Francisco Muniz
A Bíblia de Jerusalém agrupa em suas páginas, sem nenhuma cerimônia, num conjunto só, os escritos do apóstolo João, autor de um Evangelho, de duas cartas e do Apocalipse. Os organizadores certamente assim procederam em nome da facilidade quanto às pesquisas que se queiram fazer acerca dos textos joaninos. Fazemos esse intróito porque hoje, dia 4 de outubro, abrimos nosso exemplar da Bíblia no capítulo 4 da primeira Epístola de João, em cujo versículo 10 lemos o seguinte:
“Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus,
mas foi ele quem nos amou e enviou-nos o seu Filho como vítima de expiação
pelos nossos pecados.”
É ouvindo “Esse olhar que era só teu”, do grupo português Dead
Combo, que inicio estes comentários, trazendo à reflexão o pensamento do
filósofo brasileiro Huberto Rohden, para quem Deus – e o Cristo também! – é o
Amante não amado, ao passo que nós, seus filhos, somos os amados. Quanto à última
parte do texto de João, tenhamos um pouco de prudência, porque, além do fato de
não devermos tomar ao pé da letra, ipsis literis, os textos
bíblicos, eles passaram, ao longo dos séculos, por diversas reescritas desde a
primeira tradução. Desse modo, vale o conselho dos contadores de histórias:
quem conta um conto, omite um ponto e aumenta dois.
O Cristo não veio expiar “pelos nossos pecados”, como quer
nos fazer acreditar a Teologia católica, mas nos ensinar o valor do autossacrifício,
desmistificando a ideia da morte e alertando para a realidade factual e
factível do Espírito imortal, em tudo superior à matéria perecível. Ver Jesus
como vítima de nossos pecados é o mesmo que nos culparmos ad infinitum
por sua morte infamante – e a consciência de culpa é diametralmente oposta à
grandeza do Evangelho e à necessidade de nos esforçarmos para vencer os
obstáculos ao nosso crescimento espiritual.
Desse modo, a ideia de um Jesus salvador da Humanidade
também deve ser questionada, porquanto a salvação é resultante do esforço
individual para a superação da inferioridade moral e espiritual em que nos encontramos
momentaneamente. Não existe, pois, uma salvação de fora – alossalvação, segundo
Huberto Rohden. Só há autossalvação. Jesus, tudo que fez, foi nos ensinar e
mostrar o caminho dessa salvação. Não fosse assim, por que estaríamos, ainda
hoje, passando por provas tão atrozes, experimentando situações verdadeiramente
desesperadoras, a elas reagindo com revolta e violência como se Deus nada
fizesse a não ser mandar-nos cada vez mais padecimentos?
Entretanto, esse Deus nos ama imensamente e o Cristo, como
representante máximo desse amor junto a nós, respeita nosso livre arbítrio e
espera, com a força da Eternidade, nosso despertamento para o conhecimento da
Verdade que um dia nos libertará de nossa inclinação para o erro. O esforço
deve ser nosso, pelo reconhecimento de nossa condição inferior, nascido da
conscientização da própria essência espiritual, que nos levará às iniciativas
de retomada do rumo da elevação, após o necessário arrependimento. Então o
divino Amante, vendo-nos determinados, nos concederá as oportunidades de
refazimento pela observância das lições e exemplos deixados pelo Amigo Inolvidável.
É nesse sentido, portanto, que devemos compreender a
consistência do amor de Deus por nós, seus filhos misérrimos, que, além de seu
Filho primogênito, envia-nos, agora, seus divinos Emissários, os Espíritos
elevados que vêm, pelo Espiritismo, complementar os ensinamentos de Jesus e
assim ajudar-nos a trilhar o caminho até o objetivo máximo de nosso aprimoramento
moral e espiritual – aquela Perfeição relativa proposta por Jesus, guia e
modelo de toda a Humanidade.
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Abra sua alma!