesmo,
consideradas suas provas, e de seus semelhantes, sendo o catalisador de certos
episódios “cármicos”. Assim é que diversas pessoas deixam seus lugares de origem
para se aventurar em terras alheias, tencionando buscar “uma vida melhor”, e o
que fazem é irem ao encontro de seu “destino”, cooperando na execução de um
planejamento adredemente elaborado, em prol delas mesmas. Foi assim, por exemplo
com os espíritos que se envolveram na Revolução Francesa, no século XVIII, e,
por misericórdia divina, encontraram no Brasil o solo fértil da própria
redenção (2).
Notas
(1) Essa história é melhor contada por Emmanuel, no livro Paulo
e Estêvão (FEB), psicografado por Chico Xavier.
(2) Ver, a propósito, o livro Um Amor, Muitas Vidas
(ed. Lachâtre), de Jorge Damas Martins, contando a história de César Bournier, que
fora Danton.
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