"Esse jogo não pode ser 1 x 1"

Francisco Muniz
(publicado originalmente na revista Visão Espírita n.° 3 - Ano I - Junho.1998)

A cada quatro anos o panorama esportivo da Terra vibra com a realização da Copa do Mundo de Futebol, maior evento do gênero nessa modalidade em todo o planeta. Nessas ocasiões, as pessoas, principalmente as que se deixam entusiasmar pela performance de cada seleção nacional, formam uma "corrente-pra-frente" e não raro se deixam contagiar pelo fanatismo próprio das torcidas. Frequentemente esse fanatismo - que nada mais é senão a paixão exacerbada e, assim, mal direcionada - descamba para a violência, dando vazão a atos de vandalismo e outros de natureza extrema, como as brigas entre grupos rivais, algumas até seguidas de morte. Se se trata de uma emoção mais contida, entretanto, provoca às vezes anomalias na saúde do torcedor, chegando até mesmo a ocasionar mortes por infartos fulminantes, tal é o afã com que o amante do esporte se entrega à torcida.
A música de Jackson do pandeiro cujo primeiro verso dá título a esta matéria ilustra bem essa paixão, principalmente entre os brasileiros. Temos fama de ser os maiores em tudo, inclusive no fan atismo pelo futebol, por que não? Talvez percamos em violência para os hooligans, torcedores ingleses que promovem, à custa de embriaguez, muita baderna após cada jogo, geralmente nos países europeus onde os times da Inglaterra tenham de disputar campeonatos. Recentemente, as autoridades policiais da Europa têm usado de bastante rigor para conter os atos de vandalismo e violência gratuita dos hooligans, o que arrefeceu um pouco o ânimo desses torcedores. Voltando à música de Jackson do pandeiro, ela se completa deste jeito: "Esse jogo não pode ser um a um / se meu tipe perder tem zum-zum-zum". Os mais exaltados, como de se esperar, passaram a cantá-la com uma alteração, tão sutil quanto um elefante: em vez do "tem zum-zum-zum", introduziram o "eu mato um". Coisas do fanatismo.

Furor canarinho

Há algum tempo, um choque entre torcedores rivais na final de um campeonato regional em São Paulo provocou a morte de um adolescente, em meio a uma terrível batalha campal mostrada pra todo o Brasil pela TV, resultando na suspensão temporária das atividades das torcidas uniformizadas. Isso pouco resolveu. Ainda hoje torcedores costumam apedrejar ônibus de clubes rivais e atacar seus contrários. Muitos homicídios têm acontecido por esse motivo fútil. Determinado torcedor é alvejado com um tido apenas por vestir a camisa de um time detestado pelo autor do disparo. E assim os cemitérios vão se enchendo, embora as prisões não acompanhem a mesma proporção, apenas porque em geral os criminosos são réus primários e como tal têm direito a certas regalias por parte da justiça humana.
Durante os jogos da Seleção Brasileira na Copa do Mundo, os torcedores ficam ainda mais fanáticos, ao ponto de esquecerem o bom senso e a razão, adotando um comportamento que muitas vezes beira a loucura. As pessoas ficam tão ligadas à performance de certos jogadores, depositando neles toda uma esperança, ficam em tal estado emotivo que, ao verem frustrada sua expectativa (quando da perda de um pênalti, por exemplo), sucumbem ante um ataque cardíaco. Contam os mais velhos que, em 1950, muitos torcedores cometeram suicídio em pleno Maracanã devido á derrota do Brasil para a seleção do Uruguai. A conquista da Taça Jules Rimet, no México, durante a Copa de 1970, também provocou mortes, dessa vez por alegria exagerada.

Pão e circo

Tem sido assim, porém, desde que na antiga Roma as autoridades de plantão ofereciam pão e circo para conter o fastio e as ameaças de revolta por parte da população do império, em sua maioria pessoas escravizadas em todas as terras conquistadas pelos soldados dos césares. Quando o Cristianismo ainda se ensaiava no planeta como doutrina libertadora de mentes e corações, já o império romano mandava e desmandava no mundo até então conhecido. Era a maior potência político-econômica da época e, como tal, convivia com problemas intestinos de grande monta. O tédio provocado pela riqueza fácil entre os nobres patrícios (a classe dominante) exigia prazeres cada vez mais excitantes até que os espetáculos sangrentos foram instituídos, principalmente a partir da perseguição aos cristãos.
Somos sempre o que fomos, ensina-nos a Doutrina Espírita. As ações do passado regem e regulam os acontecimentos do presente e constantemente colhemos os frutos do que plantamos em existências passadas. Reencarnamos, contudo, com o assumido propósito de trabalhar por nosso progresso moral e intelectual, de modo a aumentarmos a compreensão quanto ás leis de Deus. O problema é que esquecemos esse compromisso e assim temos de "refazer" nosso aprendizado. Se nossa força de vontade não é capaz de corrigir nossas tendências no caminho da auto-estima, se por nosso livre-arbítrio nos mantemos presos a conceitos antigos que a memória inconsciente sinaliza, fatalmente voltamos a falir em nossas provas.

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