Francisco Muniz
Na Epístola aos Romanos, Paulo de Tarso impreca, no capítulo
11, aos destinatários dessa carta de modo a justificar sua condição de apóstolo
dos gentios, para que assim seu povo, os judeus, possam compreender a natureza
de sua missão e se convertam também à doutrina de Jesus. Desse capítulo,
colocado sob a epígrafe “O resto de Israel”, destacamos o versículo 11 – “A
restauração futura” o intitula –, que comentaremos a seguir, com base nas
orientações do Espiritismo. O texto, retirado da Bíblia de Jerusalém, é
este:
“Então, eu pergunto: teriam eles tropeçado para cair? De
modo algum! Mas da sua queda resultou a salvação dos gentios, para lhes excitar
o ciúme.”
“Eles”, aí, são os israelenses que, ao tempo do profeta
Elias, viraram as costas ao Deus verdadeiro para adorar Baal, que Paulo recorda
a partir das profecias de Isaías e dos Salmos de Davi, acreditando que seu
proceder, estribado na condição de judeu como seus antigos irmãos de fé, agora
renovado pela crença em Jesus, o Cristo de Deus. O sentido das palavras desse
versículo aponta para a inexorabilidade dos desígnios divinos que, para a
consecução dos objetivos elevados, utilizam recursos que aos olhos dos homens podem
parecer absurdos, por serem por vezes assaz tormentosos. Mas, como diz a
sabedoria popular, os fins justificam os meios.
É, ainda, a questão relacionada ao livre-arbítrio das
criaturas sencientes, cuja imaturidade psicológica, uma vez que ainda nos
encontramos na infância espiritual, leva a escolhas imprudentes e a
consequências inevitáveis que teremos de suportar, posto ser livre a semeadura
e obrigatória a colheita. Para tanto, cada homem é chamado a observar a
aplicação da lei de retorno e entender que, por ter cometido desatinos
contrariando as Divinas Leis, terá de voltar, mais cedo ou mais tarde, ao campo
de lutas terrestre para refazer seus caminhos evolutivos. É quando suas antigas
paixões, correspondentes ao império da matéria sobre a razão embrionária, dão
lugar, a pouco e pouco, aos sentimentos nobres que vão educar suas emoções e torná-lo
mais afeito ao cumprimento da chamada “vontade de Deus”, amando a si mesmo e ao
próximo.
“No seu início” – diz o Espírito Lázaro (*), ao comentar “a
Lei de Amor” – “o homem não tem senão instintos; mais avançado e corrompido, só
tem sensações; mais instruído e purificado, tem sentimentos; e o ponto delicado
do sentimento é o amor, não o amor no sentido vulgar do termo, mas este sol
interior que condensa e reúne em seu foco ardente todas as aspirações e todas
as revelações sobre-humanas.” Lázaro completa seu arrazoado afirmando que “aquele,
pois, em que os instintos dominam, está mais próximo do ponto de partida que do
objetivo”, fazendo-nos entender o quanto ainda temos a fazer para domarmos nossas
más inclinações, pondo nossas paixões, filhas do ego, para trabalhar em nosso
benefício. É então que conseguimos compreender por que Paulo fala do ciúme dos
israelitas do passado.
Ou seja, se hoje estamos incomodados com o sucesso de nossos
irmãos de caminhada, seja no tocante às conquistas materiais, seja no esforço
de aquisição dos valores imperecíveis da alma, amanhã, certamente, estimulados
pelo desejo de crescer, aprenderemos a trilhar a via da autossuperação, a fim de
também obtermos semelhantes benefícios. “Há males que vêm para o bem”, como
reza o dito popular, e desse modo compreenderemos melhor o que significa herdar
de si mesmo, porquanto o Espírito imortal leva consigo o resultado de suas
ações, boas ou más, podendo ou não dispor dele em cada uma das diversas
experiências reencarnatórias.
(*) O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. XI, item
8.
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