As duas faces cruéis do egoísmo


Francisco Muniz




F
oi durante uma atividade no Grupo de Autoconhecimento que surgiu a dúvida: egoísmo é não fazer nada pelos necessitados do caminho ou fazer esperando retribuição? Mas depois de um pouco de reflexão e constante meditação, a resposta veio clara como vidro translúcido: de uma forma ou de outra, será sempre egoísmo, a considerar-se o ensino de Jesus na parábola do bom samaritano e também a orientação do mentor espiritual Emmanuel, que recomenda fazermos caridade mesmo com segundas intenções, porque assim vamos nos acostumando com esse procedimento e quando menos notarmos já estaremos agindo desinteressadamente. Mas convém examinarmos mais detidamente esses dois tipos de comportamento, o da omissão e o da exploração. 
Segundo o que expõe Allan Kardec nos capítulos iniciais de O Evangelho Segundo o Espiritismo, cada geração tem seu vício que a perderá e sua virtude que a salvará, acrescentando que a virtude de nossa geração é o progresso intelectual, responsável pelo conforto material que experimentamos; em contrapartida, o vício que nos perde, desde o século XIX, é a indiferença moral. Ou seja, pouco ou nada nos interessamos pela condição sofrida dos companheiros de jornada evolutiva, principalmente se eles não fazem parte de nosso círculo mais próximo de parentes e amigos diretos. É como se transitássemos unicamente entre o lar e o ambiente de trabalho, em linha reta e de olhos fechados, como o sacerdote e o levita da parábola de Jesus. Consideremos, então, que procedendo assim o coração estará mais fechado que os olhos, voltado para si mesmo, para o ganho da própria vida. O Mestre Nazareno, no entanto, avisa-nos que aquele que quiser ganhar sua vida irá perdê-la...
Se esse posicionamento egóico já se mostra por si mesmo cruel, denotando a inferioridade moral de quem por ele se guia, o da exploração o é ainda mais, porquanto tirar vantagem da condição sofredora de alguém é afrontar sua dignidade, escravizando-o, muitas vezes, a uma situação deprimente que a caridade tem por dever minorar o quanto possível. Uma outra passagem do Evangelho chama a atenção para esse procedimento equivocado: trata-se da parábola do credor incompassivo, que teve suas dívidas perdoadas pelo Senhor mas foi incapaz de agir de igual modo para com um seu devedor, mandando-o para a cadeia embora este lhe pedisse a mesma clemência que ele pedira e tivera do Senhor, que ao saber disso o puniu severamente.

No entanto, como Deus não se empobrece de compaixão, nós somos continuamente beneficiados com a oportunidade e os recursos necessários para a renovação íntima através da dedicação às obras beneméritas que no fim das contas resultarão em crescimento espiritual. Em sua magnanimidade, o Pai amantíssimo e ainda muito pouco amado por seus filhos desatentos, prossegue convidando-nos ao complemento de sua Obra perfeita, mas inacabada, fazendo tudo a “cada um dos pequeninos de meu Pai”, conforme pede Jesus. Afinal, como bem ponderou nosso Mestre, qual é o pai que, vendo seu filho com fome, em vez de um pão lhe dá uma pedra? Aprendamos, portanto, a ver em cada um dos necessitados do caminho, sejam eles encarnados ou desencarnados, como um filho querido que precisa de nosso amparo, de nossa compaixão, exatamente como Deus procede junto a cada um de nós, uma vez que a maior dádiva que ele nos concedeu é a capacidade de doar. E doar não dói!

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