O primeiro doutrinador

Francisco Muniz



Aprendemos, com Allan Kardec, que o Espiritismo é uma ciência filosófica de consequências moralizantes que trata das relações entre o mundo material e o mundo dos Espíritos. Como filosofia, o Espiritismo nos leva a pensar sobre os fatos espíritas observados na realidade física, eminentemente fenomênica, possibilitando a elaboração de hipóteses que somente pela utilização da ferramenta chamada mediunidade poderão ser comprovadas ou afastadas, conforme o Codificador pondera em O Livro dos Médiuns.
Fazemos esse preâmbulo numa tentativa de facilitar a compreensão em torno do pensamento segundo o qual o médium psicofônico é o primeiro doutrinador do Espírito comunicante. Essa expressão causa estranheza e pruridos no médium esclarecedor, também denominado doutrinador, talvez por ver comprometida sua função na tarefa mediúnica, como se houvesse a possibilidade de perder seu "emprego". Nada disso. O fato é que, recepcionando o comunicante em seu campo vibratório, o psicofônico oferece-lhe as condições preparatórias e facilitadoras da atuação do esclarecedor.
O relato que apresentamos abaixo, feito por um médium psicofônico e observado no início do intercâmbio mediúnico, pode dar uma explicação um tanto quanto satisfatória, mas ficará a critério de cada um o estudo que levará às melhores conclusões em torno de tão palpitante questão, que envolve a ação de diferentes faculdades anímicas e mediúnicas, tais o desdobramento, a clarividência e a clariaudiência, principalmente.
Eis a narrativa:
"Eu vi o Espírito - detesto a palavra "entidade"! - e ele estava sujo, reclamava de dores. Dispus-me a ajudá-lo e nesse momento ele saiu correndo. Fui atrás dele e chegamos à frente de um hospital. Ele me disse que estava ali, mas ninguém lá dentro parecia se importar com seu caso - e ele precisava de ajuda! Entramos no hospital e fomos procurar pelo local onde ele (o corpo dele) estaria. Como não encontrássemos nenhuma pista, ele saiu do hospital e eu fui atrás. Atravessamos uma grande avenida, com duas pistas, pelo meio dos carros.
"Do outro lado, avistamos um prédio muito simples com uma porta fechada. Abrimos a porta e entramos e lá dentro havia um grande salão muito iluminado e cheio de camas. Então eu disse ao Espírito que devíamos deitar numa dessas camas, afirmando que eu estava muito cansado. Ele fez isso e, depois de descansar um pouco, virei-me para ele e disse que ele ficasse ali mais um pouco porque alguém viria ajudá-lo e eu precisava trabalhar.
"Deixei ele lá e retomei meu corpo, no Centro Espírita onde trabalho e naquele momento me preparava para atuar na tarerfa mediúnica. Logo em seguida, o mesmo Espírito entrou em meu campo e começou a dar sua comunicação..."
Esse relato faz recordar os registros de pesquisadores brasileiros como L. Palhano Jr., no Espírito Santo, e Luiz Gonzaga Pinheiro, no Ceará, em experiências que remontam àquelas realizadas pelo próprio Allan Kardec na Sociedade de Estudos Espíritas de Paris, durante as quais médiuns videntes descreviam o aspecto das entidades comunicantes, enquanto outros, desdobrados, descreviam cenas do plano espiritual confirmando as comunicações recebidas. As páginas da Revista Espírita e também de O Livro dos Médiuns trazem vários exemplos disso.
Como se percebe, a narrativa do médium psicofônico feita mais acima em nada contrapõe a atuação do médium doutrinador, que realiza seu exercício no momento propicio, mesmo sem ter a "vantagem" de visualizar a entidade comunicante e suas condições. No entanto, para que seu trabalho se dê a contento, suprindo a aparente "desvantagem" em relação ao colega psicofônico, ele precisa estar esclarecido quanto a seu mister e, durante a função, ligar-se ao mentor espiritual a fim de receber as boas inspirações.
Assim, ainda que o médium psicofônico seja visto e proclamado como "o primeiro doutrinador", o esclarecedor não pode descurar de seu papel, desdourando a importância do intercâmbio mediúnico, para o qual foi chamado a título de confiança com a finalidade de adquirir méritos através de sua dedicação, que deve ser sexecutada tanto humilde quanto competentemente. Porque também sobre ele pesam as ponderações do Espírito Ferdinando no último tópico do capítulo VII de O Evangelho Segundo o Espiritismo ("Bem-aventurados os pobres de espírito").
Nesse tópico, intitulado "Missão do homem inteligente na Terra", Ferdinando faz uma pergunta que deve merecer profunda reflexão por parte dos médiuns, especialmente dos doutrinadores: "A natureza do instrumento não indica o uso que dele se deve fazer?". Ora o instrumento do doutrinador é a palavra que esclarece e consola, que ele deve manejar com cuidado e carinho, estando atento para não ferir suscetibilidades nem deixar de usá-la a bem do comunicante. Mas vale ver toda a mensagem de Ferdinando para bem cumprirmos nossas funções junto aos espíritos, a fim de não nos vermos nas condições descritas naquele texto...

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