Despertar para a realidade espiritual

Francisco Muniz


Dizem-nos os Espíritos Superiores, através de Allan Kardec (1), que o progresso moral, ou espiritual, é bastante lento em relação ao avanço intelectual, ou material. Isso nos leva a entender que a maturidade do Espírito, naturalmente de natureza psicológica, transcende a questão biológica ou meramente intelectual, representada esta pelo acúmulo de conhecimentos, razão pela qual veem-se muitas pessoas assaz “inteligentes” mas perturbadoramente corrompidas pelos “valores” transitórios do mundo. Trata-se, portanto, de um quadro resultante da demora do ser em despertar para a verdadeira realidade da existência, descobrindo que não é apenas um homem, mas um Espírito ocupando momentaneamente a vestidura carnal e fazendo experiências no campo humano para assim ampliar sua compreensão da Verdade.

Como se percebe, esse despertamento está atrasado há pelo menos dois mil anos, porquanto o Cristo veio nos convidar a esse processo, compadecido de nossa indigência espiritual. Pediu-nos Ele que conhecêssemos a Verdade a fim de nos libertarmos da ignorância de nós mesmos. Posteriormente, a Doutrina Espírita, no esforço de nos fazer recordar as palavras de Jesus, vem nos exortar a apressar os passos na direção de tão importante conquista e nesse aspecto conclama-nos ao trabalho inadiável do autoconhecimento. E para facilitar em muito nossa tarefa de reforma interior, fornece-nos o contributo da Psicologia, para cuja ciência os homens podem ser classificados em quatro categorias: os que dormem um sono pesado, sem sonhos; os que já sonham durante esse sono milenar; os que estão semidespertos; e, finalmente, os que já despertaram de seu sono e vivem a Verdade conscientemente.

Despertar é, pois, necessidade de suma importância para o Espírito imortal, tanto para romper as barreiras limitadoras da matéria quanto para renovar o cabedal de conhecimentos, tornando-se apto para o reconhecimento das peculiaridades da Vida, na realidade do Mundo Espiritual, avançando um degrau na senda do progresso. É disso que trata o Espírito Manoel Philomeno de Miranda no último capítulo de seu livro Reencontro com a Vida, obra psicografada pelo médium Divaldo Franco. Nesse capítulo, finalizado pelo depoimento mediúnico de um certo Praxedes Pacífico (2), o Autor espiritual enfatiza que a permanência do Espírito nos graus evolutivos inferiores faz com que ele “volte a experimentar os impulsos primários que o aturdem”, de modo que a cada existência precisa ele se esforçar para superar esse condicionamento.

Somente assim, com o aprendizado consciente, é que logrará a criatura romper as grossas camadas de inferioridade que a caracterizam, libertando-se a pouco e pouco da sensualidade que é a prisão dos sentidos a produzirem as “descargas de energias deletérias” que afetam o campo mental e impregnam negativamente o perispírito, de forma que, uma vez desencarnada, vê-se ainda experienciando as mesmas impressões de baixo teor. É como um quarto escuro do qual só se sairá pela adoção de algumas disciplinas, a começar pela vontade de superar essa situação aflitiva, prosseguindo pela terapias correspondentes ao despertamento para a realidade espiritual, junto com o “esclarecimento verbal e a emissão da ternura, da compaixão e do amor” junto ao ser desencarnado.

Ao narrar sua dolorosa experiência, o Espírito Praxedes Pacífico conta ter sido um desses que, na carne, viveu como num escafandro, movido pelos automatismos do corpo denso que não necessitam de reflexão para expressar-se. Advinda a morte, viu-se preso a muito mais angústias que antes, sem que a mente, literalmente apagada, lhe permitisse identificar o que havia ocorrido. Somente quando, um dia, sentiu-se atraído ou arrastado para uma reunião mediúnica é que começou a ter sua situação melhorada. Primeiro, nada entendeu das orientações recebidas e as diferentes sensações experimentadas no choque anímico eram como chicotadas. Depois, sentia como que perdendo as camadas grosseiras do corpo espiritual e assim conseguiu adormecer.

“Nesse sono tumultuado pelos sonhos infames das minhas dissipações, continuei sofrendo até o momento em que acordei visitado por um médico que gentilmente me explicou a ocorrência da morte sem a perda da vida” – revelou Praxedes, informando que após esse encontro foi novamente encaminhado à terapêutica do intercâmbio espiritual e então o choque anímico já não era tão violentamente recebido, porquanto “sentia como que uma força benéfica saísse da pessoa que traduzia minha palavra, desgastando as camadas mais internas que me faziam estertorar”. Veio enfim o despertamento para a vida, fazendo-o mudar o conceito até então abraçado, de que a vida era unicamente aquela de natureza orgânica. Desse modo, Praxedes se preparou para retornar à esfera física, disposto a trazer para a encarnação “outros agentes pensantes” para fazer da “matéria bendita não mais um escafandro pesado”, mas “um corpo airoso que possa flutuar na densa psicosfera da carne.

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Notas:

(1) – Terceira parte de O Livro dos Espíritos, questões 779 e seguintes, alusivas à marcha do progresso.
(2) – Pseudônimo do Espírito que comunicou-se por Divaldo Franco logo após a mensagem de Philomeno, na noite de 18 de janeiro de 2006, no Centro Espírita Caminho da Redenção, em Salvador.

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