Francisco Muniz
Em certo trecho de sua famosa composição “Tropicália” (letra abaixo),
Caetano Veloso canta que “domingo é o fino da bossa, segunda-feira está na
fossa, terça-feira vai à roça...”, levando-nos a pensar nos três tempos da
evolução espiritual do homem. Com efeito, há um tempo em que só pensamos em nos
divertir, vivendo num eterno domingo, até que nos cansamos de perder tempo
farreando e caímos deprimidos, em lassidão, “na fossa”, em plena segunda-feira
propiciadora de reflexões; é então que começamos a despertar para a realidade e
procuramos conhecer a verdade, passando a trabalhar incansavelmente em nós
mesmos para conquistar a tão sonhada felicidade. Vem, então, nossa terça-feira
na roça das boas realizações e só aí encontramos o sentido da vida e o verdadeiro
prazer que ela proporciona, ao semearmos o bem a fim de colhermos os frutos
doces da consciência tranquila pelo dever cumprido.
Esses tempos psicológico-evolutivos podem ser compreendidos
melhor ao folhearmos as páginas de O
Evangelho Segundo o Espiritismo, onde no tópico referente à Lei de Amor
(cap. XI, item 8), o Espírito Lázaro proclama estas palavras: “No seu início, o
homem não tem senão instintos; mais avançado e corrompido, só tem sensações;
mais instruído e purificado, tem sentimentos (...)”. É devido aos instintos,
portanto, que nós nos entregamos exageradamente aos divertimentos, buscando os
prazeres fugidios, uma vez que eles, atendendo quase que unicamente à saciedade
dos apetites do corpo - comer, beber, gozar -, ainda inconscientes quanto à
realidade do Espírito imortal. Tudo é questão de amadurecimento espiritual,
como se percebe, que só se consegue à custa de muito esforço, pelo acúmulo de
experiências voltadas para o auto aperfeiçoamento.
No entanto, o corpo é de natureza animal, isto é, vinculado
à etapa evolutiva imediatamente anterior do Espírito, quando então este apenas experimentava como princípio espiritual; como se sabe e reafirma o
escritor mineiro João Guimarães Rosa, “o animal satisfeito dorme” (1), uma vez
saciadas suas necessidades de sobrevivência. Mas como o ser pensante é algo
além do corpo, ele se move também pelo impulso das sensações e das emoções
primárias e são estas que provocam tanto a inquietude ante os rigores da vida
quanto o cansaço advindo das experiências repetidas sem um resultado
satisfatório. Percebe-se então qual deve ser o esforço que o homem, Espírito
momentaneamente encarnado, precisa empreender a fim de se libertar das amarras materiais
e galgar conscientemente os degraus evolutivos através de seu desenvolvimento
moral.
É preciso, pois, dar ao corpo a atenção que ele merece, em
vez de lhe dar tudo que queira. Acontece, porém, que, corruptível, esse mesmo
corpo que serve de instrumento ao aperfeiçoamento moral do homem também o brutaliza
Tropicália
(Caetano Veloso)
"Quando Pero Vaz Caminha
Descobriu que as terras brasileiras
Eram férteis e verdejantes,
Escreveu uma carta ao rei:
Tudo que nela se planta,
Tudo cresce e floresce.
E o Gauss da época gravou".
Sobre a cabeça os aviões
Sob os meus pés os caminhões
Aponta contra os chapadões
Meu nariz
Eu organizo o movimento
Eu oriento o carnaval
Eu inauguro o monumento
No planalto central do país
Viva a Bossa, sa, sa
Viva a Palhoça, ça, ça, ça, ça
Viva a Bossa, sa, sa
Viva a Palhoça, ça, ça, ça, ça
O monumento
É de papel crepom e prata
Os olhos verdes da mulata
A cabeleira esconde
Atrás da verde mata
O luar do sertão
O monumento não tem porta
A entrada é uma rua antiga
Estreita e torta
E no joelho uma criança
Sorridente, feia e morta
Estende a mão
Viva a mata, ta, ta
Viva a mulata, ta, ta, ta, ta
Viva a mata, ta, ta
Viva a mulata, ta, ta, ta, ta
No pátio interno há uma piscina
Com água azul de Amaralina
Coqueiro, brisa e fala nordestina
E faróis
Na mão direita tem uma roseira
Autenticando eterna primavera
E no jardim os urubus passeiam
A tarde inteira entre os girassóis
Viva Maria, ia, ia
Viva a Bahia, ia, ia, ia, ia
Viva Maria, ia, ia
Viva a Bahia, ia, ia, ia, ia
No pulso esquerdo o bang-bang
Em suas veias corre
Muito pouco sangue
Mas seu coração
Balança um samba de tamborim
Emite acordes dissonantes
Pelos cinco mil alto-falantes
Senhoras e senhores
Ele põe os olhos grandes
Sobre mim
Viva Iracema, ma, ma
Viva Ipanema, ma, ma, ma, ma
Viva Iracema, ma, ma
Viva Ipanema, ma, ma, ma, ma
Domingo é o fino-da-bossa
Segunda-feira está na fossa
Terça-feira vai à roça
Porém...
O monumento é bem moderno
Não disse nada do modelo
Do meu terno
Que tudo mais vá pro inferno
Meu bem
Que tudo mais vá pro inferno
Meu bem
Viva a banda, da, da
Carmem Miranda, da, da, da, da
Viva a banda, da, da
Carmem Miranda, da, da, da, da
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