Esta data no Evangelho (23 de novembro)

Francisco Muniz // 




Para o comentário que hoje faremos sobre o versículo 23, correspondente a este dia, do capítulo 11 do Evangelho de Lucas, vêm à mente, inicialmente, os versos da música “Procissão”, na qual Gilberto Gil canta assim, em certo momento: “Eu também tô do lado de Jesus / Só que acho que ele se esqueceu / De dizer que na terra a gente tem / De arranjar um jeitinho pra viver”. Convenhamos que tal pensamento contraditório, embora próprio do ser humano, demonstra infidelidade às propostas do Cristo, que pregou a renúncia de si mesmo, a resignação e perseverança ante as provas terrenas, por mais duras que sejam. Dito isso, vamos ao texto informado na Bíblia de Jerusalém, que vem sob a epígrafe “Intransigência de Jesus”:

“Quem não está a meu favor está contra mim, e quem não ajunta comigo, dispersa.”

O Mestre não transigiu um instante sequer das lições que veio ensinar aos homens, deixando bem claro o alcance de cada uma delas: o preço a se pagar e a recompensa esperada por aquele que se dispõe a seguir tão frutuosa estrada. Sabia ele, portanto, em que terreno semear e de qual deles viriam os frutos mais doces. Os infortunados, desesperançados, pessoas de má vida – prostitutas, criminosos, cobradores de impostos... –, os pobres e perseguidos, os infelizes, de maneira geral, encontravam nele o reavivar das esperanças e sonhavam com um futuro melhor, de participação ativa no Reino que ele anunciava. Esses estavam a seu favor.

Os vaidosos sacerdotes de então, os orgulhosos escribas e fariseus – os poderosos de todos os tempos, porém, aqueles que exploram a dor dos mais necessitados, os que escamoteiam a verdade em proveito próprio, ampliando as desigualdades sociais em todo o planeta, esses ainda hoje manifestam um comportamento contrário a Jesus, dispersando, quando deveriam dispensar, os bens que a Providência divina lhes prodigaliza desde sempre com a finalidade de despertarem a consciência para o exercício do bem incondicional.

As palavras do Messias, que ora analisamos, dizem respeito à acusação sacerdotal de que Jesus realizava seus prodígios, especialmente a “expulsão de demônios”, porque vinha da parte de Beelzebu (o que já abordamos em nosso estudo). Assim é que o Nazareno os contesta, mostrando-lhes sua parcialidade: “Se é por Beelzebu que eu expulso os demônios, por quem os expulsam vossos filhos?” (Lucas 11:19) Com tal pergunta o Cristo os põe em dúvida e aproveita para fechar o assunto com chave de ouro: “Contudo, se é pelo dedo de Deus que eu expulso os demônios, então o Reino de Deus já chegou a vós” (Lc 11:20), de modo que, agora, será mais sensato ajuntar com ele, uma vez intuída a verdade.

Em razão disso, Allan Kardec faz, no capítulo 23 de O Evangelho Segundo o Espiritismo, interessantíssimas digressões enfeixadas sob o título “Moral estranha”, interpretando algumas das passagens nas quais o Rabi nos exorta a cerrar fileiras com ele, a benefício de nós mesmos. Por exemplo, este texto também de Lucas (9:61-62): “Um outro lhe disse: Senhor, eu vos seguirei, mas me permiti dispor antes do que tenho em minha casa. Jesus lhe respondeu: Todo aquele que, tendo a mão na charrua, olha para trás, não está apto para o reino de Deus.” Para o Codificador, o significado dessas palavras é este: “Os interesses da vida futura se sobrepõem a todos os interesses e todas as considerações humanas”, de forma que “arranjar um jeitinho pra viver”, como sugere o poeta baiano, é, no mínimo, desnecessário, pois o jeito é suportar o fardo, que é suave, submetendo-se ao jugo leve da Lei de Amor.


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