Francisco Muniz
"Um jovem foi aceito no noviciado de um convento da nossa Ordem. Depois de pouco tempo, esse noviço adoeceu gravemente e chegou à beira da morte. Mas não fizera, como é de costume da nossa Ordem, uma confissão geral ao abade, porque este estava ausente. Como esperasse com grande ansiedade, mas o abade não chegasse, confessou todos os seus pecados ao prior. Assim chegou a sua última hora, antes que o abade regressasse. Mas naquela mesma noite, quando o abade dormia numa casa fora do mosteiro, apareceu diante de sua cama o espírito do falecido pedindo humildemente que lhe fosse permitido confessar-se.
– Ouvirei com prazer – respondeu o abade ao noviço; o jovem confessou todos os seus pecados, da mesma maneira e sequência como confessara ao prior. Seu arrependimento era tão grande que as lágrimas do noviço caíram no peito do abade, pois estava debruçado sobre ele durante a confissão. Depois de tudo cumprido, disse estas palavras: – Agora vou com vossa bênção, pai; se não tivesse confessado convosco, não teria podido me salvar.
Diante dessas palavras o abade acordou, e quis comprovar se a aparição fora real, ou, como seguidamente acontece, apenas um produto da imaginação. Apalpou o hábito no peito e viu que estava todo molhado de lágrimas. Ficou muito admirado, e quando ao regressar para casa contou tudo ao prior, este respondeu:
– A aparição foi verdadeira, e a confissão também, palavra por palavra."
I

Como se percebe e os espíritas conhecemos de sobejo, Allan Kardec tinha razão ao dizer, na introdução de O Evangelho Segundo o Espiritismo, que o espiritismo é de todos os tempos. Mas é claro que o Codificador se refere aí ao espiritismo que significa simplesmente o intercâmbio com os seres invisíveis, porquanto o Espiritismo como Doutrina codificada só seria revelado aos homens seis séculos depois do episódio descrito acima. Também é fácil notar que o século XIX representava os tempos propícios preditos no Evangelho, uma vez que a mentalidade humana já se encontrava suficientemente amadurecida para recepcionar a Terceira Revelação, enquanto o psiquismo da Idade Média ainda se mostrava eivado de superstições, marcando o império da fé cega.
O contato com os Espíritos somente sofreu maior perseguição e proibição quando a Igreja decidiu combater os “hereges” albigenses, no Sul da França, conforme relata o escritor espírita Hermínio Miranda em seu livro Os Cátaros e a Heresia Católica, revelando que os papas que se sucederam na ocasião (o mesmo século XIII) iniciaram aí os horrores da Inquisição, depois que fracassaram os meios intimidatórios – dentre eles uma Cruzada armada contra pessoas que só queriam viver o Evangelho em sua essência mais pura, livre dos dogmas instituídos pelos religiosos comprometidos com o poderio de Roma. Segundo a pesquisa de Hermínio Miranda, constava da prática dos cátaros o intercâmbio espiritual, do mesmo modo como hoje o Espiritismo recomenda, ou seja, o exercício mediúnico gratuito, discreto e em ambiente privativo.
A conclusão que se tira é que, como atesta a equipe do Projeto Manoel Philomeno de Miranda no livro Estudando o Livro dos Médiuns, “durante toda a história da Humanidade a comunicação entre os Espíritos e os homens fez-se de modo corrente” e somente pela razão de que todos os homens são médiuns “em menor ou maior grau”, segundo a conceituação de Allan Kardec. De outra forma os seres incorpóreos não poderiam agir sobre a matéria, sendo os médiuns, portanto, o meio possibilitador da ação espiritual junto aos homens, ajudando-os ou, conforme a natureza inferior dos Espíritos, interferindo em nosso equilíbrio psico-físico.
Há aí, como se percebe, toda uma ciência a ser aprendida e foi a isso que Kardec dedicou seus últimos anos, convocando-nos a também debruçarmo-nos sobre a interação das duas realidades, a material, ou física, e a espiritual, como forma de compreendermos nossa dupla natureza e os processos que nos faz reconhecer como entidades trinitárias, compostas do corpo material e de um corpo espiritual, ao qual o Codificador nomeou perispírito, envoltório semi-material do Espírito. É nessa interação que se desenvolvem os processos de comunicação entre os dois mundos, promovendo fenômenos psíquicos e físicos que atestam a existência no homem de variadas faculdades mediúnicas, importando seu estudo e compreensão para o bom exercício dessas mesmas faculdades, sob a condução dos Bons Espíritos que em nome de Jesus querem nos orientar.
Comentários
Postar um comentário
Abra sua alma!