Esta data no Evangelho (27 de outubro)

Francisco Muniz


O versículo 27 do décimo capítulo do Evangelho de Lucas é encimado pela epígrafe “O grande mandamento”, o que nos remete à Lei de Adoração, isto é, à maneira como devemos nos relacionar com Deus, nosso Criador e Pai amantíssimo. Médico grego que se interessou pela causa de Jesus ao conhecer Paulo de Tarso, Lucas narra, aí, o diálogo que um impertinente legista (1) estabelecera com o Mestre “para experimentá-lo”, questionando o que deveria fazer “para herdar a vida eterna”. Por sua vez, o Cristo pergunta-lhe o que está na lei. A resposta é todo o teor do tal versículo, que comentaremos hoje, 27 de outubro, no âmbito de nosso estudo diário de passagens do Novo Testamento. Eis o texto da Bíblia de Jerusalém, que destaca a primeira parte com ítálico:

Amarás o senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, com toda a tua força e de todo o teu entendimento; e a teu próximo como a ti mesmo.”

O amor é a energia constitutiva da essência da Divindade, o que levou o apóstolo João, autor do quarto Evangelho, a afirmar, numa síntese perfeita, que “Deus é amor”. Através dele, do amor, Deus criou em si mesmo e em torno de si tudo o que existe, impregnando sua criação do mais autêntico amor que ao homem é dado conhecer. É, portanto, uma energia ao mesmo tempo criadora, alentadora ou compassiva, dinâmica e potente, em constante expansão, porque jamais se gasta, mas alimenta-se a si mesma quanto mais se doa.

Os espíritas sabemos que Allan Kardec, com seu aguçado senso de educador, construiu, sob a inspiração dos Espíritos Superiores a serviço do Cristo, uma obra alicerçada sobre a rocha da moral cristã e esta, a seu turno, se resume no exercício do amor incondicional. Em seu trabalho pedagógico, o Codificador realizou O Livro dos Espíritos em quatro partes distintas e complementares e cada uma delas vai se desenvolver e completar nas outras quatro obras do chamado Pentateuco kardequiano – O Livro dos Médiuns; O Evangelho Segundo o Espiritismo; O Céu e o Inferno; e A Gênese –, aludindo aos cinco primeiros livros escritos por Moisés e que são o coração do Velho Testamento.

Assim é que na terceira parte da obra basilar do Espiritismo Kardec trata das Leis Morais, abordando em primeiro lugar a Lei de Adoração; mais tarde, essa terceira parte constituiria o miolo de O Evangelho Segundo o Espiritismo. É nele que Kardec vai discorrer com mais desenvoltura sobre a Lei de Amor, acerca do maior dos mandamentos de Deus aos homens, sobre o qual Jesus assentou sua doutrina libertadora e consoladora e da qual o Espiritismo é herdeiro, dando a palavra a Espíritos como Lázaro e o próprio João Evangelista, dentre outros. Por Lázaro, a propósito, aprendemos que o amor é a “primeira letra” do alfabeto divino.

Dissemos, mais acima, que na Lei de Adoração encontramos a maneira de nos relacionarmos corretamente com nosso Criador. Entendemos que tal relacionamento se esboça em três movimentos também distintos e complementares: 1 – conosco mesmos, fazendo contato com o Deus imanente, através da paixão por sua obra, na tarefa de autoaperfeiçoamento; 2 – com o próximo, ainda observando a imanência, pela compaixão que o Pai manifesta por cada um de seus filhos, desenvolvendo os ideais de respeito, compreensão e aceitação do outro; e 3 – com o próprio Deus, em sua feição transcendental, correspondendo à soberana vontade expressa pelas leis inscritas em nossa consciência.

Assim, concluímos que, se no homem o amor é visto como sentimento, em Deus ele é força igualmente presente em nosso ser, conforme destacam estas palavras do Espírito Fénelon em O Evangelho Segundo o Espiritismo: “O amor é de essência divina, e, desde o primeiro até o último, possuís no fundo coração a chama desse fogo sagrado. É um fato que pudestes constatar muitas vezes; o homem mais abjeto, o mais vil, o mais criminoso, tem por um ser ou por um objeto qualquer uma afeição viva e ardente, à prova de tudo que tendesse a diminuí-la, e atingindo, frequentemente, proporções sublimes” (2).

Notas

(1) Judeu versado nas Escrituras; doutor da Lei; o mesmo que escriba.

(2) Capítulo XI, item 9.

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