Francisco Muniz //
Novamente sob a epígrafe “A unção de Betânia”, do capítulo 13 do Evangelho de João, hoje comentaremos o versículo 6, correspondente a este dia 6 de dezembro, tratando, agora, do comportamento de Judas Iscariotes. Ainda recorrendo à Bíblia de Jerusalém, vamos ao texto, continuando nosso estudo de temas do Novo Testamento:
“Ele disse isso, não porque se preocupasse com os pobres,
mas porque era ladrão e, tendo a bolsa comum, roubava o que aí era colocado.”
Vocês se lembram, esse comentário de João diz respeito ao
fato de Maria, a irmã de Lázaro, ter gasto um caríssimo frasco de perfume de
nardo para untar os pés de Jesus, quando este fora cear na casa dos três
irmãos, na cidade de Betânia (1). Descontente, Judas exclamara: “Por que não se
vendeu este perfume por trezentos denários para dá-los aos pobres?”, merecendo
a admoestação do Messias: “Deixa-a; que ela conserve para o dia da minha
sepultura! Pois sempre tereis pobres convosco; mas a mim nem sempre tereis”
(João 12:5-8).
João devia saber muito bem dos predicados de Judas, seu
companheiro no colégio apostolar formado pelo Mestre, tanto quanto este não
desconhecia o caráter do discípulo que o trairia dali a alguns dias. Judas era
o tesoureiro do grupo, responsável pelas finanças, certamente arrecadando
recursos junto aos simpatizantes da causa messiânica, e administrando as
despesas advindas dos constantes deslocamentos da comitiva de Jesus pela
Palestina de dois mil anos atrás.
No entanto, Jesus manifestava tolerância para com o filho de
Karioth – este o nome da cidade natal de Judas – e no dia mesmo da traição o
chamara de “amigo”, pois o amava, como aos demais. Convertido ao Espiritismo
após sua desencarnação, o Espírito Humberto de Campos traçou, em dois de seus
livros (2), interessantes perfis dessa controvertida personagem evangélica. Num
deles, o talentoso cronista que ocupara uma das cadeiras da Academia Brasileira
de Letras destaca, no primeiro, a postura ambiciosa do discípulo, iludido
pelas facilidades da matéria; no outro é abordada a questão do arrependimento,
observada junto ao Judas desencarnado numa entrevista muito significativa.
A Jesus, porém, não importava que Judas fosse um ladrão,
porquanto ele havia dito não ter vindo para os sãos, mas para os doentes, tanto
que preferia a companhia da gente simples da Palestina, dos pobres e das
pessoas de má vida: prostitutas, criminosos, cobradores de impostos... Sobre
esses corações desesperançados o Nazareno derramava de seu amor, erguendo os
ânimos e infundindo-lhes esperanças novas quanto ao futuro, ante a alvissareira
notícia do Reino de Deus que podia ser alcançado por qualquer um que
acreditasse em suas palavras de justiça e verdade: “Vinde a mim todos vós que
estais cansados e aflitos e eu vos aliviarei” (Mateus 11:28).
Por conta de seu caráter dúbio, próprio de quem ainda não se
decidiu por viver com plenitude a vida espiritual, em total entrega àquele que
é o caminho da verdade e da Vida, Judas era o único que poderia, naquelas circunstâncias,
atender às finalidades da missão de Jesus, de conformidade com o texto das
antigas profecias acerca do Messias. E Judas, de fato, cumpriu seu papel
oferecendo-se como o “traidor”, embora tivesse de pagar o alto preço do
desprezo que atraiu. Mas seu grande “pecado” foi ter cometido suicídio após a
defecção, o que só seria abrandado nas reencarnações seguintes, quando
padeceria os rigores impostos pela Inquisição, na roupagem de Joana D’Arc.
Notas
(1) Um dos significados desse nome, em hebraico, é “casa dos
pobres”.
(2) Boa Nova (FEB, 1941) e Palavras do Infinito
(LAKE, 1936), ambos ditados ao médium Francisco Cândido Xavier.
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