Comportamento em crise: o espírita, a hipocrisia e a atitude de amor

Florencio Anton
Enfermeiro e pedagogo

A evolução do pensamento científico sobre o comportamento humano define-o em tempos modernos como um processo dinâmico que responde pelo diálogo e influência recíprocos de diversos fenômenos , como: cultura, sociedade e seus papéis, expectativas, desejos e experiências. Esses fenômenos que relacionam-se entre si de forma ordenada e coerente geram um padrão especial de organização que chamamos personalidade.
McDavid e Harari (1980) apontam que este padrão organizado de cada indivíduo é em grande parte um produto da socialização e afirmam ainda que a formação genética do ser humano, que é única, bem como a sequência da aprendizagem de experiências durante o curso do desenvolvimento do berço á idade adulta que é também única, gera a organização única da personalidade do adulto. Junte-se a esta visão o fato de que ser espiritual em experiência humana, o homem traz consigo a bagagem de outras existências como diz Herculano Pires (1985):
“Cada ser traz consigo, para cada existência, os resultados do seu desenvolvimento anterior, em existências passadas. Esses resultados se encontram em estado latente no seu inconsciente, mas desde os primeiros anos de vida começam a revelar-se nas suas tendências e no conjunto das manifestações do seu temperamento...”
A socialização bem como os seus agentes que se definem nas figuras parentais, professores, autoridades, códigos culturais e até mesmo forças “sobrenaturais” surgem como elementos de controle para a moldagem do comportamento de maneira a que os indivíduos que se definem dentro de uma mesma cultura possam apresentar padrões de comportamentos homogêneos. Sendo assim, embora esse não seja o único processo da socialização, é de demasiada importância perceber o que a psicologia social chama de comportamento imitativo e contágio de comportamento como uma espécie de influência interpessoal onde um dado indivíduo apresenta-se como modelo a ser copiado pelo outro e o outro (para evitar a exclusão ou marginalização), de forma espontânea, não necessariamente deliberada, iguala seu comportamento ao do modelo.
A engrenagem social depende de padrões de comportamento que se institucionalizam em determinado grupo associando-se a um conjunto de crenças e expectativas comuns a todos os membros e gera posições, lugar ocupado em determinado grupo assim como papéis, padrão de função de comportamento designado pela posição que o membro ocupa como resultante da interação de características pessoais (personalidade) e a posição momentânea em que se situa.
As posições e os papéis (fartamente reproduzidos nas brincadeiras de infância) são extremamente importantes para uma determinada sociedade por que estabilizam relações e se mantém através de normas que regulam os procedimentos no âmbito individual ou coletivo.
Ocorre que em dias de século XXI ,momento de avanço e imposição de novas tecnologias, globalização, guerras, estertores geológicos, as posições e papéis que nas “sociedades tradicionais eram marcados por uma certa regularidade”, como aponta Trasferreti (2007), hoje movem-se no estardalhaço de uma crise comportamental avassaladora e começam a ser questionados uns, mantidos outros.
Essa crise nasce do dilema gerado por um lado pela necessidade do capital aqui representado não somente como dinheiro mas também como prestígio, domínio, prazer, trânsito livre no grupo em que se encontra e onde, conforme o pensamento de Joanna de Ângelis/Divaldo Franco (2007) “os avanços científicos e tecnológicos apressados e as ambições individuais ou coletivas na busca do acúmulo e do desfrute dão espaço ao vazio existencial e por outro pela necessidade cada vez mais premente de ouvir a consciência e assenhorear-se da herança de Deus.”
Parece-nos que o defendido discurso da ética, da amizade, da fraternidade, da solidariedade, do respeito dentro do axioma cristão do “não façais ao outro o que não gostaríeis que vos fizessem” afundou-se no lodaçal dos interesses e dos jogos sutis do poder e o que se percebe é o ressurgir de uma política pessoal absolutista, ainda que disfarçada, secundada pela “(...) astúcia, crueldade, e manipulação de circunstâncias...” onde os “fins justificam os meios”, conforme defendia Maquiavel em seu polêmico livro “O Príncipe”, analisado por Incontri e Bighetto (2008).
Desse modo o raciocínio descamba para o fato de que o cerne dos grandes conflitos, viciações e infelicidades humanos , de ontem e de hoje repousa no egoísmo. “O egoísmo é a fonte de todos os vícios...”, argumenta Allan Kardec (2006); e sendo assim é de se esperar encontrá-lo nas atitudes, ações e procedimentos hipócritas adotados por alguns religiosos e também por religiosos espíritas, a despeito do conhecimento que possuem sobre os princípios da ética defendida e vivida pelo Cristo.
