João Batista e as veredas do Senhor

Francisco Muniz
(em lembrança do mês de junho)

A vinda do Messias ao mundo já era prevista havia muito tempo. Diversos profetas dos tempos antigos dos hebreus deixaram indicativos do Advento, sendo um dos mais enfáticos o profeta Isaías. Segundo este, nos tempos preditos apareceria aquele que viria "aplainar os caminhos do Senhor". Com tal expressão, Isaías falava do Batista, o profeta João que conclamava os judeus de sua época a abdicarem dos comportamentos contrários à ética e à moral, por se encontrar próximo o Reino de Deus.
João era primo de Jesus, uma vez que sua mãe, Isabel, era também prima de Maria, a mãe do Senhor. Antes que João realizasse sua missão, ele e Jesus tiveram diversos encontros, como na ocasião descrita por Humberto de Campos, Espírito, no livro Boa Nova, psicografado por Chico Xavier. De acordo com esse autor espiritual, nesses encontros eles traçavam os planos que concretizariam mais tarde, com a finalidade de conquistar adesões sinceras à proposta do Evangelho.
João, contudo, não apareceria fortuitamente ao planejamento idealizado pelo Cristo. Ele tinha uma história reencarnatória digna de registro. Seiscentos anos antes do Advento, caminhava pelas terras da Palestina o profeta Elias, o qual manifestava grande consideração pelo Deus único de Israel, ao ponto de afrontar o culto aos deuses pagãos, prática comum àquela época entre os povos politeístas. Um desses deuses era Baal, adorado na corte da rainha Jezebel e do rei Acabe. Como Elias lhes oferecesse constantes recriminações a esse respeito, principalmente a rainha devotada ao profeta um órdio mortal, porquanto a fraqueza moral do rei Acabe fazia-o temer as ameaças de Elias.
Porém, essas ameaças finalmente tomaram a força de um ultimatum, na forma de um desafio proposto por Elias aos sacerdotes de Baal: o deu mais poderoso faria acender pilhas de madeira em local público e o vencedor reclamaria a vida do perdedor. A rainha, crente em seu deus e nos poderes de seus sacerdotes, viu aí a chance de dar cabo do incômodo profeta, que tanto a importunava, e topou o desafio.
No dia e hora aprazados, ei-los orando aos respectivos deuses e os sacerdotes não lograram ver a fogueira acesa, ao passo que, chegada a vez de Elias fazer sua invocação, um raio cai do céu e põe fogo nos gravetos amontoados pelo profeta hebreu, causando estupefação entre os presentes. Vencido o desafio, Elias reclamou seu prêmio e todos os sacerdotes de Baal são passados a fio de espada, para horror de Jezebel, cujo ódio só fazia crescer.
E como a morte não apaga os sentimentos, eis nossos personagens de volta ao palco terrestre, seis séculos depois. O rei Acabe, vamos vê-lo na pelo do rei Herodes, enquanto a Jezebel do passado é sua amante Herodíades, esposa do irmão desse rei, ao qual deixara para viver maritalmente com o cunhado, comportamento esse condenado pelo profeta João, que vinha a ser Elias renascido. E como, também, com a morte não cessam as indisposições entre os espíritos, as animosidades acompanham as reencarnações, até que os seres se permitam o benefício do reajuste entre si, quitando os respectivos débitos contraídos perante as leis divinas, esse grupo de espíritos endividados, agora reencontrando-se em nova experiência na carne, teve a oportunidade da reconciliação.

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Entretanto, as circunstâncias só se modificariam externamente e aqueles espíritos manifestariam outra vez quase o mesmo comportamento de antes. João, antigo Elias, recriminava a atitude dos soberanos; estes, por sua vez, externavam a pouca moralidade: o rei, receando a voz tonitruante "do que clama no deserto", e, por sentir, no fundo do coração, certa admiração pelo profeta, tolerava as admoestações; sua amante ainda mantinha as velhas indisposições, dedicando ódio ao Batista, embora ela e Herodes já passassem a admitir o Deus único, da forma como podiam e queriam. João, contudo, a pretexto a vinda próxima do Messias, insistia em que as pessoas, àquela época, modificassem suas inclinações morais a fim de se fazerem merecedoras de pertencer ao reino dos Céus.
É nesse clima de conturbação moral que Jesus realiza sua tarefa missionária, convocando os homens à construção do reino do Amor e da Verdade no altar do próprio coração. Deixa-se batizar por João e ouve de seu primo a inicial recusa: "Não sou digno de desatar tuas sandálias".
Mas ante o ódio crescente de Herodíades e sua pressão sobre a pusilanimidade do rei, o profeta é preso, situação esta que, para Herodes, é de proteção. No entanto, sem esquecer - inconscientemente - os aborrecimentos causados a ela desde muitos séculos, a mulher do rei procura um meio de se livrar da indesejável presença de João de uma vez por todas.
Aconteceu que aproximava-se o dia da festa de mais um aniversário de Herodes, quando a corte costumava presentear o soberano e este, mostrando-se agradecido, satisfazia o desejo de quem mais e melhor o adulasse. Herodíades arquiteta seu plano. Em conluio com sua bela filha, Salomé, sugere que esta dance para o rei e a instrui quanto à recompensa que poderia advir. Chegada a festa, é hora de Salomé apresentar-se e ela dança tão divinamente que o rei se rende à beleza e à arte da moça, sua enteada, dizendo-lhe que escolha o que quiser e será atendida.
Orientada pela mãe, Salomé exige, numa bandeja, a cabeça do profeta encarcerado. O rei estremece, atônito; não esperava por isso. Pedisse, a menina, outra coisa  e ele moveria céus e terras para satisfazê-la. Mas Salomé, agora sobraçada pela mãe, para não deixá-la fraquejar, não quer nada além e o rei que cumpra a palavra empenhada. Despachada, enfim, a ordem à guarda, pouco depois o carrasco traz numa bandeja prateada a cabeça sanguinolenta de João Batista, que desse modo resgata seus débitos para com Justiça Divina, submetendo-se à Lei de Causa e Efeito, demonstrando que, sim, o dito popular é correto: aqui se faz, aqui se paga.

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Porém, a belamente triste história de João Batista não termina aí. Sobre ele o Cristo diria, mais tarde, que sobre a Terra de então não havia espírito equivalente ao porte evolutivo do profeta, destacando-o como "o maior dos filhos de mulher". Entretanto, sendo grande entre os homens, João era dos menores no Reino dos Céus, segundo as palavras do próprio Jesus. Mas por essa grandeza relativa entre nós esse Espírito fora escolhido para anunciar a vinda do Messias, aplainando seus caminhos até o coração dos homens. Transcorridos vinte séculos, essa tarefa se transfere de João para os cristãos do presente, que ainda têm a incumbência de de "endireitar as veredas do Senhor", mas neles (nós) próprios, deste modo fazendo com que os demais, observando a nova dinâmica da vida dos seres transformados, operem em si mesmos semelhante "milagre"... 

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