Francisco Muniz
“Se tomo alimento dando graças, por que seria eu censurado
por causa de alguma coisa pela qual dou graças?”
Em linguagem popularesca, poderíamos refazer a pergunta de
Paulo de Tarso nestes termos: “O que você tem a ver com o modo como eu me
comporto?” Ou seja, o Apóstolo dos Gentios questiona aí a ingerência alheia
sobre seus atos, tanto que no versículo anterior ele reclama: “Por que a minha
liberdade haveria de ser julgada por outra consciência?” Certa vez, um amigo me
confidenciou que não dorme com sua reputação, mas com sua consciência, o que nos
levou a considerar que nossa reputação é o que os outros pensam e falam de nós –
e isso, realmente, não nos deve importar.
O fato é que os outros ficariam muito contentes se
fizéssemos tudo o de que gostariam, mas isso seria nos violentarmos, negando
nosso poder de escolha, o livre arbítrio que Deus nos concede para bem atuarmos
no mundo, buscando crescer para Ele. No entanto, o Cristo Jesus nos pede para
fazermos aos outros o que gostaríamos que eles nos fizessem, e não o
contrário. E mais: o Mestre considerou ser o maior no Reino dos Céus aquele que
no mundo se fizer o servidor (algumas traduções grafam “escravo”) de todos, mas
entendemos que aí se trata de ação voluntária do candidato à santidade.
Em O Livro dos Médiuns, Allan Kardec, que foi um dia
saudado como “o bom senso encarnado”, pondera que os bons Espíritos não constrangem
aqueles dos quais se aproximam. O constrangimento, portanto, é ação das mentes
inferiores que alimentam interesses particularistas e inconfessáveis. Reza o
ditado popular que, quem não ajuda, atrapalha. Vivemos todos em regime de interdependência
e nossa relação com o outro deve ser sempre de respeito aos direitos de cada
um, reciprocamente. Se não há reciprocidade nesse respeito, haverá sempre a
intromissão e a imposição contrárias ao bem viver.
Assim como não podemos exigir nada de ninguém, não devemos
aceitar que decidam por nós o que é somente de nossa responsabilidade, sob pena
de nos vermos cerceados em nossa liberdade de ação. A intenção, ao nos
aproximarmos de alguém, deve ser sempre a de auxiliar para a superação de
alguma dificuldade, não para complicar o problema. Para tanto, importa sabermos
quais são os limites de nossos direitos e deveres, o que Kardec expõe judiciosamente
nas páginas de O Evangelho Segundo o Espiritismo (1), ao falar especificamente
dos dois tipos de espíritas: “Um é como o músico que se comove com certos
acordes, ao passo que o outro não ouve senão sons (...) enquanto que um se
compraz em seu horizonte limitado, o outro, que compreende alguma coisa de
melhor, esforça-se para dele se libertar e sempre o consegue quando tem vontade
firme”.
Sobre direitos e deveres, o Espírito Emmanuel pontuou certa
vez que “o espírita só tem um direito, o de cumprir seus deveres”. Nossa
consciência, que pretendemos iluminada pela razão e pela fé, não deve violentar
outras consciências nem sofrer constrangimentos alheios, mas tal experiência
nos indicará sempre quem é que anda ao nosso lado, revelando a verdade de certo
dito popular reformulado pelo mesmo Emmanuel nestes termos: “Dize-me o que
pensas e te direi com quem andas” (2).
Notas
(1) Cap. XVII, item 4, “Os bons espíritas”.
(2) Livro Roteiro, psicografia de Chico Xavier.
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