As conjunções sociais conflitantes da modernidade por que nascentes no próprio homem em crise, alimentam e retroalimentam o comportamento e é de se esperar, embora não sem tristeza, que sejam reproduzidas em nossos arraiais. A hipocrisia sorrateiramente instalada acusa, maldiz, destrói e afasta os indivíduos das possibilidades de viverem o que pregam em “espírito e verdade”, como dizia Jesus.
O Espiritismo, que aponta o raciocínio como sustentáculo da fé sem dogmatismos, é defendido em seus princípios, mas, infelizmente, em alguns setores do movimento espírita, a partir da ótica de uma uniformização de pensamentos e ações, numa verdadeira conspurcação do direito ao livre pensar e ao pensar diferente, o diferente é excluído. Numa corrida infrene para o proselitismo esquece-se de que a vivência do AMOR em seus próprios caminhos é a melhor propaganda que se pode fazer da Doutrina, porquanto, como diz Kardec, “somente através do exemplo é que se conseguirá mudar a sociedade”. Uniformização é pretender que todos pareçam iguais; união é aceitação do outro como ele é na sua diferença, é agregar o diferente para fomento de aprendizagem em complemento de faculdades já que “não nascemos com as faculdades completas e é pela união social que elas se completam umas às outras...” (Kardec, 2006)
Nesse instante de revisão de valores é preciso ceder espaço á reflexão de que quanto mais se assume o que se é, embora não sem dor , abre-se caminho para a felicidade. Pois autoconhecimento e educação devem ser os instrumentos do espírita para a conquista de si mesmo. Conquista de si mesmo é conquista de felicidade.
O Movimento Espírita, formado por homens espíritas, como Instituição Social que é ,por sua vez é convidado , em tempos pós- modernos, à mudança... é preciso renunciar as estratégias de controle assim como ressignificar posições e papéis. As pregações moralistas recheadas de disseminação do medo , da punição, da culpa devem ceder espaço a pregações CONSCIENTIZADORAS com base no pensamento de que a “ própria teologia moral precisa renovar-se para acompanhar a evolução do mundo. Ela precisa tornar-se uma moral positiva que fale do amor com gratuidade, que compreenda os limites do humano, que liberte o ser humano em função do seu crescimento cada vez mais livre e aberto à sua própria construção e a Deus. Precisamos estimular uma moral voltada para a pessoa na sua totalidade; que julga a vida no seu complexo modo de ser e não somente através de normas e regras desenraizadas do seu cotidiano; que integra socialmente a dimensão histórico-social na pessoa e sua corresponsabilidade para com a sociedade e consigo mesma.” (Trasferretti, 1997)
Isto por que “(...) faz-se necessário buscar o novo. Há sinais de que estamos entrando numa nova fase da história. Muitos a chamam de pós-modernidade. Esta vem marcada por uma crítica á modernidade e exige a delimitação de novas bases sustentadoras do humano...” (Agostini, 1997)
Destarte uniremos ação e discurso, atitude e discurso, pensamento e discurso sentimento e discurso pois é necessário renunciar o lugar de suposto saber, esse lugar de arrogância e vaidade muitas vezes vestido de purismo no entendimento de que “ a vaidade de certos homens, que julgam saber tudo e tudo querem explicar a seu modo, dará nascimento a opiniões dissidentes. Mas, todos os que tiverem em vista o grande princípio de Jesus se confundirão num só sentimento: o do amor do bem e se unirão por um laço fraterno que prenderá o mundo inteiro. Estes deixarão de lado as miseráveis questões de palavras, para só se ocuparem com o que é essencial. E a doutrina será sempre a mesma quanto ao fundo, para todos os que receberam comunicações de Espíritos superiores.” (São João Evangelista et al., in O Livro dos Espíritos, 2006)

Procure não criar estereótipos!
Vença o preconceito!
Procure não julgar!
Pague o preço de ser sincero e não se permita cortejar pela hipocrisia!
Ame, pois o amor é a essência da vida, tudo mais se deteriora. Civilizações desaparecem, as instituições caem, os títulos se destroem, posições e papéis sociais mudam, mas o Amor, somente o AMOR permanece.

Bibliografia

AGOSTINI, N. Teologia Moral. Petrópolis: Vozes, 1997
ANGELIS, J.; FRANCO, D. Encontro com a Paz e a Saúde. Salvador: LEAL editora, 2006
INCONTRI, D.; BIGHETO, A. Filosofia: Construindo o pensar. São Paulo: Escala Educacional, 2008
KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB,2006
MCDAVID, J.; HARARI, J. Psicologia e Comportamento Social. Rio de Janeiro: Interciência, 1980
PIRES, J. H. Pedagogia Espírita. São Paulo: Edicel, 1985
TRASFERRETI, J. org. Filosofia, Ética e Mídia. Campinas: Alínea editora, 2007. 2.ed

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