Aprendendo a lavar pratos

Francisco Muniz


As tarefas rotineiras costumam desagradar a muita gente, mas certamente é porque bem poucas pessoas reconhecem o prazer que há por trás de atividades repetitivas, daí a insatisfação. Querem sempre novidades, mas se tivessem “olhos de ver”, como ensina o Cristo, veriam que tudo é novo, melhor, tudo na vida é renovado, mal o dia nasce. O Sol traz-nos a possibilidade de vermos a vida, em seus aspectos costumeiros, sob um novo prisma. Por outro lado, não há, convenhamos, nada de novo sob o Sol: as questões e os problemas são os mesmos; as situações da vida e as condições dos homens – sociais, familiares, funcionais... – permanecem de certo modo inalteradas. Mas é para o homem que o Sol nasce todos os dias, trazendo o convite da renovação através da retomada das atividades cotidianas. Essa repetição não quer ensinar senão a necessidade de nos disciplinarmos perante a vida, a fim de melhor compreendermos suas lições e nos adequarmos aos impositivos de autotransformação, que exige do homem uma postura humilde a fim de fazer-se merecedor.
Assim é que funções relegadas à subalternidade, tais como varrer a casa, forrar as camas e lavar pratos, por exemplo, podem se revestir de preciosos estímulos à renovação simplesmente por possibilitar a reflexão. Enquanto ocupamos as mãos no trabalho benemerente (há um resultado feliz a ser observado!), não temos tempo para divagar, o que quer dizer distração, uma vez concentrados na tarefa considerada importante naquele exato momento. Os pensamentos, então, estarão controlados, ou, no mínimo, condicionados e seguirão a direção que lhes dermos. É assim que podemos meditar em meio aos afazeres rotineiros, o que poderá, afinal, desenvolver-nos a disciplina mental com resultados até mesmo comportamentais (corporais), possibilitando a boa disposição de saúde pela interação corpo-mente, equilibrando pensamentos e emoções pela alegria de servir a uma causa justa, ainda que esta seja, por enquanto, apenas a arrumação de nossa casa física. Mas logo nos veremos arejando principalmente nossa casa mental, que vem a ser a alma, em seus aspectos psíquico e emocional /sentimental.
No Evangelho, encontramos certas passagens da vida do Cristo que nos permitem aprofundar esse entendimento. Uma delas é a ocasião da visita que o mestre faz às irmãs de seu amigo Lázaro, Marta e Maria, na cidade de Betânia. Narra a Boa Nova que Marta entregara-se aos afazeres para bem recepcionar em sua casa o ilustre visitante e seus companheiros, mas faz suas tarefas, que compreendemos serem habituais, de modo assoberbado, porquanto certamente acostumara-se a contar com a ajuda de sua irmã. Maria, no entanto, sabedora da importância daqueles visitantes, pôs-se à parte de suas obrigações rotineiras para participar das alegrias do Reino, posto que Jesus, o celeste emissário, ali estava pessoalmente, para seu contentamento. O Messias aguardado por toda Israel visitava sua casa e seu coração não se enganava na reverência que devia prestar a ele a qualquer tempo. Então, Maria, como diria o Cristo naquele mesmo dia, escolheria a melhor parte, ao passo que sua irmã entregava-se às atividades de ordem material, sem ter internalizado ainda a informação de que o Reino de Deus não vem para nenhum de nós com as aparências da exterioridade. Eis que isto – ou seja, as circunstâncias da vida material – termina por cansar e Marta encontra-se fatigada pelo trabalho a que se propôs por simples obrigação, não emprestando nem encontrando o mínimo de satisfação no que fazia, e apela ao Cristo no sentido de obter o auxílio de sua irmã.
Jesus, porém, não atende a esse pedido; pelo contrário, diz a Marta que ela se ocupa com muitas coisas quando só uma é necessária, afirmando, por fim, que Maria escolhera a melhor parte e, como ele não pode fazer ingerência sobre a escolha de ninguém, respeitando o livre-arbítrio de cada um de nós, disse ainda que essa melhor parte escolhida por Maria não lhe seria tirada, de modo que Marta teria que se responsabilizar sozinha pelas tarefas assumidas ou, se quisesse, sentar-se junto de sua irmã e dos apóstolos para também entreter-se agradavelmente com as lições relativas ao Reino dos Céus que começava a se instalar na Terra desde aquele momento.
É desse modo que santificamos tudo que fazemos na Terra, com vistas à condição que queremos experimentar no futuro, sentindo que estamos efetivamente ao lado do Cristo na realização de nossos deveres, mesmo os mais comezinhos, até termos condições de dar maiores passos no caminho do autoaprimoramento. E, como bem disse o Mestre, essa caminhada exige o esforço da renúncia e da perseverança, de maneira que haveremos de repetir incansavelmente a lição terminada no dia anterior, razão pela qual a rotina se estabelece perante nós como instrumento de autodisciplina, predispondo-nos para a transcendência através da meditação ou, quando menos, da concentração no trabalho a que estamos entregues no momento, a fim de que ele alcance o objetivo proposto.

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