Esta data no Evangelho (29 de agosto)

Francisco Muniz


Chegamos a um período do mês em que fica quase impossível extrair material do Novo Testamento para darmos prosseguimento a nossos estudos nos moldes adotados neste programa, porque ou não há capítulos com tão alta numeração ou eles são tão curtos que não contemplam tantos versículos, de modo que temos de tomar certas providências. Assim, para cumprirmos nosso desiderato, recorremos hoje, dia 29 de agosto, ao arranjo dos organizadores da Bíblia de Jerusalém, que incluíram os Salmos de Davi numa obra dedicada exclusivamente ao Novo Testamento. Talvez para facilitar o empreendimento deste escriba! Vamos, portanto, comentar o versículo 8 do Salmo 29, intitulado "Hino ao Senhor da tempestade":

"(...) a voz de Iahweh sacode o deserto, Iahweh sacode o deserto de Cades!"

Nesse hino, o salmista glorifica seu Deus reconhecendo-o superior a todas as forças da Natureza: as águas torrenciais, o trovão, o vento enregelante que assobia no deserto, os raios - e tudo isso é para fortalecer o povo escolhido, o povo de Israel, os diletos do Altíssimo chamado Iahweh (Iavé ou Javé ou Jeová para nós).

Naturalmente, quem prestou atenção viu que o título desse hino remete-nos ao episódio evangélico em que Jesus acalma uma tempestade, compreendendo então que Davi - que assumira o trono de Israel após Saul - falava, algumas centenas de anos antes, do Messias anunciado que viera como um seu descendente, isto é, Jesus, tendo nascido como herdeiro da Casa de Davi, tinha direito ao título de rei de Israel, de acordo com as antigas profecias, caso seu reino fosse deste mundo.

Vejamos que o salmista nomeia o deserto que seu Deus sacode. Entretanto, trazendo essa imagem para nosso contexto, perguntemos onde se localiza hoje esse deserto e vamos encontrá-lo na alma das pessoas que, distraídas quanto à própria condição e aos próprios deveres, transitam pelo mundo promovendo a desordem, semeando a confusão, caçoando dos fiéis de bom coração e desprezando os convites à participação nas alegrias do Reino de Deus.
 
Mas mesmo no coração - na alma! - dos cristãos, mesmo dos mais sinceros, e dos homens de boa vontade de maneira geral, há desertos que o vento sacode, porque se o Cristo é, em nome de Deus, o dispensador da paz ("A minha paz vos dou."), ele é também a própria tempestade a rugir no íntimo de cada um nos momentos em que nos damos voluntária e indebitamente à tranquilidade, porquanto tudo neste mundo de características inferiores é convite ao trabalho incessante em favor do bem, no socorro aos necessitados de todo jaez como ao serviço abnegado de instruir a ignorância que campeia na Terra, agredindo os incautos que se debatem em meio ao crime e à violência.
 
Para os cristãos devotados, não há descanso a não ser para o corpo, principalmente quando meditamos nas palavras ditas pelo Messias a seu apóstolo Tomé (1): "Se perguntarem a vocês o que são, digam que são um movimento e um repouso" - e então fazemos aí a distinção entre corpo e alma, compreendendo que esta, o Espírito encarnado, labuta por seu crescimento durante a vigília e além dela. Portanto, enquanto o corpo descansa, a alma, parcialmente emancipada, atua em seu ambiente próprio, no mundo espiritual, junto àqueles que lhe são afins e a instruirão enquanto desenvolve as tarefas que lhe competem.

É assim que devemos entender a vida na Terra: um imenso deserto que precisa ser açoitado pelos ventos da renovação, pelos raios ("Eu vim para pôr fogo no mundo e tenho pressa que ele se acenda.") da transformação e pelas águas torrenciais da revolução íntima a que cada criatura é chamada a realizar com a brevidade possível. Afinal, como nos questionam os Espíritos Superiores desde meados do século XIX (2), não já ouvimos troar "a tempestade que deve dominar o velho mundo e tragar no nada a soma das iniquidades terrestres"? É tempo, pois, de lançarmos mão do arado e trabalharmos com mais afinco. Eia, sus! Trabalhemos!

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Notas:

(1) Vide o livro Evangelho Gnóstico de Tomé, de Hermínio Miranda.
(2) "Missão dos espíritas" - O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XVII.

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