Da natureza dos espíritos

Francisco Muniz



"Que é o espírito?", pergunta (q. 23 de O Livro dos Espíritos) Allan Kardec aos Espíritos Superiores. Àquela época - meados do século XIX -, do ponto de vista filosófico, o espírito era tomado como a vivacidade do indivíduo, ao passo que, religiosamente, equivalia à alma. Intrinsecamente, era (é) um completo desconhecido até a codificação do Espiritismo. Por esta doutrina somos informados de que o espírito é o "princípio inteligente do universo". Se tal definição não satisfaz, a princípio, a sede de saber, sigamos adiante.
Kardec desdobra essa questão perguntando qual é a natureza íntima do espírito (do que ele é constituído, como ele é em essência). Os autores da Doutrina nos dizem apenas que "não é fácil analisar o espírito em vossa linguagem. Para vós, ele não é nada, porque não é coisa palpável; mas, para nós, é alguma coisa". E passam-nos uma advertência: "Ficai sabendo: nenhuma coisa é o nada e o nada não existe". Por tais palavras entendemos que o espírito tem alguma substância, mesmo que esta fuja aos sentidos humanos.
A questão 24, Kardec a formula com bastante tirocínio, ainda assim recebendo dos Espíritos Superiores a necessária correção: "Espírito é sinônimo de inteligência?" - "A inteligência é um atributo essencial do espírito; mas um e outro se confudem num princípio comum, de maneira que, para nós, são uma e a mesma coisa." Com efeito, tomando-se, com o se tomava, o espírito pela vivacidade do indivíduo, essa resposta tem a coerência que Kardec esperava.
Mas aprofundemos um pouco o problema recorrendo a André Luiz. Em "Evolução em dois mundo", o distinto morador de Nosso Lar informa: "(...) Além da ciência que estuda a gênese das formas, há também uma genealogia do espírito. Com a Supervisão Celeste, o princípio inteligente gastou, desde os vírus e as bactérias das primeiras horas do protoplasma na Terra, mais ou menos quinze milhões de séculos, a fim de que pudesse, como ser pensante, embora em fase embrionária da razão, lançar suas primeiras emissões de pensamento contínuo para os Espaços Cósmicos".
Por André Luiz talvez seja fácil compreender a questão 25 de O Livro dos Espíritos, na qual o Codificador inquire se "o espírito é independe da matéria, ou não é mais do que uma propriedade desta, como as cores são propriedades da luz e o som uma propriedade do ar?"
Ora, a pergunta faz sentido, já que se pensava que o espírito era tão somente a vivacidade individual e, tal fosse o sujeito, tal seria o espírito. Mas os Superiores esclarecem: "Um e outro são distintos, mas é necessária a união do espírito e da matéria, para dar inteligência a esta".
Desdobrando a pergunta, Kardec retoma seu pensamento: "Essa união é igualmente necessária para a manifestação do espírito? (Por espírito, entendemos aqui o princípio da inteligência, abstração feita das individualidades designadas por este nome)". Veem? Com tal adendo o mestre lionês deixa claro o entendimento da época. "Ela é necessária para vós, porque não estais organizados para perceber o espírito sem a matéria; vossos sentidos não foram feitos para isso", respondem os Mensageiros.
Vamos concluir este artigo com a questão 26, uma das mais interessantes d'O Livro dos Espíritos: "Pode conceber-se o espírito sem a matéria e a matéria sem o espírito?" Bem entendido, Kardec cita o termo matéria referindo-se seguramente ao corpo humano. Assim, a resposta: "Pode-se, sem dúvida, pelo pensamento".
O problema, no entanto, parece se aprofundar, uma vez que o pensamento, no tocante à imaginação, pode nos pregar peças ao construir fantasias sobre tema tão palpitante. Mas a inteligência guarda um recurso capaz de solver tais enigmas. Pelo uso da razão, pode-se chegar ao conhecimento das coisas, discernindo entre o que é e o que somente parece ser.
Assim, abstraindo toda fantasia mental, provocada por preconceitos e pelo verniz cultural, entenderemos que, no caso em questão, a realidade do espírito, o que fica é a luz da verdade, pois os espíritos, em essência, não são mais do que centelhas... divinas!

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