Nádia, ou O noivo equivocado

Francisco Muniz


“Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim que sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para as vossas almas.”

(Mateus, 11:28 a 30)


Eliakim, o prometido de Nádia, não via com bons olhos a mudança operada no comportamento de sua amada desde que o tal profeta nazareno aparecera em Jerusalém. A moça efetivamente não era mais a mesma, agora andava arredia, cismadora, os olhos estranhamente tristes, com um brilho diferente no olhar. Que sortilégio a transformara assim? Fora ele, esse tal Jesus de Nazaré, o responsável por isso? Tinha de ser, pensava Eliakim, pois sua Nádia, com quem se casaria tão logo ele preparasse o dote dos esponsais, era uma menina doce mas dinâmica, apaixonada e apaixonante, e ele sentia-se correspondido em seus afetos. No entanto...

Nádia era, sim, simpatizante do Nazareno e não perdia oportunidade de ouvir suas belas lições, quando o podia, despreocupando-se de todo o resto. Jovem obediente aos reclamos de seus pais, sendo cumpridora de seus deveres familiares, ainda assim entendia ser muito mais importante renovar seus sentimentos e ideais com os ensinos proporcionados por aquele Jesus que ela já amava acima de tudo, vendo nele a expressão da Divindade, reconhecendo-O de fato como o Filho de Deus. Um dia, pensava, seu amado Eliakim também se entregaria a esse amor maior que o mundo, tão grande quanto inexplicável que tomava todo seu ser, e a vida a dois seria então completa.

O que ela não sabia, porém, é que seu prometido, entregue às perturbações próprias de sua personalidade insegura, seguia-a de longe e observava, à distância, como Nádia se misturava à turba de maltrapilhos que se amontoava para ouvir e ver o tal Profeta. Eliakim não compreendia como tanta gente se deixava enfeitiçar pelas estranhas palavras daquele homem que falava de um reino que não era da Terra, mas que poderia ser construído no próprio coração dos interessados. “Como?”, ele se perguntava, em meio às angústias do ciúme e da inveja, acrescidas pela irritação e pela revolta em que se consumia.

Mas as emoções desencontradas não o deixavam raciocinar e as palavras do Nazareno não penetravam sua mente a não ser para aumentar ainda mais seu desespero, uma vez que cada palavra ouvida era como uma punhalada em seu próprio peito e nessa comoção ele pensava que sua Nádia, assim como lhe acontecia, também estava enlouquecida por causa daquele homem. Era preciso fazer algo ante tal perigo e assim Eliakim elaborou um plano: primeiro, tentaria demover sua amada quanto a continuar nessa loucura; caso não lograsse êxito, recorreria até mesmo às autoridades do Templo, buscando salvar sua noiva, uma vez que os pais dela pareciam não se importar com esse fato, pois lhe diziam que Nádia, sempre ajuizada, estava mais colaborativa, muito mais responsável que antes, aparentando ter amadurecido muito nesses últimos tempos, creditando tudo isso à proximidade do casamento e não aos estranhos ensinamentos do Profeta.

Pois bem, foi com o coração oprimido por cruéis pensamentos que Eliakim afinal procurou pela noiva amada e lhe falou, com ela altercando, presa das mais angustiosas emoções, nestes termos:

– Nádia, como futuro marido teu, não admito e mesmo te proíbo que continues ouvindo as idéias loucas desse profeta insensato. Como minha prometida e, brevemente, minha esposa, terás de me obedecer!

Nádia, contudo, apresentava-se serena e firme, confundindo Eliakim:

– Já não tens esse poder, meu querido – disse ela, demonstrando profunda compaixão por seu prometido –, pois agora compreendo a Verdade e já sirvo ao Cristo com toda a força de minha alma. E tu me darias grande alegria se compartilhasses desses santos ideais, já que tocaste neste assunto, que vejo ser unicamente da esfera pessoal de cada um. Lamento que estejas tão contrariado, mas se compreenderes do que se trata estar com Jesus, que me ensina a amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a mim mesma, certamente mudarias de idéia e, juntos, seríamos felizes em nossa união futura...

Eliakim não a deixou terminar, bradando raivoso:

– Nunca, Nádia! Não posso dividir-te com outro homem nem por pensamento! Tu és minha. Minha! Não participarei dessa loucura! Estás enfeitiçada por esse profeta que perturba nossa gente e desagrada aos nossos maiores! Ele te desgraçou! Eu te ordeno que te apartes dele o quanto antes!

Porém a moça mantinha-se serena e seu olhar tranquilo transtornava ainda mais o espírito inquieto de seu noivo, que num ímpeto violento distende os braços na direção do pescoço da moça. Seus olhos injetados deixavam transparecer um brilho estranho que lhe modificava as feições e seu rosto, então, era um misto de horror e desespero a inspirar medo e pavor. Nádia, no entanto, com sua serenidade impassível deteve-o no gesto impensado, com sua voz firme e carregada de potente magnetismo:

– Pelo Cristo, nosso Senhor, não te atrevas!

Aquelas palavras paralisaram Eliakim e suas intenções. Num gesto brusco, ele liberta-se da constrição que o retivera por um segundo e foge pelas ruelas daquela parte de Jerusalém e some na noite, enquanto Nádia, envolta em pranto, retorna à casa de seus pais.

Mas naquela noite mesmo o noivo tresvariado correu na direção do Templo, onde buscou entrevistar-se com o Sumo Sacerdote, oferecendo-se para facilitar a prisão do tal Jesus, pois sabia onde encontrá-lo. O homem poderoso à frente, contudo, disparou uma gargalhada que desconcertou Eliakim:

– Tolo! – disse ele – Tu chegas muito tarde. Já entramos em combinação com um dos seguidores desse Jesus e esta noite mesmo ele estará em nossas mãos. Vai-te!

Expulso do Templo, Eliakim deixa-se ficar nas cercanias e logo observa o movimento dos soldados que trazem o Profeta preso, que a partir daquele momento experimentaria a sanha dos homens maus e ofereceria a própria vida em sacrifício para a redenção da Humanidade.

Quanto a Nádia, ela acompanha os acontecimentos que se desdobram após a prisão do Mestre e presencia, destemida, sua morte infamante na cruz, assim como estaria, mais tarde, entre as mulheres que no terceiro dia após a crucificação foram ao sepulcro e exultaram com a notícia da ressurreição do Senhor. Nascia ali, em seu coração, a certeza quanto às palavras ouvidas de seu Mestre tão querido, pois não era somente a consolação que Ele trazia ao mundo, aos homens que se dispusessem a ouvi-lo. Era, sobretudo, a informação verdadeira acerca do Reino nos Céus, o reino de Deus que se instala na alma daquele que escuta e realmente ouve, que vê e verdadeiramente enxerga a Realidade do Espírito imortal. Nascia no coração de Nádia, portanto, seu compromisso com o Cristo, um compromisso do qual ela não se desviaria jamais e no qual incluía seu amado Eliakim, a quem, sabia no íntimo de seu ser, estava ligada pelos imponderáveis laços do amor e resgataria, um dia, dos braços da impenitência para enfim libarem a felicidade a dois, em nome daquele que é, para sempre, o Caminho, a Verdade e a Vida...

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