Francisco Muniz //
Em Atos dos Apóstolos, seu autor, o médico grego e também
evangelista Lucas, relata, a partir do versículo 10 do capítulo 17, as “Novas
dificuldades em Bereia”, epígrafe do versículo 12 que comentaremos hoje, dia 17
de dezembro, prosseguindo nossos estudos em torno de algumas passagens do Novo
Testamento. Na Bíblia de Jerusalém, o texto que lemos é este:
“Por isso, muitos dentre eles abraçaram a fé, também dentre
as mulheres gregas de alta posição, e não poucos homens.”
As dificuldades descritas por Lucas marcam as “Missões de
Paulo”, tema da quarta parte dos Atos, iniciada no capítulo anterior,
mostrando-nos que Jesus estava certo ao afirmar a seus discípulos que a
propagação de seus ensinos atrairia muita perseguição (Mateus 10:21-23), de
modo que eles limitassem sua ação à Casa de Israel, ou seja, junto aos judeus: “Não
vades aos gentios”. No entanto, foram os judeus que provocaram as perturbações
ao trabalho do antigo Doutor da Lei, que havia escolhido fazer o trabalho de divulgação
do Evangelho em meio aos estrangeiros, o que significa dizer no resto do mundo.
A Bereia foi uma antiga cidade localizada na Macedônia, no
lado oriental das Montanhas Vermion, sobre a qual está edificada a atual cidade
de Véria, na Grécia, diz-nos a Wikipédia.
Para lá foram Paulo e Silas, fugindo da sanha judaica em Tessalônica, dirigindo-se
logo à sinagoga dos judeus. Estes, afirma Lucas, eram mais nobres que os tessalonicenses,
“pois acolheram a Palavra com toda a prontidão, procurando cada dia as Escrituras
para ver se as coisas eram mesmo assim” (como Paulo garantia). Mas os judeus de
Tessalônica souberam disso e lá foram eles perturbar e agitar a multidão contra
o Apóstolo dos Gentios, que teve de partir para Atenas.
É que, habituadas às suas tradições, as pessoas abominam as
ideias novas que não conseguem compreender e assim movem-lhe uma perseguição
sistemática que não raro vitimiza seus propagadores. Foi assim com Paulo como
com o próprio Jesus e, anteriormente, os antigos profetas; do mesmo modo sofreram
os primeiros cristãos até que o imperador Constantino oficializou o
Cristianismo como religião oficial do Império Romano. Mas então, uma vez ganhando
poder, a Igreja, de perseguida, tornou-se perseguidora, combatendo, em nome do
Deus de amor e do Cristo que pregou a concórdia e a fraternidade, o que chamou
de “heresia”, vitimando milhares de cristãos e não cristãos desde a Idade Média.
Eu seu início, também o Espiritismo sofreu ante a
incompreensão religiosa entre a metade do século XIX e meados do vigésimo. O
auto de fé de Barcelona, quando, em 1861, a Inquisição espanhola fizera queimar
mais de 300 obras espíritas que Allan Kardec enviara ao livreiro Maurice
Lachâtre, talvez seja o exemplo mais gritante dessa perseguição. Os adversários
da Doutrina, que são também opositores da obra do Cristo na Terra, voltada para
a regeneração da Humanidade (1), hoje perseguem não mais o Espiritismo, mas
seus profitentes e observamos, sob esse aspecto, quantas pedras foram atiradas
na direção de, dentre outros, Chico Xavier e Divaldo Franco, no início da
tarefa missionária desses verdadeiros bandeirantes, novos Paulos de Tarso.
Segundo Kardec (2), todas as grandes ideias, todas as ideias
renovadoras, tanto na ordem científica quanto na ordem moral, receberam o
batismo da perseguição, "e isto devia ser, porque elas ferem os interesses dos
que viviam velhas ideias, preconceitos e abusos. Mas, desde que essas ideias
constituam verdades, não viram que a perseguição não lhes deteve o curso? Não está aí a história de todos os tempos para provar que, ao
contrário, elas cresceram, consolidaram-se, propagadas mesmo pelo efeito da perseguição?
(…) Não se perseguiram senão as ideias nas quais se via o futuro; as que julgaram
sem
consequência deixaram que morressem de morte natural (…).”
Notas
(1) O objetivo do Espiritismo (ver O Livro dos Espíritos)
é o aprimoramento moral de toda a Humanidade, a partir da ação consciente de
cada homem que desperte para a realidade do Espírito imortal.
(2) Revista Espírita, de abril de 1868 (edição
EDICEL, na tradução de Júlio Abreu Filho).
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