Ninguém é profeta em sua terra

Elsie Dubugras
(recolhido da Revista Internacional de Espiritismo n.º 4 (Ano L), de maio de 1975)

Kardec não foi nenhuma exceção, pois, na França, o Espiritismo, depois de um século de ensinamentos, ainda gatinha e a casa que abrigou o Espiritismo nascente - a famosa Maison des Spirites - não encontrou um grupo de pessoas suficientemente interessadas em conservá-la. Ela desapareceu e a Sociedade dos Amigos da "Maison des Spirites" foi dissolvida. Isto aconteceu há cerca de três anos, após uma lenta agonia, durante a qual o então diretor, Hubert Forestier, lutou com dificuldades financeiras e outras. Finalmente, com seu desencarne, a "Maison" também fechou os olhos para o mundo e aquilo que deveria ter sido conservado como um museu espírita, um monumento vivo ao Codificador, desapareceu...
A "Maison" foi fundada em 1923. A casa foi doada ao Espiritismo francês pelo seu grande admirador, Jean Meyer, o vice-presidente da Federação Internacional Espiritualista, que a usou, primeiramente, como um centro de pesquisas. Durante a ocupação de Paris pelas tropas alemãs, na 2.ª Guerra Mundial, a casa não só sofreu grandes danos como também foi saqueada e grande parte de seu importante arquivo, destruída ou dispersa. Felizmente para o mundo espírita, uma parte desse precioso acervo caiu nas mãos de um brasileiro espírita - o Dr. Canuto de Abreu - que trouxe tudo que conseguiu para o Brasil, onde ainda se encontra.
Terminada a Grande Guerra, o governo francês concedeu um pequeno auxílio para a reconstrução da "Maison des Spirites". Era insuficiente, mas os leitores da "Revue Spirite" reuniram-se e conseguiram os fundos que precisavam para restaurá-la, regendo o modelo espírita.
Durante minha estadia em Londres, tive em mãos uns velhos números do "Psychic News" e, com grande curiosidade, li sobre a visita de um membro da equipe desse importante jornal espiritualista à "Maison", antes de seu fechamento. Diz ele que estava em Paris e resolveu conhecer o quase berço do Espiritismo, visitando a "Maison" na Rue Copernic n.º 8. Encontrou a antiga casa de cinco andares, numa bela localização - uma avenida elegante e arborizada. Mas a casa nada tinha de elegante. A porta da frente consistia de dois portões de ferro e ao lado via-se uma velha tábua pintada avisando que este era um Centro Espírita para Estudos e Conhecimentos. A porta dava acesso a uma imponente escadaria, mas o interior do prédio cheirava a mofo, o teto estava descascando e a decoração das paredes consistia de grande espelhos com molduras douradas. Felizmente, não esqueceram o Codificador. Na lareira via-se um busco de Kardec, em mármore negro, e, bem no alto da parede, um retrato, também de Kardec. O salão de conferências era espaçoso, com cerca de 250 lugares, mas só entrava quem pagava 7 francos (pelo câmbio de hoje [1975], cerca de Cr$7,00).
O repórter, que queria presenciar uma "sessão" naquele histórico lugar, comprou seu bilhete e aguardou os acontecimentos. Diz ele que na sala só se viam pessoas idosas - nenhum jovem apareceu! Afinal chegou a grande hora. Subiu à tribuna uma senhora que dissertou durante uma hora sobre a ciência de ler a vida e o caráter das pessoas pelas linhas das mãos! Desenhou a Linha da Vida, do Coração, etc. etc. no quadro negro. Isto durante uma hora... Ansioso, o repórter esperou pela segunda parte da sessão que seria um "show" de clarividência. O médium que subiu à tribuna era a "clarividente". Ela começou por tocar uma sineta, explicando à assistência e ao atônito repórter que era sua forma de conseguir uma "melhor ligação com os Mentores, os grandes e iluminados espíritos que se encontravam no salão"...
A clarividência foi, primeiramente, bastante banal mas melhorou quando o médium descreveu o desencarne de um operário que havia perecido num acidente rodoviário, pessoa conhecida de um dos assistentes. Mas o que mais surpreendeu o repórter foi que ela falou de futilidades, sem pausa, durante noventa minutos e nem sequer tomou um gole de água!!!
Não é com o espírito de crítica que transcrevemos as impressões desse repórter espiritualista que foi lá para conhecer como o Espiritismo é praticado na França. Mas suas impressões nos ajudam a compreender porque a "Maison des Spirites" não encontrou cobertura espiritual para continuar suas atividades. Aceitemos isto como uma lição para nós mesmos...
Londres, março de 1975.

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