Toca Raul!!!

Francisco Muniz



Numa de suas composições, Raul Seixas especula a respeito da morte e diz que tal fenômeno seja talvez o segredo desta vida. Agora que já está no outro lado, o roqueiro baiano deve ter finalmente encontrado a resposta que lhe diga respeito.
Mas Raul inquire, na música "Canto para minha morte" (letra abaixo), sobre qual seria o gênero de morte que o surpreenderia na curva da estrada que é esta experiência material.
É certo que cada um atrairá para si a forma de se despedir da Terra mais condizente com o modo como vive. Um alpinista pode encontrar a morte ao escalar uma montanha; um policial pode dar adeus à vida numa troca de tiros, por exemplo.
Não é, contudo uma regra geral, embora exceções muitas vezes confirmem a regra. É o que nos ensina o Espiritismo, afirmando que a questão é mais moral do que física. Assim é que dificilmente uma pessoa sedentária morreria praticando esportes radicais, dos quais manteria distância.
Morre-se como se vive, portanto, e disso a experiência de Raul Seixas pode servir de exemplo. O cantor tinha um envolvimento com drogas - lícitas e talvez ilícitas também - e foi em consequência desse vício que ele foi forçado a abandonar sua jornada terrena...

Canto para minha morte
(Raul Seixas)

Eu sei que determinada rua que eu já passei
Não tornará a ouvir o som dos meus passos
Tem uma revista que eu guardo há muitos anos
E que nunca mais eu vou abrir
Cada vez que eu me despeço de uma pessoa
Pode ser que essa pessoa esteja me vendo pela última vez
A morte, surda, caminha ao meu lado
E eu não sei em que esquina ela vai me beijar

Com que rosto ela virá?
Será que ela vai deixar eu acabar o que eu tenho que fazer?
Ou será que ela vai me pegar no meio do copo de uísque?
Na música que eu deixei para compor amanhã?
Será que ela vai esperar eu apagar o cigarro no cinzeiro?
Virá antes de eu encontrar a mulher, a mulher que me foi destinada
E que está em algum lugar me esperando
Embora eu ainda não o conheça?

Vou te encontrar vestida de cetim
Pois em qualquer lugar esperas só por mim
E no teu beijo provar o gosto estranho
Que eu quero e não desejo, mas tenho que encontrar
Vem, mas demore a chegar
Eu te detesto e amo morte, morte, morte
Que talvez seja o segredo desta vida
Morte, morte, morte que talvez seja o segredo desta vida

Qual será a forma da minha morte?
Uma das tantas coisas que eu não escolhi na vida
Existem tantas... Um acidente de carro
O coração que se recusa a bater no próximo minuto
A anestesia mal aplicada
A vida mal vivida, a ferida mal curada, a dor já envelhecida
O câncer já espalhado e ainda escondido, ou até, quem sabe
Um escorregão idiota, num dia de Sol, a cabeça no meio-fio

Oh morte, tu que és tão forte
Que matas o gato, o rato e o homem
Vista-se com a tua mais bela roupa quando vieres me buscar
Que meu corpo seja cremado e que minhas cinzas alimentem a erva
E que a erva alimente outro homem como eu
Porque eu continuarei neste homem
Nos meus filhos, na palavra rude
Que eu disse para alguém que não gostava
E até no uísque que eu não terminei de beber aquela noite

Vou te encontrar vestida de cetim
Pois em qualquer lugar esperas só por mim
E no teu beijo provar o gosto estranho que eu quero e não desejo, mas tenho que encontrar
Vem, mas demore a chegar
Eu te detesto e amo morte, morte, morte
Que talvez seja o segredo desta vida
Morte, morte, morte que talvez seja o segredo desta vida

Comentários