Música & mensagem: Cajuína

Francisco Muniz


Cajuína 
(Caetano Veloso)


Existirmos, a que será 
que se destina?
Pois quando tu me deste
a rosa pequenina
vi que és um homem lindo
e que se acaso a sina
do menino infeliz não se
nos ilumina
tampouco turva-se
a lágrima nordestina
apenas a matéria vida
era tão fina
e éramos olharmo-nos
intacta retina
a cajuína cristalina em Terezina

***

Há nessa composição de Caetano Veloso um questionamento que se enquadra nos postulados do Espiritismo, doutrina que melhor explica alguns, senão todos, os cometimentos da vida humana, pela coerência lógica de seus argumentos. "Existirmos, a que será que se destina?", assim, equivale a perguntar qual o sentido da vida, por que estamos aqui, qual a razão de nossas dores, por que uns sofrem enquanto outros aparentam ser felizes - e todas as indagações que faz\em os filósofos e poetas gastarem rios de tinta na tentativa de apresentar uma noção convincente do que seja a vida física e levar alguma consolação a quem se debate nas aflições da dúvida.
Mas de que modo o Espiritismo explica a existência  (do Homem) e sua finalidade? Antes de passarmos, porém, aos argumentos espíritas, talvez seja útil citarmos as palavras de Mário Sérgio Cortella, professor de Filosofia na PUC-SP. Em artigo publicado (há alguns anos) no suplemento Folha Equilíbrio do jornal Folha de S. Paulo, o filósofo afirma que "não nascemos prontos", posto que são as experiências adquiridas, as vivências, o aprendizado constante que nos condicionam o aproveitamento desta vida.
Isso implica dizer que o sentido da vida é nosso aperfeiçoamento, o preenchimento do vaso vazio que seríamos com uma série de acontecimentos positivos e negativos, construídos por nós ou por nós mesmos atraídos. O pensamento de Cortella, entretanto, só é aceitável se não levarmos em conta a preexistência do espírito. Aceitando tal verdade, porém, entendemos que o professor paulista só em parte resolveu o enigma.
Ao renascer na carne, o ser espiritual traz consigo a soma dos conhecimentos acumulados em suas jornadas pregressas e, malgrado o esquecimento de seu passado, lampejos dessas experiências vêm à tona da consciência quando o Espírito tem a necessidade de revivê-los. Outras vezes, mais raras, o novo ser renascido recorda-se dos conhecimentos adquiridos anteriormente e os expressa naturalmente - e eis a explicação para o fenômeno das crianças superdotadas, ainda que os materialistas argumentem, erroneamente, que tudo se deva aos estímulos cerebrais.
De volta ao nosso tema, o sentido da existência, então, é o cumprimento da lei de evolução, explicitado nas ações humanas que levam ao progresso intelectual e, principalmente, ao aprimoramento moral. Nesse aspecto, o Homem pode mesmo, como quer o professor Cortella, ser considerado uma pedra bruta que se vai lapidando a si próprio até apresentar-se um translúcido diamante, revelando toda sua essência espiritual, de origem divina.
Neste ponto abrimos espaço pra as palavras de Léon Denis, o grande pensador espírita, que em seu livro "O problema do ser, do destino e da dor" esclarece-nos muito bem a respeito desta questão. Tratando da reencarnação, Denis diz que "graças a ela, cada qual aprende a vigiar-se a si mesmo, a acautelar-se a preparar cuidadoso o seu futuro".
Com isso podemos compreender e responder à indagação do compositor baiano, novamente fazendo eco às palavras de Léon Denis: "Tal o destino da alma humana, nascida na fraqueza, na penúria das faculdades e dos meios de ação, mas chamada, elevando-se, a realizar a vida em si mesma, em toda a plenitude; a alcançar todas as riquezas da inteligência, todas as delicadezas do sentimento, tornando-se um dia colaboradora de Deus. Essa a missão do ser e seu grandioso objetivo: colaborador de Deus, isto é,m destinado a realizar em torno de si, em missões cada vez mais grandiosas, a ordem, a justiça, a harmonia; a atrair seus irmãos inferiores, a conduzi-los às divinas eminências, a subir com eles, de esfera em esfera, para o supremo objetivo, para Deus - o Ser perfeito, lei viva e consciente do Universo, eterno foco de vida e de amor".

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