Francisco Muniz
“Entendeu, ou quer que eu desenhe?” Não nos perguntam isso,
às vezes, após uma explicação que pretendem clara o bastante para a devida
compreensão? Fazemos esse preâmbulo para
iniciar os comentários acerca do que nos informa o versículo 9 do capítulo 8 do
Evangelho de Lucas neste dia 8 de setembro. Vejamos o texto, que a Bíblia de Jerusalém coloca sob a rubrica “Por
que Jesus fala em parábolas”:
“Seus discípulos perguntavam-lhe o que significaria tal
parábola.”
Em resposta, o Mestre declarou, citando uma passagem do
Velho Testamento (Isaías 6:9): “A vós foi dado conhecer os mistérios do Reino de
Deus; aos outros, porém, em parábolas, a fim de que vejam sem ver e ouçam sem
entender”.
É possível intuir, então, que em (quase) todo ensinamento há
dois sentidos, um próprio e outro figurado. Um é alcançado facilmente, ao passo
que o outro exige uma interpretação. Certos ensinos trazem sentidos ocultos,
misteriosos, para cuja interpretação faz-se necessária uma chave, um
instrumento que permita tirar o véu de mistério e descerrar a verdade do
ensinamento. Reconhecemos, portanto, que a doutrina do Cristo, tanto quanto o próprio
Espiritismo que lhe serve de chave interpretativa, apresenta-se-nos com uma face esotérica
(oculta) e outra exotérica, às claras.
Convenhamos: ao manifestar a realidade do Reino de Deus – a dimensão
espiritual – a seus contemporâneos ainda atrasados no conhecimento das leis que
regem a Vida em suas expressões, o Messias não lograva fazê-los compreender o
básico, ao contrário de seus discípulos mais próximos, os apóstolos. Estes eram
iniciados nos “mistérios”, como os gregos no templo de Elêusis ou os
hierofantes egípcios dedicados ao sacerdócio de Amon-Ra. Então Jesus se valia
das parábolas, fazendo comparações e exageros aqui e ali em suas lições para
que elas não se perdessem.
Sabemos que, como diz a sabedoria popular, “quem conta um
conto, omite um ponto e aumenta outro”. O Rabi nazareno era um exímio contador
de histórias e o fazia tão bem que elas, anotadas por seus seguidores, perduram
até hoje, agora recebendo da Doutrina Espírita a explicação mais pertinente ao
entendimento de cada aprendiz. Até meados do século XIX, contudo, havia muita dificuldade
na interpretação das parábolas, levando em conta que Jesus só explicou duas
delas – a do semeador e a do joio crescendo em meio ao trigo.
Pela observação do profeta Isaías, o que ressalta também dos
ensinos de Jesus, nossos grandes defeitos quanto à dificuldade de compreensão da
Verdade são a estreiteza da visão e da audição, porquanto desacostumadas da análise
transcendente. Muitos de nós, mesmo recebendo o esclarecimento (a luz!), ainda demoramos
a assimilá-lo ou aceitá-lo. Afinal, a que se deve o medo que alguns espíritas
têm dos Espíritos? Ou por qual outra razão refutam a reencarnação ou a mediunidade?
Lembro-me de que, quando criança, um de meus irmãos tinha
grande dificuldade em entender as lições escolares e meu pai dizia que a
solução para esse problema era “abrir a cabeça dele com um machado e pôr o livro
dentro”! Eu sabia que meu pai estava usando uma linguagem figurada, sem saber
ainda se tratar de uma parábola. Naquela época, éramos alunos de escolas
públicas, que ministravam um ensino de qualidade; mas meu irmão não teve
sucesso e por isso foi o único a frequentar um estabelecimento particular, cuja
fama era depreciativa: “papai pagou, filhinho passou”.
Assim, é preciso, como pede o Cristo, desenvolvermos olhos
de ver e ouvidos de ouvir, a fim de compreendermos os meandros do ensinamento,
os detalhes do caminho que percorremos até alcançarmos a Perfeição, para o que
o Evangelho nos serve de bússola e o Espiritismo, de mapa.
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