Espírito e matéria

Francisco Muniz 

Comentamos, nesta oportunidade, o segundo tópico do capítulo II (Livro I) de O Livro dos Espíritos, referente aos “Elementos gerais do Universo”, especificamente as questões 21 a 22-a, que enfocam a compreensão quanto ao princípio material. Allan Kardec, com seu espírito arguto, indaga dos Espíritos Superiores se “a matéria existe de toda a eternidade, como Deus, ou foi criada por Ele num certo momento?”, recebendo em troca a resposta que já imaginamos: “Só Deus o sabe”. (É, pois, um daqueles segredos – ou mistérios – cujo véu ainda não temos condições de descerrar.) Os Espíritos continuam a resposta: “Há, entretanto, uma coisa que a vossa razão vos deve indicar: é que Deus, modelo de amor e de caridade, jamais esteve inativo. Qualquer que seja a distância a que possais imaginar o início de sua ação, podereis compreendê-lo um segundo na ociosidade?”.
Na questão 22, Kardec já nos coloca num plano mais objetivo: “Define-se geralmente como aquilo que tem extensão, pode impressionar os sentidos e é impenetrável. Essa definição é exata?”. Recordemos, entretanto, que o Codificador faz a pergunta em meados do século XIX, quando a ciência moderna dava seus primeiros passos. Assim, conheçamos a resposta dos mentores espirituais: “Do vosso ponto de vista, sim, porque só falais daquilo que conheceis, mas a matéria existe em estados que não percebeis. Ela pode ser, por exemplo, tão etérea e sutil que não produza nenhuma impressão nos vossos sentidos: entretanto, será sempre matéria, embora não o seja para vós”.
Não nos parece que os instrutores da Espiritualidade prenunciam a descoberta do plasma, o quinto estado da matéria, no século XX? Com a fotografia Kirlian descobriu-se o duplo etérico e estamos a um passo de comprovar cientificamente a existência do perispírito, a partir dos estudos sobe o modelo organizador biológico – “campos mórficos” – iniciados na Rússia (antiga União Soviética).
Kardec, por fim, em vista do pouco que sabemos, ainda hoje, sobre o que seja exatamente a matéria, questiona incisivamente os Espíritos: “Que definição podeis dar da matéria?”. A resposta oferece margem a uma série de outras reflexões: “A matéria é o liame que escraviza o espírito; é o instrumento que ele usa, e sobre o qual, ao mesmo tempo, exerce sua ação”. Escraviza e ao mesmo tempo é instrumento, auxiliar da ação, da manifestação do espírito... Isto nos leva a ponderar acerca da questão da posição do espírito perante o corpo físico. Não estando encerrado na matéria, mas atuando sobre ela, dela o espírito não pode desembaraçar-se senão ao fim de sua experiência de encarnado, com o esgotamento natural dos órgãos físicos. E não sendo o mundo físico o ambiente natural, original dos espíritos, é mesmo um sacrifício para eles o submeterem-se às provas da carne. A escravização que a matéria lhes impõe, portanto, é de ordem moral, tanto que, para certos espíritos, é como se estivessem mesmo introduzidos no arcabouço físico, tão identificados estão com a matéria.
Mas o corpo material é ainda instrumento da ação do espírito e para melhor refletirmos acerca desse ponto reportemo-nos à observação de Kardec quanto á resposta dos Espíritos Superiores a seu questionamento: “De acordo com isto, pode-se dizer que a matéria é o agente, o intermediário com a ajuda do qual o espírito atua”. Imaginemos um manipulador de teatro de bonecos e teremos uma vaga ideia dessa relação espírito-corpo, na qual o primeiro tem o domínio intelectual, mas sofre do outro certas influências materiais, as quais deve superar no processo de reeducação que experimenta.

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