Esta data no Evangelho (2 de agosto)

Francisco Muniz


Como o musgo na pedra, o amor a Jesus se enreda no coração do crente e uma vida nova vai brotando aos poucos, parecendo que voltamos à fase mais feliz de nossa existência... Penso nisso ao ouvir Mercedes Sosa cantando "Volver a los 17", enquanto leio o início do capítulo 8 do Evangelho de Marcos neste dia 2 de agosto, tratando da "segunda multiplicação dos pães". Eis o que diz o segundo versículo:

"Tenho compaixão da multidão, porque já faz três dias que está comigo e não tem o que comer."

Cerca de um ano antes da enfermidade que me prostrou em 2019, eu havia planejado escrever um livro intitulado "Jesus e a multidão". Seria um trabalho a quatro mãos, em parceria com um querido amigo também escritor que seguramente ama mais ao Cristo do que eu. As circunstâncias, porém, modificaram esse plano, mas eis que o tema se me apresenta hoje, ao menos para grafar estas linhas, tão caras ao meu coração.

Com efeito, a multidão tem fome. Sendo Marcos mais literal que João, ele informa que "eram cerca de quatro mil" os que acompanhavam Jesus em seu trabalho peripatético (1) fora da Galileia. Por três dias eles tanto ouviram as pregações sobre as alegrias do Reino quanto viram a realização de fenômenos que os maravilhavam. E todos proclamavam esses feitos, embora o Mestre os proibisse de contar o que viam: "Ele tem feito tudo bem; faz tanto os surdos ouvirem como os mudos falarem".

E tinham fome! Homens ainda no princípio do desenvolvimento espiritual, acusavam as necessidades mais básicas, sujeitos que estavam às vicissitudes da vida material. Jesus o sabia e se compadecia da condição dessas pessoas que contemplam as maravilhas celestiais, próprias do Espírito imortal, mas se deixam conduzir pelos impositivos do corpo perecível...

Pois não tinham o que comer, mesmo estando aquele tempo todo na companhia do Messias, o dispensador da água viva que dessendenta e sacia. Poderia ele aplacar-lhes a fome do estômago?

Na atualidade, aprendendo com os Emissários do Senhor, somos informados de que é necessário cuidar do corpo como se fôssemos viver 100 anos, e da alma como se fôssemos desencarnar amanhã - e, refletindo de nosso ponto de vista limitado pelo horizonte da matéria, julgamos que as duas atitudes são imprescindíveis ao cumprimento de nossos deveres durante a encarnação.

Mas o fato é que ainda não sabemos renunciar ao que é inferior para obtermos algo infinitamente superior, de muito maior valor. Deixamo-nos iludir facilmente pelas quinquilharias da vida material, cujo brilho dourado nos encanta, e desprezamos mais facilmente ainda o que, parecendo inalcançável, poderia - como efetivamente pode - saciar-nos por completo. E nisso, nessa nossa contradição, repousa a compaixão do Cristo.

"Se eu os mandar em jejum para casa, desfalecerão pelo caminho (...)" - diz Marcos, referindo Jesus em entendimento com seus discípulos, levando a estes argumentarem: "Como poderia alguém, aqui num deserto, saciar com pão a tanta gente?"

A história evangélica narra então a multiplicação de sete pães que lhe apresentaram, os quais o Filho do Homem abençoou e mandou que distribuíssem, o mesmo fazendo com os "peixinhos". Todos comeram e ficaram saciados e, dos pedaços que sobraram ainda recolheram sete cestos! E as quatro mil pessoas foram então despedidas.

Finalizando estas linhas, retomo a mesma interpretação desse episódio tomando por base a existência, entre nós, de uma multidão de famintos, especialmente quando notamos que a pandemia provocou o fechamento de muitas empresas e o aumento do número de desempregados. A fome grassa bem perto de nossos lares refertos, a convidar-nos a imitar o exemplo de Jesus, doando do que nos sobra na despensa, com a certeza de que aquilo não nos faltará, mas vai satisfazer bem mais àqueles que nada ou muito pouco têm.
 
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Nota

(1) Peripatético - método daquele que ensina caminhando.

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